Lei e justiça, aparentando tratar-se de uma e a mesma coisa, não o são!
Sendo certo que a Lei pretende, por principio, prosseguir um ideal abstracto de justiça, na sua aplicação, porém, nem sempre vê atingido tal desiderato.
O mesmo se diga acerca da
omissão na aplicação da Lei, a qual, prosseguindo o tal ideal de justiça e não sendo aplicada, constitui uma frustração das expectativas geradas legitimamente pela existência da Lei, logo uma injustiça em potencial.

Não é por acaso que os aplicadores da Lei (os magistrados judiciais) são, desde sempre, mas, talvez mais acutilantemente hoje, destinatários das acusações generalizadas acerca das maleitas da justiça (aqui entendida enquanto aparelho judiciário).
Não pretendendo entrar por aqui, pelos aplicadores judiciais das Lei, que constituindo também uma questão politica bem importante, é sobretudo uma questão de organização, eficiência e eficácia, quedemo-nos então pela aplicação da Lei pelas entidades da Administração Pública que têm tais atribuições e competências.
Tomemos, por exemplo, motivado este pelos recentes atentados ambientais em Armação de Pêra, o caso das autoridades marítimas.

Em recente comentário, uma visitante habitual, profissional da pesca artesanal em Armação de Pêra, refere um elenco de exigências técnicas, quer quanto ao exercício da profissão, quer quanto ao equipamento profissional, quer quanto ao desenvolvimento da actividade (extraordinariamente regulamentada), quer quanto à sujeição a sistemática fiscalização, quer quanto à sistemática sujeição a uma disciplina contra-ordenacional e suas coimas.
Se nos abstrairmos daquelas exigências que se prendem com as competências especificas para o exercício de uma profissão de risco e a sua segurança, as demais exigências prendem-se com a defesa das espécies e da ecologia aquática.
Qualquer pescador profissional tem o dever de conhecer a Lei e de adoptar um comportamento consentâneo com o que a mesma prescreve.

Isto independentemente do equilíbrio existente ou não, entre o número e natureza das exigências inerentes ao exercício da sua profissão e o resultado económico da mesma, avaliado este em termos relativos no confronto com o resultado de outras profissões e sem levar em conta os custos de investimento e exploração.
Se fossemos por aqui, bem poderíamos esperar pelo peixe congelado capturado pela soberba frota de pesca espanhola, pois não teríamos pesca artesanal para nos alimentar diariamente desse extraordinário peixe fresco.Mas não é por aqui que, hoje, pretendemos ir, razão pela qual vamos prosseguir, no pressuposto que a profissão vai continuar a exercer-se, como se nada fosse, por um conjunto de “idiotas” que insistem em sacrificar-se em verdadeiro martírio masoquista para satisfazer a procura de peixe fresco e cumprir as tradições das terras onde nasceram, como os seus antepassados.
Não sabendo por quanto tempo mais iremos ter esta actividade, o que é facto é que ainda a temos e ela debate-se com o enquadramento legal que nos referimos, cuja aplicação é fiscalizada pelas autoridades marítimas e cujo incumprimento é punido e penalizado com coimas que podem atingir elevados montantes.
Prosseguindo elevados valores e princípios, a legislação é aceitável e todos, pescadores ou não, consideram-na, na generalidade adequada, para os fins em vista.
Os aplicadores da Lei, as autoridades marítimas, agindo como agem, prosseguem as funções que a Lei determina e para tanto são pagos pelo esforço dos cidadãos-contribuintes que constituem a comunidade.
Sucede é que, as autoridades marítimas, para além destas competências e atribuições, têm outras, também prescritas na Lei.
De entre estas outras contam-se todas as medidas de gestão que permitam a detecção e avaliação das causas de poluição que possam afectar as águas balneares e prejudicar a saúde das banhistas, assim como a promoção do desenvolvimento de acções para prevenir a exposição dos banhistas à poluição a as demais tendentes à redução o risco de poluição, as quais podem, em casos excepcionais, conduzir à interdição temporária da prática balnear, como decorre do Decreto-Lei n.º 135/2009, de 3 de Junho.
Como entender então que sobre esta matéria nos presenteiem com a mais obscena omissão?Como entender então que, tendo o dever de proteger as espécies, persigam a malhagem ilegal e fechem escandalosamente os olhos à mortandade das espécies na Ribeira de Pêra?Em que é que 30 espécimes capturados por uma malha ilegal, são diferentes de 30 espécimes “assassinados” na Ribeira de Pêra?Que consequência tem um e outro facto para as Autoridades Marítimas?Que valores protege a Lei num caso e noutro?Como explicar esta dualidade de critérios a um pescador em particular e aos cidadãos em geral?Que a Lei não é igual para todos? Que os valores que a Lei pretende salvaguardar variam em função da qualidade do prevaricador?A omissão na aplicação da Lei gera frustração e constitui uma injustiça. Sobre esta muito se tem dito e escrito, mas um grande politico brasileiro do principio do século XX, Rui Barbosa, fê-lo de uma forma extraordinariamente precisa, concisa e elucidativa quanto às consequências da mesma na pessoas e na sociedade:
“A falta de justiça, Senhores Senadores, é o grande mal de nossa terra, o mal dos males, a origem de todas as nossas infelicidades, a fonte de todo nosso descrédito, é a miséria suprema desta nação.A sua grande vergonha diante do estrangeiro é aquilo que nos afasta dos homens, os auxílios, os capitais.A injustiça, Senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêem nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas.De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agitarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto…..”Nada mais verdadeiro na sua época e pais ontem como hoje, segundo muitos “opinion makers” contemporâneos. Nada mais verdadeiro hoje, um século depois, em Portugal.
A justiça não acontece só por termos Lei e instrumentos para a pôr em prática! A injustiças acontece, apesar disso, porque os aplicadores da Lei não se encontram à altura dos valores que a mesma pretende salvaguardar, nem, muitas vezes, sequer os entendem. Continuam a confundir autoridade com autoritarismo, prestação de serviço à comunidade com vigilância do exercício das liberdades individuais e conformação das mesmas.
Na verdade, a grande batalha da educação cívica continua por travar, 36 anos após o 25 de Abril!
Por fim e apesar do que pensamos e aqui deixamos, consideramos imprescindível resistir, por todos os meios legítimos, à “ditadura” dos tiranetes que polvilham a administração pública, qualquer que seja a expectativa que tenhamos ou não do resultado dessas acções de cidadania e resistência.
Ao caso concreto consideramos adequado o recurso ao PROVEDOR DE JUSTIÇA(1) entidade adequada(2) a receber uma queixa relativa às omissões em causa no triste caso da Ribeira de Pêra, por parte das diversas entidades da Administração Pública._________________________________________________
(1)Constituição da República Portuguesa
Art.º 23.º
(Provedor de Justiça)
1. Os cidadãos podem apresentar queixas por acções ou omissões dos poderes públicos ao Provedor de Justiça, que as apreciará sem poder decisório, dirigindo aos órgãos competentes as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças.
2. A actividade do Provedor de Justiça é independente dos meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis.
3. O Provedor de Justiça é um órgão independente, sendo o seu titular designado pela Assembleia da República pelo tempo que a lei determinar.
4. Os órgãos e agentes da Administração Pública cooperam com o Provedor de Justiça na realização da sua missão.
(2)
http://www.provedor-jus.pt/legislacao/estatutos.htm