O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017
Legislar versus fiscalizar
Por
ANDRÉ BARRETO /09 OUT 2016 /in “DN”
Nunca percebi o afã legislativo. A necessidade, que parece ser só porque sim, de mandar leis cá para fora sobre assuntos que, muitas vezes nem são sequer isso; assuntos. Tenho aliás para mim que deve haver um medidor qualquer que desconheço dentro dos partidos que premeia o governante que conseguir legislar mais.
Depois, nós pobres cidadãos e empresas, é que temos de levar com isso em cima, a maior parte das vezes sem perceber com que sentido. Peço, por uma questão de poupança de caracteres, que considerem que quando refiro leis considerem englobados os regulamentos, que devem fazer parte da segunda linha da tal medição supra mencionada.
As leis são tantas que, depois, não há tempo para efectuar fiscalizações. Pior, quando estas acontecem, perde-se a noção do que é fundamental em detrimento do que – perdoem-me a franqueza – não interessa nem ao Menino Jesus.
Na hotelaria, provavelmente injustamente, sente-se que as acções inspectivas decorrem de denúncias. Não são, consequentemente, feitas para certificar do cumprimento de normas importantes ou para assegurar o mínimo de condições de qualidade na prestação do serviço mas outrossim para validar se o papel está exposto ou se o mapa se encontra afixado.
Convencido como estou que a melhor forma de nos sustentarmos no longo prazo reside na capacidade de prestarmos um serviço de qualidade num produto também ele de qualidade, faz-me naturalmente confusão que se entenda mais relevante verificar a documentação laboral do que saber quantos quartos um colaborador é obrigado a limpar por dia ou averiguar se no pequeno-almoço se disponibiliza, somente, 2 qualidades de fruta em calda.
Posso extrapolar a questão para os estabelecimentos de restauração e bebidas e falar-vos, por exemplo, do negócio que existe na certificação de alguns destes locais, por empresas que lá vão uma vez, emitem um distintivo e nunca mais ninguém as vê. E se a Inspecção lá vai depois só para ver o papelinho, parece-me curto porque importante seria verificar o resto.
Gostava, portanto, de poder ter uma fiscalização mais actuante e mais focada no essencial, a trabalhar na lógica do prémio aos cumpridores e não como angariadora de receitas extra por via de multas.
Isto sim, seria trabalhar para a qualidade, que tanto se apregoa e pouco se pratica.
ANDRÉ BARRETO /09 OUT 2016 /in “DN”
Nunca percebi o afã legislativo. A necessidade, que parece ser só porque sim, de mandar leis cá para fora sobre assuntos que, muitas vezes nem são sequer isso; assuntos. Tenho aliás para mim que deve haver um medidor qualquer que desconheço dentro dos partidos que premeia o governante que conseguir legislar mais.
Depois, nós pobres cidadãos e empresas, é que temos de levar com isso em cima, a maior parte das vezes sem perceber com que sentido. Peço, por uma questão de poupança de caracteres, que considerem que quando refiro leis considerem englobados os regulamentos, que devem fazer parte da segunda linha da tal medição supra mencionada.
As leis são tantas que, depois, não há tempo para efectuar fiscalizações. Pior, quando estas acontecem, perde-se a noção do que é fundamental em detrimento do que – perdoem-me a franqueza – não interessa nem ao Menino Jesus.
Na hotelaria, provavelmente injustamente, sente-se que as acções inspectivas decorrem de denúncias. Não são, consequentemente, feitas para certificar do cumprimento de normas importantes ou para assegurar o mínimo de condições de qualidade na prestação do serviço mas outrossim para validar se o papel está exposto ou se o mapa se encontra afixado.
Convencido como estou que a melhor forma de nos sustentarmos no longo prazo reside na capacidade de prestarmos um serviço de qualidade num produto também ele de qualidade, faz-me naturalmente confusão que se entenda mais relevante verificar a documentação laboral do que saber quantos quartos um colaborador é obrigado a limpar por dia ou averiguar se no pequeno-almoço se disponibiliza, somente, 2 qualidades de fruta em calda.
Posso extrapolar a questão para os estabelecimentos de restauração e bebidas e falar-vos, por exemplo, do negócio que existe na certificação de alguns destes locais, por empresas que lá vão uma vez, emitem um distintivo e nunca mais ninguém as vê. E se a Inspecção lá vai depois só para ver o papelinho, parece-me curto porque importante seria verificar o resto.
Gostava, portanto, de poder ter uma fiscalização mais actuante e mais focada no essencial, a trabalhar na lógica do prémio aos cumpridores e não como angariadora de receitas extra por via de multas.
