Revelou muito pouco mérito enquanto economista e, de um golpe só, frustrou os neo liberais e os adeptos do estado social sustentável e quiçá obstaculou uma reforma séria e urgente do Estado.
Institucionalmente foi muito pouco cooperante com a acção do “seu” governo, política e historicamente foi gravemente inoportuno e demagogo, introduziu perturbação numa conjuntura de grande instabilidade e não prosseguiu qualquer interesse relevante da população que jurou servir nem contribuiu seriamente para o esclarecimento de questões complexas que constituem razões estruturais das nossas dificuldades.
Uma vez que factores perturbadores desta natureza têm habitualmente a natureza de instrumento de acção política com vista à criação de resultados políticos que se insiram na estratégia pessoal dos seus autores no âmbito do xadrez da sua actuação e sabendo nós que o Senhor Presidente não se pode reeleger, ficamos completamente à nora na tentativa de encaixar tal iniciativa numa lógica de uma jogada política, ainda que de uma futilidade repugnante quando é certo que enquadrá-la num verdadeiro cenário de sinceridade ainda nos deixa mais preocupados...
Como interpretar então a razão de ser desta iniciativa tão despropositada?
Deixamos a resposta aos leitores, assim como as posições em confronto: uma publicada na imprensa, outra de um colaborador próximo deste blog.
Na abertura solene do Congresso dos Economistas, o Presidente da República colocou com toda a clareza o problema da violação do princípio da equidade fiscal pela anunciada supressão dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e pensionistas. Assim, trouxe para o terreno do debate constitucional o projecto de Orçamento de Estado para 2012.
Já no Orçamento anterior a redução do vencimento dos funcionários públicos suscitou, por pressão sindical, uma débil discussão de constitucionalidade. Invocou-se, sobretudo, a violação do princípio da confiança, mas a questão foi ultrapassada pelo Tribunal Constitucional com os argumentos da excepcionalidade da situação e da transitoriedade da medida.
As medidas, cuja transitoriedade não era clara há um ano, tornam-se agora mais gravosas e duradouras, denunciando uma opção de fundo. Pretende--se alcançar o equilíbrio financeiro apenas através de um sector dos trabalhadores e dos pensionistas. Assim, tais medidas assumem uma verdadeira dimensão estrutural no funcionamento do nosso sistema fiscal.
É necessário, pois, ponderar todos os argumentos para avaliar a conformidade constitucional destas medidas. O Tribunal Constitucional não deve interferir na política económica enquanto tal, mas cabe-lhe decidir se há uma necessidade incontornável de contrariar princípios elementares de justiça fiscal, em face das alternativas discutidas na nossa sociedade.
Não podem valer, nesta análise, ‘progroms’ políticos contra os funcionários ou qualquer outro grupo social. O problema suscitado pelo Presidente exige a não contaminação pelo discurso político e o controlo de todos os argumentos. Aos constitucionalistas cabe demonstrar o valor do Direito como condição do Estado democrático e não apenas como seu adorno.
É inaceitável discriminar os trabalhadores da Administração Pública por serem "servidores do Estado", numa linguagem ultrapassada e desmentida pela convergência com o sector privado. Tão-pouco a estabilidade de emprego de parte do funcionalismo – posta em causa pela abolição dos quadros – constitui uma vantagem que justifique uma contribuição adicional.
Se a capacidade de cumprir as nossas obrigações internacionais é vital, também é muito importante que demonstremos que a nossa Constituição é um valor civilizacional sólido. Compete-nos demonstrar que somos capazes de manter o farol do Estado de Direito, mesmo nas situações mais difíceis e complexas de emergência nacional, tirando argumentos à rua.
(Fernanda Palma / Correio da Manhã / 23.10.11)
- Os trabalhadores da função pública vêm sendo discriminados positivamente há longos anos em relação aos empregados do sector privado, sem que o princípio da equidade tenha alguma vez sido invocado.
Não têm por isso agora, quanto a nós e salvo melhor opinião, legitimidade moral para, quando são, pretensamente discriminados negativamente, arguirem a equidade para conservar intocável um estatuto profissional diverso dos restantes trabalhadores!
