A comunicação social, volta e meia, revela noticias internacionais sobre a prostituição, para muitos: a mais antiga profissão do mundo cuja existência contribui decisivamente para o equilíbrio e paz social, para outros uma intolerável exploração a que urge pôr cobro imediato, para outros ainda um pecado capital que contribui para a degeneração moral da sociedade.
Vejamos alguns exemplos:
“Uma cidade no norte de Espanha vai obrigar as prostitutas que procurem clientes nas estradas a usarem colete reflector. O objectivo é o de reduzir o risco de atropelamento.
As prostitutas que não usem colete em Els Alamus, perto de Lleida, na Catalunha, poderão ter de pagar multas de 40 euros, à luz do Código da Estrada, noticia o Telegraph.
Segundo a policia local, o objectivo é não prejudicar estas mulheres pela sua actividade, mas evitar que corram riscos desnecessários.
Nos últimos dois meses as prostitutas têm sido multadas por duas razões: por não usarem colete reflector e por provocarem perigo nas estradas.
A cidade havia lançado legislação que proibia as prostitutas de trabalharem nas zonas urbanas públicas, o que gerou acusações de que o autarca Josep Maria Bea estaria a empurrá-las para fora da localidade.
Em Espanha há cerca de 300 mil prostitutas: a profissão não é criminalizada; o que é ilegal lucrar com a prostituição de outras pessoas.”
“Em Bonn na Alemanha, o município instalou parquímetros para cobrar uma taxa às prostitutas que trabalham na rua.
Tendo em conta que a actividade está legalizada no país e que as profissionais do sexo que trabalham em casas de alterne são taxadas, o governo local decidiu que seria mais equitativo cobrar também impostos àquelas que trabalham na rua.
Assim sendo, cada trabalhadora deve depositar por seis euros por noite, o que lhes permite trabalhar durante 10 horas na rua, entre as 20.15 e as seis da manhã.
O pagamento será fiscalizado por funcionários públicos e quando tal não acontecer, a mulher fica sujeita ao pagamento de uma multa.
Embora a prostituição seja legal na Alemanha desde 2002, a actividade dos profissionais do sexo não agrada aos moradores de Bonn. Para satisfazer os cidadãos e proteger as prostitutas, a câmara municipal criou uma área específica para destinada para o efeito.
De acordo com a BBC foram construídas garagens especiais, feitas de madeira para que os clientes possam estacionar os seus carros e a zona é policiada por um agente da autoridade.”
O assunto é mais sério do que à primeira vista poderá parecer a alguns. Deu mesmo origem a uma petição cujo teor é bem elucidativo dos direitos e da justeza de tratar tal profissão com o respeito que é devido a qualquer outra:
“O direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, consagrado no nº. 1 do artº. 47 da Constituição da República, tem como limite, e de acordo com tal dispositivo, as restrições impostas pelo interesse colectivo.
Por outro lado, será importante lembrar que o Direito à vida, reconhecido como o primeiro dos direitos pela Constituição no seu artº. 24, também se exerce pela livre escolha do “modo de vida”, desde que não colida com a liberdade e a segurança dos concidadãos.
O direito à identidade pessoal, direito pessoal consagrado no artº. 26 da Lei Fundamental, exerce-se, nomeadamente, pela livre determinação do cidadão no que respeita às suas opções sexuais, que não podem ser geradoras, para si, de qualquer discriminação.
Também uma das formas pela qual se exerce o Direito ao Trabalho consagrado no artº. 58 da Constituição é a livre escolha da profissão ou género de trabalho.
Como importantes limites ao exercício destes direitos fundamentais por parte do cidadão, individualmente considerado, surgem o interesse colectivo, a liberdade e a segurança dos seus concidadãos.
A defesa e tutela dos principais interesses colectivos é garantida pela lei penal ao criminalizar e punir como criminosas certas acções e omissões violadoras de valores considerados essenciais e estruturantes da sociedade.
Atento o atrás exposto, é óbvio para os subscritores da presente Petição que o exercício da prostituição, quando praticado, livre e voluntariamente, por cidadãos e cidadãs de maior idade, enquanto prestadores independentes e autónomos de serviços, não sujeitos no exercício dessa sua actividade a qualquer tipo de subordinação, é uma actividade absolutamente legal e constitucionalmente permitida, desde que não colida com o interesse colectivo, limite que se coloca, aliás, ao exercício de qualquer actividade profissional.