Isto sim, seria trabalhar para a qualidade, que tanto se apregoa e pouco se pratica.
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terça-feira, 31 de janeiro de 2017
segunda-feira, 30 de janeiro de 2017
domingo, 29 de janeiro de 2017
Mais de 40 nacionalidades compraram casas em Portugal em 2016
In: DN, 18/1/2017,
A diversificação de nacionalidades e motivações de quem compra casa no país tem vindo a crescer, segundo a consultora JLL, que informou ter transacionado em 2016 com 43 nacionalidades.
A diversificação de nacionalidades e motivações de quem compra casa no país tem vindo a crescer, segundo a consultora JLL, que informou, esta quarta-feira, ter transacionado em 2016 com 43 nacionalidades contra 26 do ano anterior.
Na apresentação do balanço de 2016 e perspetivas para 2017, com base nas suas transações que incluem 840 casas em empreendimentos novos em Lisboa (+68%), a consultora indicou que 65% dos compradores são estrangeiros. Nesta amostra encontram-se 43 nacionalidades estrangeiras, nomeadamente Brasil, França, China, África do Sul, Líbano e Turquia.
Patricia Barão, responsável pela área residencial da JLL, comentou o abrandamento da procura por chineses, nomeadamente devido à desaceleração na atribuição de ‘Vistos Gold’ (autorização de residência para a atividade de investimento) e porque o parque de imobiliário foi sendo escoado.
Aos jornalistas, a especialista enumerou que além dos ‘Vistos Gold’ e benefícios fiscais há também compra de casa por estrangeiros por acharem que “Portugal é um ótimo país para viverem a reforma”. O aumento de turistas tem feito crescer o interesse de pessoas em viver no país, além de os “valores (de venda de casas) serem mais apetecíveis que nas restantes cidades europeias”, enumerou ainda.
Uma pesquisa de mercado feita pela consultora mostrou que o metro quadrado, no segmento ‘prime’ (mais qualificado) em Lisboa custa oito mil euros, ainda abaixo dos 10 mil de Madrid e 12 mil euros de Berlim. Em Paris o preço é 18 mil euros e em Londres alcança os 27 mil.
A JLL prevê que o setor imobiliário para 2017 continue em terreno positivo. “Tudo indica que este momento é para durar, sobretudo se soubermos perceber e apoiar as estratégias de investimento dos ‘players’ que estão atentos ou a atuar em Portugal e desde que se garanta estabilidade fiscal”, referiu o diretor-geral, Pedro Lencastre, que notou as “boas oportunidades” para concretizar em Lisboa, como a Feira Popular e as zonas de Alcântara e Campolide.
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sábado, 28 de janeiro de 2017
O Valor da Liberdade
Por Fernanda Palma (professora Catedrática de Direito Penal) in Correio da Manhã de 12.10.2008
Antes da Reforma do Processo Penal, a prisão preventiva só originava indemnização em casos de grave ilegalidade ou erro grosseiro. O arguido só poderia ser indemnizado se a medida fosse aplicada a crime que não a admitisse, fosse decretada por entidade incompetente, se prolongasse para além do prazo ou estivesse manifestamente desprovida dos pressupostos.
Nos casos que agora vieram a público, as indemnizações fundamentam-se neste regime e não nas alterações legais. Porém, em 2007, a lei passou a admitir a reparação, mesmo perante a decisão legal de um magistrado diligente, desde que se prove a inocência do visado – por não estar implicado no crime ou ter agido justificadamente.
No fundo, questiona-se se é justo exigir a um inocente que abdique dos seus direitos para o Estado garantir a segurança colectiva.
Segundo a lógica do contrato social, trata-se de saber se estamos a ceder a nossa liberdade e suportar os custos da prisão preventiva quando uma suspeita orienta erradamente a investigação contra nós.
Uma resposta radical dirá que os erros são o custo da actuação das policias e dos tribunais e uma espécie de imposto de segurança que temos de suportar, ainda que inocentes. Uma resposta moderada excluirá ilegalidades e erros flagrantes, admitindo a responsabilização dos magistrados que errarem intencionalmente ou com negligência grosseira.
Mas há outra resposta, que se aproxima da nova lei processual penal. Um inocente comprovado que sofra prisão preventiva merece compensação. Não está em causa a responsabilização de magistrados ou policias, que terão actuado com diligência, mas sim a assunção pelo Estado dos custos da segurança, que não devem recair sobre inocentes.