Senão vejamos:
- Os salários da função pública são, em média, superiores aos da actividade privada!
- Os funcionários públicos trabalham menos que os restantes trabalhadores da actividade privada (36h/semanais contra 40h/semanais o que equivale a que os trabalhadores privados trabalhem o equivalente a mais 2 dias /semana que os funcionários públicos ou 22 dias por ano mais que a função pública!
Com o aumento de mais 30m/dia actualmente permitido aos privados e apenas aos privados , estes trabalharão, nos casos em que sejam adoptados, mais 16 dias/ano que os funcionários públicos ou, no total 38 dias ano!!!
- A ADSE é um sistema de saúde muito superior ao sistema de segurança social comum, que serve os trabalhadores do sector privado (A ADSE é equivalente a um seguro de saúde privado da Advance Care que custa 100€/mês. Os privados apenas têm os serviços de saúde do estado e não podem frequentar hospitais privados, a não ser que paguem.
Os funcionários públicos podem frequentar os mais luxuosos hospitais que têm acordo com a ADSE como o Hospital da LUZ, O British Hospital ou a CUF, só para apontar alguns.
As comparticipações em óculos, dentes, próteses, funeral, etc, etc , atinge valores 3 vezes maiores que o que paga a Previdência comum, a qual em muitos casos, nada paga!)
- O sistema de reforma da função pública é muito mais generoso que o congénere aplicável aos trabalhadores do sector privado.
Basta dizer que um funcionário público com 65 anos de idade e 40 anos de serviço tem direito a uma reforma equivalente a 100% do seu ultimo salário ( o que permite aos juízes do Supremo se jubilarem com mais de 5 000 euros -o salário do 1º ministro-), enquanto um trabalhador do sector privado, na mesma situação, apenas recebe como máximo 60% do seu salário!!
Importa ainda recordar que os funcionários públicos, só muito recentemente descontam catorze (14) meses para o seu sistema de reforma e durante dezenas de anos descontaram apenas 12 meses e tão só 4% e 6% , enquanto os trabalhadores do sector privado, há pelo menos 35 anos, descontam 11% !!!!
- Finalmente, os funcionários públicos têm emprego para toda a vida enquanto que os privados têm 700 mil no desemprego (!!!), os quais, face às medidas recentemente adoptadas, apenas serão apoiados durante 12 meses!
Este direito concedido aos trabalhadores do estado (a segurança do emprego contra ventos e marés e em qualquer circunstância) constitui materialmente uma inconstitucionalidade, quer esteja previsto no texto da constituição quer não esteja!
É verdade que sempre existiram patrões melhores que outros, sendo igualmente verdade que sempre existiram patrões mais ricos que outros, e que, em resultado dessa qualidade ou poder, existem empregados melhor remunerados que outros, ou com maior segurança relativa no emprego que outros.
Não menos verdade constitui o facto de, em qualquer dos casos, quem emprega dispõe do direito, numa sociedade livre e democrática, de fazer do seu dinheiro aquilo que entender, desde que, designadamente em matéria de emprego, se conforme aos ditames da lei. Somente porque o dinheiro é seu e ninguém tem nada que ver com a sua utilização conforme lhe aprouver, tanto menos quanto mais relevante socialmente for tal dispêndio.
Já o mesmo, com o devido respeito, não se pode dizer do Estado. O Estado é uma organização da comunidade e seu instrumento que visa o interesse geral e também a equidade dos seus cidadãos integrantes.
Os meios económicos e financeiros do Estado resultam em primeira e última análise das contribuições de todos os cidadãos-contribuintes e são geridos por aquele em seu nome e representação.
Não assiste deste modo ao Estado ou a qualquer um dos seus órgãos, o poder de fazer ao produto dos impostos o que bem entende. Porque ao Estado não assiste o direito a dar curso à real gana!
Aceitando este postulado de elementar racionalidade e meridiana justiça não pode aceitar-se que a uns, com o dinheiro de todos, seja garantido o emprego asilar para toda a vida e a outros, em circunstâncias de desemprego, o Estado só se sinta responsável por dezoito (18) meses de tutela assistencial, ou agora face à crise, doze (12) meses apenas.
