Um Governo a cair aos poucos
1-O Governo de Passos Coelho está completamente paralisado, sem estratégia e
sem que os ministros se entendam. Só dialoga com a troika, com a subserviência
conhecida, perante os autocratas que a constituem. Ninguém sabe de quem
realmente dependem.
Mas é um Governo teimoso, porque o Presidente da República, isolado, no seu
palácio, contra a população que o elegeu e cada vez mais o critica, considera,
estranhamente, legítimo, o Governo. Só por ter sido, há dois anos, eleito, com
um programa de promessas que não tem qualquer correspondência com o que tem
vindo a fazer?
No sábado passado houve uma grande manifestação - empurrada e contida por um
montão de polícias - em que, sendo inicialmente contra o Governo de Passos
Coelho, a personalidade mais vaiada foi o Presidente Cavaco Silva.
Quer isto dizer que a crise que nos afeta não é só financeira e económica, é
também política - assim o quer o Senhor Presidente -, social e ética. Uma crise
de regime, se Cavaco Silva teimar em ser ele - ou parecer - a mandar no
Governo, contra os termos da Constituição da República que jurou e que o
Governo conscientemente ignora.
Atenção, porque uma tal crise apavora os mercados, que vão começar a fugir.
Serão os primeiros a fazê-lo, com as consequências que daí advirão. O Senhor
Presidente não deve ignorar esta perigosíssima situação e por isso tem de agir,
quanto antes, contra este Governo que ninguém quer nem respeita. Senão será seu
cúmplice.
É caso para se pensar: estará o Senhor Presidente Cavaco Silva a ser
chantageado, como tem sido o ministro Paulo Portas, e daí os seus ziguezagues
políticos? Não quero acreditar. Mas de qualquer modo o Presidente deve refletir
e mudar rapidamente, porque está a seguir um caminho errado e muito perigoso.
Para o País e para ele.
2-Em toda a parte do País, o Governo de Passos Coelho está a ser atacado. Até o
Pai, médico ilustre, em Vila Real - terra de nascimento do primeiro-ministro -,
numa entrevista bem paternal e interessante, aconselhou o filho a abandonar o
Governo, quanto antes, porque tudo vai de mal a pior. Passos Coelho, parece não
ter ouvido o seu Pai.
Agora, imagine-se, foi o Porto - a cidade invicta - que se resolveu a atacar o
Governo. Pela voz dos mais prestigiados portuenses. Dos académicos aos
empresários, a antigos políticos do PSD e do PS - e os profissionais e homens
da cultura. Segundo a batuta e a voz do ainda presidente do município Rui Rio.
Porquê agora? Em virtude do boicote que o Governo está a fazer à Sociedade de
Reabilitação Urbana - Porto Vivo. Rio reuniu uma centena de notáveis para
enviarem uma carta de protesto ao primeiro- -ministro que foi assinada por
todos os sectores de atividade (vide Público de domingo). Cito: "Todos os
antigos presidentes da Câmara do Porto ainda vivos, Aureliano Veloso e Fernando
Gomes; todos os reitores que ainda estão vivos, Oliveira Ramos, Alberto Amaral
e Marcos dos Santos. Os principais empresários, cientistas, presidentes dos
conselhos científicos das principais faculdades. Ou seja: o Porto completamente
unido, repudiando uma atitude do Governo." Como se escreve no Público mais
adiante: "Empresários como Belmiro de Azevedo (Sonae), Américo Amorim,
Artur Santos Silva, Macedo Silva e Ferreira de Oliveira (Galp). Um vereador da
Câmara do Porto, Manuel Correia Fernandes disse: finalmente a revolta."
Além de D. Manuel Clemente, bispo do Porto e futuro cardeal-patriarca, o grande
cientista Sobrinho Simões, Daniel Bessa, economista, a cientista internacional
Maria de Sousa, Odete Patrício, Abrunhosa Brito, Rosário Gamboa e Braga da
Cruz, etc.
É extraordinário. É uma cidade - a segunda de Portugal - que se levanta contra
este Governo e as suas habituais malfeitorias. É mais uma prova importante de
para onde nos conduziu a política incompetente deste Governo, que o Presidente
considera legítimo, e que o País desesperado, de norte a sul, considera incapaz
e que nos está a arruinar. É caso para exclamar: Até quando, Catilina, abusarás
tu da nossa paciência?