Neste caso, a reparação não depende da culpa das autoridades. Considera-se, apenas, que a liberdade é um bem essencial e que a sua negação, quando o arguido não lhe deu causa, merece ser compensada. Assim se passa, aliás, com a prisão efectiva se a revisão da sentença condenatória concluir pela inocência do “reabilitado”.
Sustentei, antes da Reforma, tal solução. A “expropriação da liberdade” de um inocente não pode valer menos do que a expropriação da propriedade, para a qual se prevê indemnização. Em França, por exemplo, o regime é semelhante. E pergunto aos que criticam a solução se estariam dispostos a perder a liberdade, sem culpa e sem compensação, em nome do interesse público.
Creio que a resposta é negativa. Aceitar o sacrifício, em homenagem ao funcionamento sem constrangimentos do Estado, equivale a reconhecer que o Estado não existe para servir a liberdade e que a liberdade pode ser instrumentalizada contra a ideia de dignidade da pessoa humana: tanto a dignidade do inocente como a de quem o condena.
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terça-feira, 24 de janeiro de 2017
A intimidade na prostituição em 24 imagens
Por: Marta Leite Ferreira in Observador de 17/1/2017
A Galeria de Belas Artes Daniel Cooney revelou as imagens de
profissionais do sexo que estiveram em exposição em Nova Iorque durante o
último verão. Vinte fotógrafos aceitaram expor as fotos que captaram
prostitutos e prostitutas com quem trabalharam de perto, ora no exercício da
sua profissão, ora na intimidade de quem vende o corpo em troca de dinheiro.
A
ideia, explicou Daniel Cooney ao Observador, é mostrar o envolvimento desses
fotógrafos com os prostitutos que os inspiraram. E fizeram-no recuperando fotografias
mais antigas da profissão para entender como é que ela evoluiu ao longo do
tempo (afinal, é a mais velha do mundo).
De acordo com o organizador do evento, que agora publicou as
fotografias na Internet, “enquanto muitos dos fotógrafos fornecem um vislumbre
das mais íntimas atividades, também contam histórias das pessoas retratadas e
abrem uma porta para inúmeras perceções do comportamento humano”.
A exposição sediada em Nova Iorque não deverá regressar às galerias,
mas pode agora ser vista online.
Explore
as imagens nesta fotogaleria. Pode ver
outras a partir de
este link.
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Dossier Prostituição
segunda-feira, 23 de janeiro de 2017
domingo, 22 de janeiro de 2017
Uma democracia contra a vontade do PC e do MFA
Não podia haver uma guerra civil, mas podia haver uma matança e algumas figuras justificadamente trataram de se esconder ou de tomar precauções. Soares, com a cabeça a prémio, foi à Alameda.
Tirando as fantasias de Spínola, havia em 26 de Abril de 1974 três forças políticas: o Partido Comunista (que tinha um programa), o MFA (que estava armado) e Mário Soares, que a Europa conhecia e estimava. No I Governo Provisório, Soares foi ministro dos Negócios Estrangeiros, com o encargo de “negociar” a descolonização (na balbúrdia dos tempos a trapalhada era quase uma regra). Muita gente o criticou depois, sem perceber que nenhuma “negociação” era possível quando o exército se insurreccionara precisamente para sair de África. Ficava a Soares, pela ausência de outro qualquer aliado, o trabalho de estabelecer uma democracia contra a vontade do PC e do MFA.
O PC não queria impor aqui o “socialismo real” da Europa de Leste, que os russos não podiam sustentar. Como Cunhal se fartou de explicar, só queria uma “democracia de tipo diferente”, um conceito muito falado na guerra civil de Espanha e agora tirado do ferro-velho da seita. Em que consistia essa antiga monstruosidade? No meio da retórica do costume, consistia em fazer o Estado tomar conta dos “commanding heights” da economia (a energia – incluindo o petróleo – a banca, as seguradoras, a indústria pesada e as grandes propriedades fundiárias do sul). Ao resto de Portugal, o PC dava licença de ir à sua vidinha, com os sindicatos submetidos à CGTP e a administração central e local ocupada por militantes e por “amigos com provas”.
O bom povo compreendeu que este magnífico plano o levaria rapidamente à miséria e uma larga parte dos militares, duramente analfabetos, acharam que na sociedade do dr. Cunhal ficariam ao abrigo de qualquer represália, excepto evidentemente das represálias que o dr. Cunhal lhes resolvesse aplicar por desobediência ou “desvio” político. O problema do dr. Soares era instilar um pouco de bom senso e realismo em algumas cabeças do MFA; e ir resistindo ao assalto do PC ao Estado e às “culminâncias” da economia, uma benemérita actividade a que a “inteligência indígena” prestou os seus zelosos serviços.
