Decidimos fazer uma escuta ilegal. Escolhemos uma conversa entre um jovem contribuinte que pretende dar os seus primeiros passos motorizado, montado em quatro rodas, uma vez que os transportes públicos no Algarve são escassos, e o Estado que, pretensamente, a todos assegura condições elementares de existência.
Contribuinte - Gostava de comprar um carro.
Estado - Muito bem. Faça o favor de escolher.
Contribuinte - Já escolhi. Além do preço, tenho que pagar alguma coisa mais?
Estado - Sim. Imposto sobre Automóveis (ISV) e Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)
Contribuinte - Ah... Só isso.
Estado - ... e uma "coisinha" para o pôr a circular. O selo.
Contribuinte - Ah!..
Estado - ... e mais uma coisinha na gasolina necessária para que o carro efectivamente circule. O ISP.
Contribuinte - Mas... sem gasolina eu não circulo.
Estado - Eu sei.
Contribuinte - ... Mas eu já pago para circular...
Estado - Claro!...
Contribuinte - Então... vai cobrar-me pelo valor da gasolina?
Estado - Também. Mas isso é o IVA. O ISP é outra coisa diferente.
Contribuinte - Diferente?!
Estado - Muito. O ISP é porque a gasolina existe.
Contribuinte - ... Porque existe?!
Estado - Há muitos milhões de anos os dinossauros e o carvão fizeram petróleo.. E você paga.
Contribuinte - ... Só isso?
Estado - Só. Mas não julgue que pode deixar o carro assim como quer.
Contribuinte - Como assim?!
Estado - Tem que pagar para o estacionar.
Contribuinte - ... Para o estacionar?
Estado - Exacto.
Contribuinte - Portanto, pago para andar e pago para estar parado?
Estado - Não. Se quiser mesmo andar com o carro precisa de pagar seguro.
Contribuinte - Então pago para circular, pago para conseguir circular
e pago por estar parado.
Estado - Sim. Nós não estamos aqui para enganar ninguém. O carro é novo?
Contribuinte - Novo?
Estado - É que se não for novo tem que pagar para vermos se ele está
em condições de andar por aí.
Contribuinte - Pago para você ver se pode cobrar?
Estado - Claro. Acha que isso é de borla? Só há mais uma coisinha...
Contribuinte - ...Mais uma coisinha?
Estado - Para circular em auto-estradas
Contribuinte - Mas... mas eu já pago imposto de circulação.
Estado - Pois. Mas esta é uma circulação diferente.
Contribuinte - ... Diferente?
Estado - Sim. Muito diferente. É só para quem quiser.
Contribuinte - Só mais isso?
Estado - Sim. Só mais isso.
Contribuinte - E acabou?
Estado - Sim. Depois de pagar os 25 euros, acabou.
Contribuinte - Quais 25 euros?!
Estado - Os 25 euros que custa pagar para andar nas auto-estradas.
Contribuinte - Mas não disse que as auto-estradas eram só para quem quisesse?
Estado - Sim. Mas todos pagam os 25 euros.
Contribuinte - Quais 25 euros?
Estado - Os 25 euros é quanto custa o chip...
Contribuinte - ... Custa o quê?
Estado - Pagar o chip. Para poder pagar.
Contribuinte - Não percebo ...
Estado - Sim. Pagar custa 25 euros.
Contribuinte - Pagar custa 25 euros?
Estado - Sim. Paga 25 euros para poder pagar.
Contribuinte - Mas eu não vou circular nas auto-estradas.
Estado - Imagine que um dia quer...tem que pagar.
Contribuinte - Tenho que pagar para poder pagar porque um dia posso querer?
Estado - Exactamente... Você paga para poder pagar o que um dia pode querer.
Contribuinte - E se eu não quiser?
Estado - Paga multa.
Contribuinte - O que dá muito jeitinho...
Estado - Não percebo!
O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
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1 comentário:
Actualização histórica da célebre frase de Maria Antonieta:*
*França, 1789: "Não têm pão? Comam brioches."
*Portugal, 2011: "Não têm pílulas? Façam broches."
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