O Povo, os professores, os desempregados (mais de um milhão), os que passam
fome e os ricos conscientes, os militares, os cientistas e até os economistas
mais lúcidos, não suportam mais este Governo. E o Presidente da República
continua a chamar-lhe legítimo, quando o Tribunal Constitucional parece querer
reprovar, pela segunda vez, o Orçamento que lhe foi apresentado? Quando as
centrais sindicais, os parceiros sociais e a maioria dos partidos políticos o
reprovam. Mesmo o PSD, na sua esmagadora maioria. Atenção: está-se a brincar
com o fogo!
3-Pela força das coisas - como diz o Povo - a crise da União Europeia, da Zona
Euro, está a mudar. Quem lê a imprensa estrangeira não duvida disso. A chamada
austeridade não conduz a nada de bom. A Alemanha começa a sentir os efeitos
negativos da austeridade que impôs aos países em crise. Porque as exportações
para esses países começaram a ser recusadas. Era inevitável. Mas a chanceler
Merkel só agora começou a sentir e a perceber isso.
Com efeito, a crise do euro não afeta só os países "pobres", ditos
periféricos (que não são), mas todos, como alguns comentaristas e políticos
previram, entre os quais modestamente me conto. Primeiro a Grécia, a Irlanda e
Portugal, depois a Espanha, a Itália, Chipre e surpreendentemente a Holanda (de
quem em Portugal ninguém fala) e agora, em grandes dificuldades, a França.
Curiosamente as dificuldades da Alemanha começaram a aparecer. A sua economia
cresce pouco, um ou dois por cento, e dificuldades sérias estão à vista. O que
obriga a chanceler Merkel a refletir - porque estão a aproximar-se as eleições
e o seu ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, continua implacavelmente sem
mudar de opinião como fanático neoliberal que é.
A chanceler Merkel, pelo contrário, parece estar a falar da necessidade de mais
emprego, de empresas mais flexíveis e de menos austeridade. Quem tal diria há
uns meses? Deve ter, finalmente, percebido, que a hora não é de mais
austeridade, mas de mais emprego, com a crise europeia - da Zona Euro, mas não
só - a agravar-se todos os dias.
Pelo seu lado, o Presidente Hollande, apesar das dificuldades da França e com a
legítima vontade de as ultrapassar, voltou a falar do eixo franco-alemão,
criador da CEE. Mas não esqueçamos que, para voltarmos aos tempos anteriores à
crise, falta-nos os social-democratas e os democratas-cristãos.
Contudo, os socialistas europeus começam a dizer-se progressistas, para incluir
toda a esquerda, enquanto os democratas-cristãos desapareceram. É preciso que o
Papa Francisco reanime a doutrina cristã, como tem feito e, sobretudo,
incentive o reaparecimento dos partidos democratas-cristãos. Se assim
acontecesse tornar-se-ia mais fácil refazer o eixo franco-alemão e criar um
governo europeu que mandasse na Zona Euro. Estaríamos nesse caso no bom caminho
para vencer a crise e para reanimar a tão necessária aliança entre a União
Europeia e a América. O que seria bom para a paz no mundo e para a reforma tão
necessária da ONU.
Caso contrário, por mais esforços que faça Barack Obama, caminharemos
inevitavelmente para um novo conflito mundial, com o regresso aos nacionalismos
que nos levaram à II Guerra Mundial.
4-Fiquei surpreendido com o facto de o Senhor Presidente da República pedir ao
Ministério Público que pusesse uma ação judicial contra o ilustre jornalista
Miguel Sousa Tavares, por lhe ter chamado Palhaço. Como ele já reconheceu foi
excessivo. Mas para quê uma ação? Não terá ninguém dito ao Senhor Presidente
que uma frase infeliz dava para rir, quanto muito um dia, pondo a ação judicial
a ser discutida bastante tempo, enquanto durar o processo, que infelizmente não
é rápido. Para quê? Talvez para ficar por muito tempo na cabeça dos
portugueses...
Com a devida vénia lhe digo, Senhor Presidente, foi mais um erro que cometeu. A
vingança em política nunca colhe...