Posto isto, o PS precisava também de reforçar a sua organização e de se estender a todo o país. Em 1974, o partido não ia além de algumas venerandas figuras da I República, de alguma Maçonaria e de cinco ou seis dúzias de drs., espalhados pelo Porto e por Lisboa. A geração da crise académica rejeitou quase completamente o que lhe parecia ser um instrumento do “sub-imperialismo” alemão. Não achava o PS “revolucionário” que lhe chegasse e fundou o MES (uma sombra do MIR chileno) e, quando o MES se desfez numa inqualificável loucura, os mais sensatos (11 ou 12, se isso) passaram a almoçar juntos num hotel de Lisboa, sob a designação de GIS (ou Grupo de Intervenção Socialista). Escusado será dizer que não intervieram em nada de consequente.
Mas, mesmo sem eles, Soares conseguiu suster ou moderar os golpes — porque eram verdadeiros golpes, preparados na sombra e executados à revelia dos poderes nominalmente legais — do PC e do MFA. Durante meses pôs na rua manifestações cada vez maiores de um povo que, ao contrário do “slogan”, se começava a desunir. Quando uma greve de tipógrafos (não de jornalistas) fechou o jornal socialista “A República”, Portugal e a Europa compreenderam de uma vez quem eram o MFA e o dr. Cunhal.
E o dr. Cunhal e o MFA ficaram mais longe de resolver o seu grande problema: a eleição para a Constituinte. Prometida pelo programa original dos militares, sinal para o mundo da boa fé dos “revolucionários” do dia essa eleição tinha de se fazer e, simultaneamente, não se podia fazer. Se por acaso se fizesse, ganhava Soares e todo o plano de Cunhal e dos seus camaradas do MFA iria abaixo. E se por acaso não se fizesse a ilegitimidade do PREC (como na altura sentimentalmente se chamava ao delírio da esquerda) não deixaria a mais leve dúvida a ninguém. Felizmente uma parte do MFA, que se recusava a ser o braço forte da repressão comunista e a receber ordens do PC, insistiu na eleição e calou a facção mais excitada do exército. Em Abril de 1975, o povo desunido votou: à volta de 38 por cento em Soares e à volta de 12 por cento no PC.
Mas nem perante esta arrasadora evidência a “festa” terminou. À boa maneira leninista, a televisão e a imprensa insultavam e caricaturavam a Assembleia, houve cercos de operários indignados por causa dos representantes do país se atreverem a discutir os problemas do país, Cunhal garantia a uma senhora italiana (muito célebre nessa altura) que em Portugal nunca haveria uma “democracia burguesa”. A “inteligência” de cá desceu a abismos de indignidade a que raramente alguém desceu e a seguir andou anos a comprar do seu bolso os seus próprios livros, com o fim de purificar o mercado e de aparecer limpinha ao dr. Mário Soares.
A atmosfera de medo e de intimidação não parou com as eleições de 75. As manifestações continuavam, a censura apertou nos jornais, na RTP e nas rádios. José Saramago apelava à revolta no “Diário de Notícias”. Quem falava no parlamento ou em votos era um puro “burguês” dedicado a esmagar as “classes trabalhadoras”. E começaram a correr rumores de guerra civil. Os rumores eram absurdos por três razões. Primeiro, porque nenhuma das partes tinha dinheiro. Segundo, porque a “revolução” indisciplinara as tropas do PC (e a URSS proibira disparates). Terceiro, porque a gente de Otelo não passava de uma mascarada sem valor militar. Não podia haver uma guerra civil, mas podia haver uma matança e algumas figuras justificadamente trataram de se esconder ou de tomar precauções. Soares, com a cabeça a prémio, foi à Alameda e a seguir ajudou, à sua maneira, o golpe de 25 de Novembro, que removeu de cena os partidários do PREC.
Infelizmente, o dito PREC deixara Portugal em ruínas e os militares no centro do regime político. O Presidente da República (Eanes) comandava efectivamente o exército. O Conselho da Revolução, sem espécie de mandato, aprovava ou desaprovava a legislação da Assembleia, com o propósito de preservar intacta a sua preciosa “revolução”. Mas Soares, Balsemão, Freitas do Amaral e Mota Pinto, entre si e contra algumas facções internas no PS e mesmo no PSD, acabaram por meter os militares nos quartéis, sem lhes deixar um vestígio de influência política.