Com efeito:
Qualquer cidadão é livre de escolher a sua profissão ou o género de trabalho, de fazer as suas opções sexuais e de dispor do seu corpo como entender.
Se há quem “ponha o seu corpo a render”, trata-se de uma opção que nos escusamos de caracterizar como fácil ou difícil. O que importa é saber se o faz livre e voluntariamente ou, ao invés, de forma que não se possa considerar autónoma e voluntária.
Neste caso, configurar-se-á uma situação de abuso e violência sexual de que é vítima o prestador de serviços sexuais. E essa situação verificar-se-á, independentemente de saber se essa violência é praticada pelo proxeneta ou pelo beneficiário desses favores sexuais que não respeite a autonomia e independência de quem os presta.
É essencial não esquecer que deverá ser o profissional do sexo a estabelecer, autónoma e livremente, o âmbito dessa prestação.
A prostituição, enquanto profissão, é, independentemente do seu reconhecimento pelos vários ordenamentos jurídicos, a mais velha profissão do mundo que se não erradica por Decreto ou por magia.
Em Portugal, o exercício da prostituição estava regulado e controlado pelo Estado que condicionava o seu exercício ao respeito do interesse colectivo que se traduzia na necessidade de garantir a ordem, o decoro e a saúde pública.
Ou seja:
A prostituição devia ser exercida nas “casas de passe”, devidamente licenciadas pelo Estado, onde as profissionais do sexo podiam exercer a sua actividade com a reserva e o decoro que a especificidade dos serviços por ela prestados requeria, não pondo em causa a chamada “moralidade pública” que a oferta de tais serviços, se feita na rua, poderia afectar.
Isto é:
O interesse colectivo que, à data, importava salvaguardar e que condicionava o exercício da prostituição era a necessidade de garantir alguma reserva e decoro no exercício dessa actividade, bem como a saúde pública, o que determinava que, legalmente, a prostituição só pudesse ser exercida em “casas de passe”, licenciadas e vistoriadas pelos serviços competentes do Estado, a quem, para além disso, cumpria a obrigação sanitária de certificar o estado de saúde das prostitutas.
Esta situação, que vigorou durante décadas, foi alterada por Salazar em 1962, após o Ditador ter convivido pacificamente com ela, durante mais de trinta anos, desde que se tornou Presidente do Conselho de Ministros em 1930.
Na verdade:
O exercício da prostituição foi proibido em Portugal pelo Decreto nº. 44579 de 19 de Setembro de 1962, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1963. Por tal Decreto, Salazar equiparou as prostitutas aos vadios e sujeitou-as à aplicação de medidas de segurança de internamento de duração sempre indeterminada e aplicadas administrativamente.
Com a implantação do Estado de Direito em Portugal pelo 25 de Abril, essas, como todas as outras medidas de segurança foram revogadas.
Por tal diploma legal, Salazar ilegalizou as chamadas “casas de passe”, determinando o seu encerramento com o despejo e apreensão de todos os bens aí encontrados. O produto da venda de tais bens em hasta pública reverteu para o Fundo de Socorro Social e o lenocínio passou a ser punido com pena de prisão até um ano e multa correspondente.
Em Angola, porém, as “casas de passe” não foram ilegalizadas nem as prostitutas passaram a ficar sujeitas à aplicação de medidas de segurança de internamento para reabilitação, porque, aí, não foram equiparadas aos vadios.
Ninguém estranhou, por isso, o êxodo maciço das prostitutas para Angola, onde poderiam continuar a exercer livremente a sua profissão, beneficiando dos cuidados sanitários de que até 1 de Janeiro de 1963 usufruíram na Metrópole. Em Angola, tinham trabalho garantido pelas dezenas de milhares de soldados que Salazar para aí enviara nos dois últimos anos.
O Ditador, mestre na perfídia, resolveu com tal Decreto um problema e uma necessidade gerados pelo estado de guerra em que o país estava envolvido no Ultramar, assegurando o “moral” e o “descanso dos guerreiros”, à custa daquelas mulheres que, na Metrópole, transformara em vadias.
