O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.
quinta-feira, 29 de abril de 2010
O que Stiglitz quis dizer: a leitura também define o leitor
Paulo Pedro no seu blog Banco Corrido postou o texto onde comenta a entrevista de Joseph Stiglitz ao El País que mesmo sem a sua autorização nos atrevemos a transcrever.
Ainda não tinha lido a entrevista de Joseph Stiglitz ao El País e tinha-a recebido filtrada pelo que é notícia em Portugal, segundo a qual ele teria afirmado que se põe a hipótese de Portugal falir.
Como não o acho dado a estes catastrofismos nem a andar de braço dado com os movimentos especuladores, pareceu-me uma afirmação estranha. Tê-lo-ia dito no mesmo sentido em que eu tenho que pôr a hipótese de vir a ter um cancro fatal, embora não tenha indícios disso? Tê-lo-ia questionado a partir de alguma opção do Governo português que achasse reprovável?
Fui ler a entrevista que tem como título "O Euro pode desaparecer"e deparei-me com os parágrafos que transcrevo:
España, claro, está en esa tesitura. Y el Gobierno ha decidido subir el IVA en julio. "No hay solución fácil para España. Si no sube impuestos se expone a los ataques, pero es aún peor subirlos cuando la recuperación aún no ha llegado, porque puede provocar que el crecimiento se ralentice durante años, y eso no previene precisamente contra un futuro ataque especulativo", avisa. Si Grecia es Bear Stearns -el banco de inversión que fue rescatado-, la duda es quién puede ser Lehman Brothers, que quebró meses más tarde. ¿Tal vez España? "Quizá Portugal", dice Stiglitz. Y quizá la pieza sea aún mayor, "sobre todo si no aprendemos las lecciones de esta crisis y de las anteriores".
Stiglitz suele recurrir a la crisis asiática de los noventa como inspiración. Tailandia fue el primer gran país en caer. Los mercados apostaron entonces a que caería Indonesia: Indonesia cayó. Después pusieron en la diana a Corea: bingo. Hong Kong y Malaisia venían inmediatamente más tarde. "Esos dos países tomaron medidas y atacaron a quienes les atacaban: sufrieron, pero pudieron con los especuladores. Esa es la lección que debe aprender Europa. Y esa es la mayor decepción de esta crisis: no hay solidaridad".
Aqui os jornalistas leram que ele disse que Portugal pode falir. E disse. Eu leio que afirmou que a seguir ao ataque à Grécia haverá outros ataques a economias do Euro, talvez a nossa e que se o queremos impedir temos que combater os especuladores já e que garantir que o Euro se dota dos mecanismos de que não dispõe.
Talvez eu esteja a ler enviesadamente as notícias, mas não vejo que elas chamem minimamente a atenção para que o tal risco de falência de Portugal seja um risco de falência do Euro e não a resultante de um erro português. Sem este segundo elemento, a notícia transforma Stiglitz em companheiro de quem é adversário e faz do seu aviso para que a Europa mude de caminho um anúncio de que Portugal por sua culpa vai por caminho errado.
Talvez tudo se resuma a uma diferença de perspectivas, embora implique terapias radicalmente distintas. Os que pensam como Simon Johnson defenderão mais restrições orçamentais unilaterais de Portugal para combater a propensão dos governantes portugueses para o despesismo, os que pensam como Stiglitz defenderão mais solidariedade e concertação europeia para combater em conjunto a crise que a irresponsabilidade do sector financeiro gerou e para a qual estamos a ser arrastados.
A leitura também define o leitor. E preocupa-me ver pouca gente em Portugal, mesmo no centro-esquerda e na esquerda a pôr a tecla no sítio que me parece certo. Acho que estamos a interiorizar processos de culpabilização, como se querer modernizar o país economica e socialmente fosse uma aventura que Portugal não pode permitir-se.
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