Nesse ponto crítico, Eanes, a meses de sair de Belém, decidiu organizar um novo partido para ele e para os amigos: o PRD. Mas Soares, entretanto eleito Presidente da República, não o deixou viver. À primeira oportunidade dissolveu a Assembleia, sabendo perfeitamente que ia entregar uma maioria a Cavaco. E, de facto, entregou, porque o PRD juntava só o oportunismo e ressentimento e sem poder não valia um cêntimo. Soares viu desfilar os seus inimigos íntimos pela televisão. Mas ganhou. Ganhámos nós.
VPV
Tirando as fantasias de Spínola, havia em 26 de Abril de 1974 três forças políticas: o Partido Comunista (que tinha um programa), o MFA (que estava armado) e Mário Soares, que a Europa conhecia e estimava. No I Governo Provisório, Soares foi ministro dos Negócios Estrangeiros, com o encargo de “negociar” a descolonização (na balbúrdia dos tempos a trapalhada era quase uma regra). Muita gente o criticou depois, sem perceber que nenhuma “negociação” era possível quando o exército se insurreccionara precisamente para sair de África. Ficava a Soares, pela ausência de outro qualquer aliado, o trabalho de estabelecer uma democracia contra a vontade do PC e do MFA.
O PC não queria impor aqui o “socialismo real” da Europa de Leste, que os russos não podiam sustentar. Como Cunhal se fartou de explicar, só queria uma “democracia de tipo diferente”, um conceito muito falado na guerra civil de Espanha e agora tirado do ferro-velho da seita. Em que consistia essa antiga monstruosidade? No meio da retórica do costume, consistia em fazer o Estado tomar conta dos “commanding heights” da economia (a energia – incluindo o petróleo – a banca, as seguradoras, a indústria pesada e as grandes propriedades fundiárias do sul). Ao resto de Portugal, o PC dava licença de ir à sua vidinha, com os sindicatos submetidos à CGTP e a administração central e local ocupada por militantes e por “amigos com provas”.
O bom povo compreendeu que este magnífico plano o levaria rapidamente à miséria e uma larga parte dos militares, duramente analfabetos, acharam que na sociedade do dr. Cunhal ficariam ao abrigo de qualquer represália, excepto evidentemente das represálias que o dr. Cunhal lhes resolvesse aplicar por desobediência ou “desvio” político. O problema do dr. Soares era instilar um pouco de bom senso e realismo em algumas cabeças do MFA; e ir resistindo ao assalto do PC ao Estado e às “culminâncias” da economia, uma benemérita actividade a que a “inteligência indígena” prestou os seus zelosos serviços.
Posto isto, o PS precisava também de reforçar a sua organização e de se estender a todo o país. Em 1974, o partido não ia além de algumas venerandas figuras da I República, de alguma Maçonaria e de cinco ou seis dúzias de drs., espalhados pelo Porto e por Lisboa. A geração da crise académica rejeitou quase completamente o que lhe parecia ser um instrumento do “sub-imperialismo” alemão. Não achava o PS “revolucionário” que lhe chegasse e fundou o MES (uma sombra do MIR chileno) e, quando o MES se desfez numa inqualificável loucura, os mais sensatos (11 ou 12, se isso) passaram a almoçar juntos num hotel de Lisboa, sob a designação de GIS (ou Grupo de Intervenção Socialista). Escusado será dizer que não intervieram em nada de consequente.
Mas, mesmo sem eles, Soares conseguiu suster ou moderar os golpes — porque eram verdadeiros golpes, preparados na sombra e executados à revelia dos poderes nominalmente legais — do PC e do MFA. Durante meses pôs na rua manifestações cada vez maiores de um povo que, ao contrário do “slogan”, se começava a desunir. Quando uma greve de tipógrafos (não de jornalistas) fechou o jornal socialista “A República”, Portugal e a Europa compreenderam de uma vez quem eram o MFA e o dr. Cunhal.
E o dr. Cunhal e o MFA ficaram mais longe de resolver o seu grande problema: a eleição para a Constituinte. Prometida pelo programa original dos militares, sinal para o mundo da boa fé dos “revolucionários” do dia essa eleição tinha de se fazer e, simultaneamente, não se podia fazer. Se por acaso se fizesse, ganhava Soares e todo o plano de Cunhal e dos seus camaradas do MFA iria abaixo. E se por acaso não se fizesse a ilegitimidade do PREC (como na altura sentimentalmente se chamava ao delírio da esquerda) não deixaria a mais leve dúvida a ninguém. Felizmente uma parte do MFA, que se recusava a ser o braço forte da repressão comunista e a receber ordens do PC, insistiu na eleição e calou a facção mais excitada do exército. Em Abril de 1975, o povo desunido votou: à volta de 38 por cento em Soares e à volta de 12 por cento no PC.
