
Passados alguns segundos fui abordado por uma adolescente que se cruzava comigo, a qual com um ar simultaneamente educado e simpático, abordando-me com a postura genuína de quem me está a surpreender com a boa noticia que se dá a quem, desatento, perdeu um objecto pessoal de valor, disse:
- O Senhor deixou cair isto!
Exibindo-me na sua mão o maço Marlboro amachucado.
O significado que este pequeno episódio teve na minha disciplina ecológica, e do qual me recordo sempre que me ocorre o tema da cidadania, acrescida da sua própria pedagogia, e ao caso concreto, em poesia, não é mensurável!
Na verdade, surtiu o efeito, condensado, de mil lugares comuns, acerca da importância da preservação do ambiente. Considerei a intervenção de que fui destinatário, em primeiro lugar, duma oportunidade extraordinária e no caso concreto, de uma eficácia exemplar. Enfim um veiculo pedagógico único!
Alertou-me, por outro lado, e naquilo que aqui mais interessa, para as vantagens do ensino enquanto veiculo transmissor de instrução, educação e valores da comunidade e sobretudo do efeito indutor que tal veiculo pode atingir, na melhor idade para certas aprendizagens.
Com a generalização do ensino básico, o analfabetismo foi significativamente reduzido em Portugal, mas a iliteracia atinge cerca de oitenta por cento da população. A democracia instalou-se, mas a educação cívica e a cidadania constituem horizontes longínquos que não integram ainda a realidade do português médio, quanto a nós, em percentagem superior à da iliteracia.
Para a construção do País que os de boa fé procuram, quanto a nós, a educação pública deveria preocupar-se tanto com disciplinas como o Português e a Matemática, como com a disciplina da Cidadania.
De facto a história politica do País justifica, desde Abril, a implementação acelerada da generalização da educação democrática de todos, com a dignidade de integrar todos os curriculum do ensino público e privado, como disciplina tão nuclear quanto o Português e a Matemática, do primeiro ano de escolaridade obrigatória ao último ano do ensino superior.
Incorporando matérias tão aparentemente distantes como o código da estrada e a administração de um condomínio, os direitos dos consumidores e a fiscalidade e os direitos do contribuinte, os direitos de personalidade e a ecologia, do associativismo e do cooperativismo, do ambiente ao planeamento familiar, ao sistema politico, a serem devidamente organizadas e leccionadas ao longo da carreira escolar do cidadão.
Em Portugal

Esperar placidamente que os portugueses se auto eduquem democraticamente é cinismo se não for intencional para conservá-los abstencionistas e não participativos.

Disseram-nos há dias que na Noruega todos os meses as crianças ocupam uma fracção do seu horário escolar em acções práticas de natureza ambiental na sua Vila ou cidade. É natural esperar que fiquem educadas nesta sede e preparadas para lidar com a coexistência pacifica com o meio e os elementos.
Estamos convictos que muito da distância, da irresponsabilidade e do autoritarismo que ainda caracteriza as relações do Estado e de muitos dos seus órgãos, com os cidadãos, se esbateria por passar a realmente compreender-se, quer do lado de dentro, quer do lado de fora do balcão respectivo, que ambos os interlocutores se encontram perante um membro da comunidade, um cidadão com direitos e deveres e informado dos mesmos, designadamente do dever dos cidadãos ao serviço da administração do Estado, de conviver e respeitar os direitos dos seus pares com a responsabilidade que lhes pode ser exigida, a eficiência, o civismo e a urbanidade e que o exercício de um direito por parte dos mesmos não pode ser tido como um atrevimento, um desafio, ou um enfado.
Um Estado pode ter recursos limitados e as elites económicas também, ao ponto de não conseguirem dinamizar uma economia sustentável que propicie uma existência economicamente digna aos seus cidadãos. Não tem é razões sustentáveis para não promover e assegurar uma educação para a cidadania e dignidade civil dos seus cidadãos para que o sejam de corpo inteiro, como pares e não como súbditos.
Suprir o défice de cidadania, por esta via (haverá outra?), poderá ser demorado, mas também pode constituir o caminho mais curto para suprir todos(muitos) os outros défices da sociedade portuguesa.
O mínimo que se poderá dizer acerca do contributo da gestão democrática do pais para uma reestruturação da escala dos valores comuns típicos da democracia, é de que foi muito reduzido. O mesmo não se poderá dizer da influência que a prática politica democrática tem desencadeado ao nível do incremento de muitos desvalores, em sede politica e também social.