O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Sobre a riqueza que persistimos em não gerar...

Nos últimos tempos, volta-se a falar de reindustrialização, e surgiram estudos e inúmeras opiniões sobre um assunto que é caro a toda a Europa. É um objetivo difícil de alcançar, no atual quadro europeu, e com as regras em vigor no comércio internacional. Principalmente em países como o nosso, onde a aposta foi diferente desde a adesão.

Por cá, ouvem-se especialistas, que nos explicam o que fazer, e como o fazer. Escutamos os políticos, que agora defendem a ressurreição de um modelo que ajudaram a condenar. O consenso é, por vezes, patético, quando é feito de lugares comuns e de meras intenções. E, por isso, a reindustrialização corre o risco de ser um segundo "cluster do mar", defendido pelos seus antigos coveiros, e por românticos bem-intencionados que não conhecem a realidade.

Portugal precisa de ser autossuficiente, tem de exportar mais e de substituir as importações, equilibrando o défice externo e criando emprego. Algo que só é possível com políticas transversais, que também tenham impacto no setor primário e nos serviços.

Para que isso seja possível, o país tem de favorecer o investimento privado, de promover a produtividade, de aumentar a competitividade. Não nos iludamos, contudo. Com uma moeda forte, num continente vulnerável ao dumping internacional, com a economia nacional em recessão, com custos de contexto elevados por influência dos setores não transacionáveis que escapam às regras da sã concorrência, suportando o sobrepeso do Estado, pagando uma taxa de juro muito mais alta do que os nossos vizinhos, não dispondo de matérias-primas, não podemos contar com milagres.

Antes de mais, é preciso conquistar a confiança dos investidores, sejam eles nacionais ou estrangeiros. Isso passa, por exemplo, por colocar um ponto final nas imponderabilidades legal e fiscal. Qualquer investidor sabe que corre todos os riscos inerentes ao seu negócio, mas não aceita estar à mercê de outros fatores imponderáveis. Não escolherá investir num país onde a justiça é morosa e, pior do que isso, improvável, ou onde há uma ameaça permanente de alterações fiscais que não podem ser precavidas.

O Estado que temos representa, em função da riqueza que geramos, um pesado fardo que resulta em custos de contexto elevados. E, não podendo ser mais barato, terá de ser mais eficiente, muito mais eficiente, nomeadamente na aplicação da Justiça, na desburocratização e na regulação. Quanto ao investimento público e às políticas de fomento ao investimento privado, exige-se que o Estado seja parcimonioso, alocando os recursos escassos de acordo com critérios que concorram para o objetivo anunciado, dando preferência aos investimentos que têm efeitos multiplicadores na economia, invertendo a sua política centralizadora que prejudica as regiões que mais exportam e cujo tecido empresarial é mais resiliente. A criação de um ambiente favorável ao investimento não depende, ainda assim, exclusivamente do Estado Central. As cidades e as áreas metropolitanas dispõem, também elas, de instrumentos que podem ajudar a construir esse ambiente, fomentando a articulação interinstitucional, ligando a estratégia de atração de investimento à inovação, ao empreendedorismo e à regeneração urbana e social.

Tal como o Estado Central, também as autarquias necessitam de ser consequentes na alocação de recursos. Esse tema justificaria, só por si, uma outra crónica.

Sucede que esta é a minha última crónica neste jornal. Vou-me dedicar por inteiro a um projeto sobre o qual, por razões de ética e decência, nunca escrevi nesta coluna. Agradeço ao Jornal de Notícias por me ter concedido este espaço; a si, caro leitor, por me ter lido.

A última crónica
Por Rui Moreira, Publicado in Jornal de Notícias em 2013-03-31

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Afinal a culpa tem culpado: O Corneteiro de D. Afonso Henriques!

 

Nos primeiros tempos da fundação da nacionalidade - tempo do nosso rei D. Afonso Henriques - no fim de uma batalha o exército vencedor tinha direito ao saque sobre os vencidos.

(Saque - s. m. : acto de saquear. Roubo público legitimado).

Pois bem, após uma dessas batalhas, ganha pelo 1º Rei de Portugal, o seu corneteiro lá tocou para dar "início ao saque" a que as tropas tinham direito e que só terminaria quando o mesmo corneteiro desse o toque para pôr “fim ao saque”.

Mas, fruto de alguma maleita ou ferimento, o dito corneteiro finou-se, antes de conseguir tocar o "fim ao saque".

Sucedeu que até hoje, ninguém voltou a tocar, anunciando o fim do saque. Afinal a culpa é mesmo do corneteiro!...


Não haverá por aí alguém que conheça o toque ?

Moral da estória: Contra o que as más línguas viperinas apregoam, a culpa, em Portugal, não morre solteira. Há um culpado de tudo isto: O Corneteiro de D. Afonso Henriques!

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

domingo, 9 de fevereiro de 2014

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Portugal visto por António Lobo Antunes






Agora sol na rua a fim de me melhorar a disposição, me reconciliar com a vida.


Passa uma senhora de saco de compras: não estamos assim tão mal, ainda compramos coisas, que injusto tanta queixa, tanto lamento.


Isto é internacional, meu caro, internacional e nós, estúpidos, culpamos logo os governos.



Quem nos dá este solzinho, quem é? E de graça. Eles a trabalharem para nós, trabalharem, a trabalharem e a gente, mal agradecidos, protestamos.