Mas nem perante esta arrasadora evidência a “festa” terminou. À boa maneira leninista, a televisão e a imprensa insultavam e caricaturavam a Assembleia, houve cercos de operários indignados por causa dos representantes do país se atreverem a discutir os problemas do país, Cunhal garantia a uma senhora italiana (muito célebre nessa altura) que em Portugal nunca haveria uma “democracia burguesa”. A “inteligência” de cá desceu a abismos de indignidade a que raramente alguém desceu e a seguir andou anos a comprar do seu bolso os seus próprios livros, com o fim de purificar o mercado e de aparecer limpinha ao dr. Mário Soares.
A atmosfera de medo e de intimidação não parou com as eleições de 75. As manifestações continuavam, a censura apertou nos jornais, na RTP e nas rádios. José Saramago apelava à revolta no “Diário de Notícias”. Quem falava no parlamento ou em votos era um puro “burguês” dedicado a esmagar as “classes trabalhadoras”. E começaram a correr rumores de guerra civil. Os rumores eram absurdos por três razões. Primeiro, porque nenhuma das partes tinha dinheiro. Segundo, porque a “revolução” indisciplinara as tropas do PC (e a URSS proibira disparates). Terceiro, porque a gente de Otelo não passava de uma mascarada sem valor militar. Não podia haver uma guerra civil, mas podia haver uma matança e algumas figuras justificadamente trataram de se esconder ou de tomar precauções. Soares, com a cabeça a prémio, foi à Alameda e a seguir ajudou, à sua maneira, o golpe de 25 de Novembro, que removeu de cena os partidários do PREC.
Infelizmente, o dito PREC deixara Portugal em ruínas e os militares no centro do regime político. O Presidente da República (Eanes) comandava efectivamente o exército. O Conselho da Revolução, sem espécie de mandato, aprovava ou desaprovava a legislação da Assembleia, com o propósito de preservar intacta a sua preciosa “revolução”. Mas Soares, Balsemão, Freitas do Amaral e Mota Pinto, entre si e contra algumas facções internas no PS e mesmo no PSD, acabaram por meter os militares nos quartéis, sem lhes deixar um vestígio de influência política.
Nesse ponto crítico, Eanes, a meses de sair de Belém, decidiu organizar um novo partido para ele e para os amigos: o PRD. Mas Soares, entretanto eleito Presidente da República, não o deixou viver. À primeira oportunidade dissolveu a Assembleia, sabendo perfeitamente que ia entregar uma maioria a Cavaco. E, de facto, entregou, porque o PRD juntava só o oportunismo e ressentimento e sem poder não valia um cêntimo. Soares viu desfilar os seus inimigos íntimos pela televisão. Mas ganhou. Ganhámos nós.
VPV
sábado, 21 de janeiro de 2017
sexta-feira, 20 de janeiro de 2017
quinta-feira, 19 de janeiro de 2017
quarta-feira, 18 de janeiro de 2017
terça-feira, 17 de janeiro de 2017
segunda-feira, 16 de janeiro de 2017
Mesmo num cenário decrépito e decadente, resistir, remar contra a corrente na busca de terra firme, não goza da simpatia do poder incompetente!
"A Economia do Hostel
Não se pode ter uma conversa sem ouvir “a minha ideia é fazer um hostel”. As pessoas desaguam na rara actividade económica que dá algum lucro. Para arredondarem os fins de mês e as pensões ou como modo de vida no desemprego. Enquanto durar o turismo, este é o resíduo de prosperidade que um sistema fiscal brutal e uma pobreza geral autorizam. Portugal não tem dinheiro. Não tem fluxos de capital nem stocks de capital. Não tem um sistema bancário funcional. Não tem um crescimento económico que assegure o pagamento da divida sem pedir mais emprestado. E não tem capacidade para sustentar o Estado social e a administração pública. Com o investimento público paralisado, os serviços públicos estão cm travão. Nos hospitais públicos falta equipamento, faltam medicamentos inovadores, faltam técnicos e as esperas são quilométricas sempre que há um surto de doenças de inverno. Os hospitais servem de asilo a velhos cujas famílias não têm meios de os cuidar. Na educação, basta averiguar a penúria das universidades e a sua incapacidade para renovar os quadros docentes e pagar salários decentes (existem jovens professores a trabalhar sem remuneração) para perceber a ginástica dos orçamentos e a falta de recursos financeiros que ditarão o envelhecimento e a degradação do ensino superior público. Dois e dois ainda não são cinco, embora às vezes pareça.