Na Metrópole, ficaram aquelas prostitutas que, por razões de variadíssima ordem, não puderam emigrar para Angola, para aí se estabelecerem.
Sem “casas de passe” onde se pudessem acolher para, com recato, poderem exercer a sua profissão, as muitas prostitutas que ficaram na Metrópole foram “despejadas” nas ruas, onde passaram a exercer a sua actividade sem o mínimo controle sanitário e sujeitas a medidas de segurança que implicavam o seu internamento, levadas pela chamada “Ramona” para “caridosas instituições”, a quem o regime cometeu a digna e beatífica tarefa de, sem prazo pré-definido, as recuperar.
Com o 25 de Abril, o exercício da prostituição feminina e masculina ficou isento desse risco, ganhando, por isso, maior visibilidade.
Não tendo sido criminalizado o exercício da prostituição, manteve-se, porém, a ilegalização das “casas de passe” determinada por Salazar e o lenocínio continuou a ser punido.
Com a globalização crescente, ninguém pode desconhecer que o tráfico mundial de mulheres cresceu exponencialmente, sobretudo nas duas últimas décadas, fazendo de muitas delas verdadeiras escravas, cruelmente oprimidas, abusadas e exploradas por proxenetas miseráveis que, gradualmente, foram ganhando o estatuto mais “limpo” de “industriais do sexo”.
O lenocínio é hoje praticado de forma escandalosamente impune. Os novos “proxenetas” também se internacionalizaram e, actualmente, há verdadeiras “centrais internacionais” de tráfico de mulheres.
Em Portugal, também a prostituição e o lenocínio cresceram exponencialmente, não obstante o favorecimento à prostituição ter passado a ser punido com uma pena que vai de seis meses a cinco anos de prisão.
Mas, sendo conhecida a dificuldade de provar esse crime, porque a maior parte das vezes são as próprias mulheres traficadas que protegem o traficante e o proxeneta, a impunidade grassa e a indústria do sexo cresce a olhos vistos, perante a passividade de um Estado abúlico e com claros tiques de um moralismo bafiento, que o inibe de olhar o problema de frente, enquadrando o exercício da prostituição, pondo cobro a um vazio legislativo e a uma cumplicidade com esse “sector industrial” que, no mínimo, se deverá entender como tácita.
É imperioso que o Estado Português, seguindo o exemplo de outros Estados Europeus ocidentais, não continue a “fazer de conta” que não existem os problemas gerados pelo exercício caótico e desregulado da prostituição.
Postulando que nunca se acabará com a mais velha profissão do mundo, por mais draconianas que sejam as medidas que visem erradicá-la, mais valerá aprender a conviver com ela sem moralismos e dogmatismos fundamentalistas, para, com pragmatismo, e sempre tendo consciência de que não há modelos perfeitos, propor soluções, visando garantir a saúde pública, o decoro, a liberdade e o direito dos profissionais do sexo a exercerem a sua actividade com recato e em segurança, em estabelecimentos licenciados para o efeito.
Não reconhecendo ao Estado o poder de condicionar o cidadão na possibilidade de escolher, livremente, a sua profissão, o seu modo de vida e as suas opções sexuais, pugnamos pelo reconhecimento explícito por parte do Estado da prostituição, enquanto actividade profissional, geradora para quem a exerce de direitos e deveres de natureza pessoal, social, económica e fiscal, que deverão ser consignados em legislação a produzir.
Em simultâneo, deverá o Estado munir-se dos necessários meios para tornar exequível a legislação em vigor, visando a punição exemplar do lenocínio e do tráfico de pessoas para exploração sexual.
Estes dois objectivos, bem como a erradicação da “prostituição de rua”, que hoje se pratica sem qualquer reserva e de forma indiscriminada, são absolutamente conciliáveis entre si, pois que, como se demonstrará, a legalização da prostituição pode ser feita punindo, concomitantemente, essa forma “vadia” de a praticar, e declarando guerra sem tréguas aos chamados “industriais do sexo”, libertando as prostitutas e os prostitutos da exploração cruel e esclavagista a que aqueles os sujeitam.