Do mesmo modo que é inaceitável que, na doença, a assistência do Estado para os seus funcionários seja diversa daquela que presta aos trabalhadores do sector privado, pelas mesmas razões de fundo e de principio. Tal diversidade de tratamento promove a iniquidade e é intolerável.
Não há texto constitucional que o sustente, pelo menos num Estado de Direito democrático.
É que acima de qualquer texto constitucional encontra-se a Constituição material de um Estado de Direito, repositório teórico dos princípios e valores ideológicos de um Estado de Direito universalmente aceites, que jamais o permitirá.
Não colhem por conseguinte os argumentos que associam uma constituição como a nossa à civilização porquanto aquela, sendo repositório de muitos valores e princípios comummente aceites como valores civilizacionais, ainda conserva algumas particularidades não miscíveis com aqueles.
A iniquidade resultante das circunstâncias que acabamos de comentar é uma dessas particularidades.
Não nos parece portanto razoável que aqueles que sempre tiveram, quanto a nós ilegitimamente, condições mais favoráveis que os restantes cidadãos trabalhadores do sector privado, em face dos direitos concedidos pelo Estado, tenham agora motivação fundada para se considerarem discriminados.
Naturalmente que qualquer cidadão intelectualmente sério consideraria ideal a generalização dos benefícios diferenciadores auferidos pelos funcionários públicos a todos os trabalhadores do sector privado.
Mas qualquer cidadão intelectualmente sério não pode deixar de colocar neste seu raciocínio o factor sustentabilidade de tais direitos.
Sabemos hoje mais claramente e a generalidade dos cidadãos disso tomam consciência pela primeira vez, que os impostos cobrados mal chegam para suportar os salários da função pública e os direitos sociais (reformas, pensões, desemprego e demais encargos da segurança social) o que representa, grosso modo, 88% do orçamento geral do Estado. Se se adicionarem os encargos financeiros da divida (esquecendo por momentos as demais incumbências do Estado) já nos podemos considerar seriamente, como tecnicamente falidos. Como, com seriedade, podemos continuar incapazes de intervir nesta parte da despesa, depois de sermos já considerado o pais europeu com maior carga fiscal?
Foi aliás necessário chegarmos à penúria para que houvesse um governo que tivesse a "coragem" [cumprisse as obrigações impostas pelos credores(Troika) que, de fora, vêm melhor o que se passa cá dentro e não vemos] de tocar realmente a Despesa, designadamente a que diz respeito a salários, pensões e reformas (88% do orçamento, recorde-se), o que já desde há muito era evidente que alguma coisa era inevitável fazer nesta sede, optou-se sempre pelo aumento da Receita, isto é optou-se sempre invariavelmente pelo sacrificio de todos (aumento de impostos) em beneficio da conservação do estatuto privilegiado de alguns (não tocar na Despesa).
É que há observadores atentos, sérios e competentes que dizem que dependem do Estado, directa ou indirectamente cerca de quatro milhões e meio de portugueses, e, dizemos nós, não há politico que se queira dar mal com tanta gente!
Por tudo isto e mais alguma coisa que fica por dizer, a natureza profundamente fracturante do tema torna por conseguinte a intervenção do senhor Presidente da República verdadeiramente incendiária!
Por isso não entendemos a motivação da iniciativa em si mesma e muito menos vinda de quem vem!
Ainda poderia ser entendível, questionando-se sempre a oportunidade e a adequação na forma como foi introduzida na agenda política, se se destinasse a influenciar uma reforma do Estado, ousada, séria, tendo em vista a sua sustentabilidade e uma verdadeira equidade.
Porém, se assim fosse, teria necessariamente um sinal contrário. Daí que, o seu ponto de partida e sobretudo o de chegada não evidenciam nem razoabilidade nem a sustentabilidade e sabendo nós já que não primou pela oportunidade, que concluir?
Que se tentou extinguir um fogo com gasolina?
(José Povinho / Blog Cidadania / 29.10.11)