A máquina da justiça é o que é, incapaz de produzir uma acusação a tempo e horas e entregue à demagogia dos tabloides, corporativa e disfuncional. A rede de transportes públicos é desorganizada, obsoleta e controlada por sindicatos comunistas que resistem à mudança e determinam o calendário de trabalho com as greves.
O aeroporto de Lisboa mudou de nome mas não mudou de lugar e, atulhado de aviões, espera a hora da construção de um novo aeroporto para o qual não há dinheiro nem vai haver, a não ser que a Europa decida continuar a subsidiar-nos. Em compensação, a extensa rede de autoestradas, onde por cada cem metros construídos sobram uns trinta metros roubados, apresenta a sua esplendorosa desolação devido ao preço das portagens. Numa viagem ao Norte, pude apreciar autoestradas vazias e a dificuldade de lhes fugir visto que todos os caminhos da sinalética lá vão dar, como se as estradas nacionais se tivessem evaporado. A estrada nacional Lisboa-Porto está atulhada de camiões. No metro do Porto, o contrato dos swaps continua por resolver e talvez seja, como medisse um financeiro em Londres, cidade onde se julga a questão jurídica, o contrato mais estúpido que um Estado seria capaz de assinar. Responsáveis, para variar, não há, como na Caixa Geral de Depósitos, no BES/Novo Banco ou no Banif. A camarilha que manda nisto protege-se atrás dos partidos e só muda de poiso. Em Lisboa, a rede de transportes não tem racionalidade e a divida acumulada será paga pelos contribuintes. O Metro está decadente e é curto, servindo a periferia e não os habitantes e trabalhadores da cidade, a Carris circula vazia às horas de ponta no centro, os comboios da CP estão podres e os carros suburbanos enchem os cofres dos parques privados e da EMEL. A poluição e o congestionamento são insuportáveis, o ar na Avenida da Liberdade é irrespirável, e a Baixa e o centro histórico são, estranhamente, um ponto de escoamento. As mudanças na Avenida da Liberdade, inúteis, trouxeram mais carros para a cidade e afogaram as ruas paralelas de carros que tentam escapar. O Princípe Real, onde se vendem casinhas arruinadas a estrangeiros por dois milhões de euros, ou se fazem hostels, tem uma fila perpétua de carros, mesmo ao fim de semana. Cheira a gasolina queimada.
A austeridade obrigou a abandonar as preocupações ambientais, ou o magno problema da sustentabilidade, e não se vislumbra um traço de desígnio nesta área. A recolha de lixo em Lisboa é catastrófica, a limpeza das ruas é errática. A juntar a estes erros da capital, a mudança da divisão administrativa em freguesias apenas significou abandono e nula intervenção. Na minha rua, onde o lixo por recolher fica meses preso nas ervas daninhas nunca eliminadas, onde a iluminação pública está apagada, onde os pavimentos têm buracos e pedras da calçada espalhadas que fazem cair velhos e novos, onde o jardim é o jardim mais maltratado de Lisboa (estava impecável no tempo de João Soares, e nunca mais ficou assim), onde o estacionamento noturno é selvagem e onde os carros do lixo espalham mais lixo do que recolhem, a única beneficiação foram as riscas pintadas de fresco da EMEL, para recolher a multa, mais os pingos brancos no passeio. O amor pelos pavimentos do presidente da Câmara é um típico exemplo de micromanagement e falta de visão de conjunto que só beneficia os escolhidos da lotaria.
A enumeração de desastres continuava mas falta-me o espaço.
Se os ventos na Europa deixarem de soprar a nosso favor, como decerto acontecerá, estamos à mercê de uma miséria especulativa como nunca conhecemos. Restam-nos o hostel e a Uber, servindo a nossa vocação para servir."