O Estado deverá pôr fim ao vazio legislativo que tem permitido que o exercício desta profissão, não reconhecida por lei, ande em “roda livre” desde 1 de Janeiro de 1963.
Deverá fazê-lo, porque os “trabalhadores do sexo” que livremente escolheram essa profissão, são cidadãos de pleno direito que não deverão ser discriminados relativamente aos demais, em virtude e por causa dessa sua opção.
Há, aliás, razões de saúde pública que, no contexto da luta contra a SIDA e outras doenças sexualmente transmissíveis, impõe urgentemente um controle sanitário dos “profissionais do sexo” e, quiçá, em certas casos, até, dos seus próprios clientes.
Definidas as “regras do jogo” que deverão regulamentar o exercício da prostituição, o Estado deverá ser rigoroso na punição dos que as violarem.
E exemplar deverá ser, quer na adopção de medidas legislativas que, em paralelo com a fiscalização desta actividade, criem mecanismos institucionais que viabilizam saídas profissionais para os profissionais do sexo que pretendam deixar essa actividade para se dedicar a outra, quer na profilaxia e prevenção da prostituição.
Nenhum destes objectivos é utópico e todos eles são exequíveis em simultâneo, desde que, entre outras, se adoptem as necessárias medidas legislativas e regulamentares.
Antes de enunciarmos aquelas medidas que, em nosso entender, deverão ser adoptadas, queremos deixar claras as razões pelas quais pugnamos pela erradicação da prostituição de rua e não defendemos a criação de zonas devidamente delimitadas e assinaladas, onde a mesma possa ser exercida.
Na verdade, não advogamos a constituição de guetos.
Mas importa garantir, por outro lado, que a oferta dos serviços por parte dos profissionais do sexo, atenta a especificidade dos mesmos, seja feita com recato, assim se evitando algum clamor público, produzido, sobretudo, por muitos dos que, imbuídos de velhos preconceitos, se recusam a reconhecer num profissional do sexo um seu concidadão de pleno direito, exercendo uma actividade legal.
Impedir o “trottoir” protege, inclusivamente, os profissionais do sexo dessas incompreensões e, sobretudo, dos proxenetas que, aproveitando-se da fragilidade desses profissionais, lhes oferecem protecção, explorando-os em contrapartida.
Lutar contra o proxenetismo e contra os “industriais do sexo” só é possível erradicando a prostituição de rua, geradora dessa dependência relativamente ao “chulo” e criando condições para que os profissionais do sexo sejam verdadeiros profissionais independentes, donos do seu próprio negócio e não trabalhadores por conta de outrem.
Ao fim e ao cabo, importa garantir a esses profissionais o direito a recusar um cliente, a definir, livre e autonomamente, o âmbito dos serviços a prestar por si e, em síntese, o direito irrenunciável a dizer “NÃO”.
Tal desiderato só se atingirá se o profissional do sexo não for um trabalhador subordinado a um proxeneta ou a um “industrial do sexo” que, enquanto seu empregador ou empresário, o possa obrigar a prestar os seus serviços ao cliente do “bordel” de que este é proprietário.
O que importará é garantir que o profissional do sexo, em vez de ser um trabalhador do “bordel”, que cobra aos seus clientes o preço dos serviços por ele prestados e fixados pelo proxeneta, contratualize directamente com o utente dos seus serviços as condições em que eles deverão ser prestados, livre da “canga” e do controle daquele.”
O tema excede em importância o ilustre texto que acabamos de reproduzir, pelo que prometemos voltar com outras abordagens.
Entretanto revelamos um documento histórico que chegou até hoje, como recordação, através de um armacenense que serviu em França, durante a Primeira Guerra Mundial e voltou vivo.
Trata-se de um Catálogo de preços, correntes para o ano de 1915, de uma famosa "casa de passe" parisiense, propriedade de Mademoiselle Marcel LAPOMPE, sita na igualmente famosa Rue du Chat-Noir.
4 comentários:
"Quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada e a honestidade se converte em auto-sacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada".
O que é que as "P" tem a ver com Armação???????????????????????
É que elas andem aí (como em todo o lado)
Devia haver um sinal daqueles na zona do Serol/Amadeu...
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