Clara Ferreira Alves, in Expresso
Não se pode ter uma conversa sem ouvir “a minha ideia é fazer um hostel”. As pessoas desaguam na rara actividade económica que dá algum lucro. Para arredondarem os fins de mês e as pensões ou como modo de vida no desemprego. Enquanto durar o turismo, este é o resíduo de prosperidade que um sistema fiscal brutal e uma pobreza geral autorizam. Portugal não tem dinheiro. Não tem fluxos de capital nem stocks de capital. Não tem um sistema bancário funcional. Não tem um crescimento económico que assegure o pagamento da divida sem pedir mais emprestado. E não tem capacidade para sustentar o Estado social e a administração pública. Com o investimento público paralisado, os serviços públicos estão cm travão. Nos hospitais públicos falta equipamento, faltam medicamentos inovadores, faltam técnicos e as esperas são quilométricas sempre que há um surto de doenças de inverno. Os hospitais servem de asilo a velhos cujas famílias não têm meios de os cuidar. Na educação, basta averiguar a penúria das universidades e a sua incapacidade para renovar os quadros docentes e pagar salários decentes (existem jovens professores a trabalhar sem remuneração) para perceber a ginástica dos orçamentos e a falta de recursos financeiros que ditarão o envelhecimento e a degradação do ensino superior público. Dois e dois ainda não são cinco, embora às vezes pareça.
A máquina da justiça é o que é, incapaz de produzir uma acusação a tempo e horas e entregue à demagogia dos tabloides, corporativa e disfuncional. A rede de transportes públicos é desorganizada, obsoleta e controlada por sindicatos comunistas que resistem à mudança e determinam o calendário de trabalho com as greves.
O aeroporto de Lisboa mudou de nome mas não mudou de lugar e, atulhado de aviões, espera a hora da construção de um novo aeroporto para o qual não há dinheiro nem vai haver, a não ser que a Europa decida continuar a subsidiar-nos. Em compensação, a extensa rede de autoestradas, onde por cada cem metros construídos sobram uns trinta metros roubados, apresenta a sua esplendorosa desolação devido ao preço das portagens. Numa viagem ao Norte, pude apreciar autoestradas vazias e a dificuldade de lhes fugir visto que todos os caminhos da sinalética lá vão dar, como se as estradas nacionais se tivessem evaporado. A estrada nacional Lisboa-Porto está atulhada de camiões. No metro do Porto, o contrato dos swaps continua por resolver e talvez seja, como medisse um financeiro em Londres, cidade onde se julga a questão jurídica, o contrato mais estúpido que um Estado seria capaz de assinar. Responsáveis, para variar, não há, como na Caixa Geral de Depósitos, no BES/Novo Banco ou no Banif. A camarilha que manda nisto protege-se atrás dos partidos e só muda de poiso. Em Lisboa, a rede de transportes não tem racionalidade e a divida acumulada será paga pelos contribuintes. O Metro está decadente e é curto, servindo a periferia e não os habitantes e trabalhadores da cidade, a Carris circula vazia às horas de ponta no centro, os comboios da CP estão podres e os carros suburbanos enchem os cofres dos parques privados e da EMEL. A poluição e o congestionamento são insuportáveis, o ar na Avenida da Liberdade é irrespirável, e a Baixa e o centro histórico são, estranhamente, um ponto de escoamento. As mudanças na Avenida da Liberdade, inúteis, trouxeram mais carros para a cidade e afogaram as ruas paralelas de carros que tentam escapar. O Princípe Real, onde se vendem casinhas arruinadas a estrangeiros por dois milhões de euros, ou se fazem hostels, tem uma fila perpétua de carros, mesmo ao fim de semana. Cheira a gasolina queimada.
A austeridade obrigou a abandonar as preocupações ambientais, ou o magno problema da sustentabilidade, e não se vislumbra um traço de desígnio nesta área. A recolha de lixo em Lisboa é catastrófica, a limpeza das ruas é errática. A juntar a estes erros da capital, a mudança da divisão administrativa em freguesias apenas significou abandono e nula intervenção. Na minha rua, onde o lixo por recolher fica meses preso nas ervas daninhas nunca eliminadas, onde a iluminação pública está apagada, onde os pavimentos têm buracos e pedras da calçada espalhadas que fazem cair velhos e novos, onde o jardim é o jardim mais maltratado de Lisboa (estava impecável no tempo de João Soares, e nunca mais ficou assim), onde o estacionamento noturno é selvagem e onde os carros do lixo espalham mais lixo do que recolhem, a única beneficiação foram as riscas pintadas de fresco da EMEL, para recolher a multa, mais os pingos brancos no passeio. O amor pelos pavimentos do presidente da Câmara é um típico exemplo de micromanagement e falta de visão de conjunto que só beneficia os escolhidos da lotaria.
A enumeração de desastres continuava mas falta-me o espaço.
Se os ventos na Europa deixarem de soprar a nosso favor, como decerto acontecerá, estamos à mercê de uma miséria especulativa como nunca conhecemos. Restam-nos o hostel e a Uber, servindo a nossa vocação para servir."
Clara Ferreira Alves, in Expresso
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