Deixam de ser ministros e a sua vida um horror, suportado em estoico silêncio. Veja-se, por exemplo, o senhor Mexia, o senhor Dias Loureiro, o senhor Jorge Coelho, coitados. Não há um único que não esteja na franja da miséria. Um único.
Mais aqueles rapazes generosos, que, não sendo ministros, deram o litro pelo País e só por orgulho não estendem a mão à
caridade.


O senhor Rui Pedro Soares, os senhores Penedos pai e filho, que isto da bondade as vezes é hereditário, dúzias deles.
Tenham o sentido da realidade, portugueses, sejam gratos, sejam honestos, reconheçam o que eles sofreram, o que sofrem. Uns sacrificados, uns Cristos, que pecado feio, a ingratidão.

O senhor Vale e Azevedo, outro santo, bem o exprimiu em Londres. O senhor Carlos Cruz, outro santo, bem o explicou em livros.

E nós, por pura maldade, teimamos em não entender. Claro que há povos ainda piores do que o nosso: os islandeses, por exemplo, que se atrevem a meter os beneméritos em tribunal. Pelo menos nesse ponto, vá lá, sobra-nos um resto de humanidade, de respeito.


Um pozinho de consideração por almas eleitas, que Deus acolherá decerto, com especial ternura, na amplidão imensa do Seu seio. Já o estou a ver:
- Senta-te aqui ao meu lado ó Loureiro
- Senta-te aqui ao meu lado ó Duarte Lima
- Senta-te aqui ao meu lado ó Azevedo
que é o mínimo que se pode fazer por esses Padres Américos, pela nossa interminável lista de bem-aventurados, banqueiros, coitadinhos, gestores, que o céu lhes dê saúde e boa sorte e demais penitentes de coração puro, espíritos de eleição, seguidores escrupulosos do Evangelho.

E com a bandeirinha nacional na lapela, os patriotas, e com a arraia-miúda no coração. E melhoram-nos obrigando-nos a sacrifícios purificadores, aproximando-nos dos banquetes de bem-aventuranças da Eternidade.

As empresas fecham, os desempregados aumentam, os impostos crescem, penhoram casas, automóveis, o ar que respiramos e a maltosa incapaz de
enxergar a capacidade purificadora destas medidas. Reformas ridículas, ordenados mínimos irrisórios, subsídios de cacaracá?
Talvez. Mas passaremos sem dificuldade o buraco da agulha enquanto os Loureiros todos abdicam, por amor ao próximo, de uma Eternidade feliz.

A transcendência deste acto dá-me vontade de ajoelhar à sua frente. Dá-me vontade? Ajoelho à
sua frente indigno de lhes desapertar as correias dos sapatos.



Vale e Azevedo para os Jerónimos, já!
Loureiro para o Panteão já!
Jorge Coelho para o Mosteiro de Alcobaça, já!
Sócrates para a Torre de Belém, já! A Torre de Belém não, que é tão feia.
Para a Batalha.

Fora com o Soldado Desconhecido, o Gama, o Herculano, as criaturas de pacotilha com que os livros de História nos enganaram.

Que o Dia de Camões passe a chamar-se Dia de Armando Vara. Haja sentido das proporções, haja espírito de medida, haja respeito.

Estátuas equestres para todos, veneração nacional. Esta mania tacanha de perseguir o senhor Oliveira e Costa: libertem-no.

Esta pouca vergonha contra os poucos que estão presos, os quase nenhuns que estão presos como provou o senhor Vale e Azevedo, como provou o senhor Carlos Cruz, hedionda perseguição pessoal com fins inconfessáveis.

Admitam-no. E voltem a pôr o senhor Dias Loureiro no Conselho de Estado, de onde o obrigaram, por maldade e inveja, a sair.



Quero o senhor Mexia no Terreiro do Paço, no lugar D. José que, aliás, era um pateta. Quero outro mártir qualquer, tanto faz, no lugar do Marquês de Pombal, esse tirano.
Acabem com a pouca vergonha dos Sindicatos. Acabem com as manifestações, as greves, os protestos, por favor deixem de pecar.

Como pedia o doutor João das Regras, olhai, olhai bem, mas vêde. E tereis mais fominha e, em consequência, mais Paraíso. Agradeçam este solzinho.

Agradeçam a Linha Branca.

Agradeçam a sopa e a peçazita de fruta do jantar.

Abaixo o Bem-Estar.


Vocês falam em crise mas as actrizes das telenovelas continuam a aumentar o peito: onde é que está a crise, então? Não gostam de olhar aquelas generosas abundâncias que uns violadores de sepulturas, com a alcunha de cirurgiões plásticos, vos oferecem ao olhinho guloso? Não comem carne mas podem comer lábios da grossura de bifes do lombo e transformar as caras das mulheres em tenebrosas máscaras de Carnaval.


Para isso já há dinheiro, não é? E vocês a queixarem-se sem vergonha, e vocês cartazes, cortejos, berros. Proíbam-se os lamentos injustos.


Não se vendem livros? Mentira. O senhor Rodrigo dos Santos vende e, enquanto vender o nível da nossa cultura ultrapassa, sem dificuldade, a Academia Francesa.



Que queremos? Temos peitos, lábios, literatura e os ministros e os ex-ministros a tomarem conta disto.

Sinceramente, sejamos justos, a que mais se pode aspirar?



O resto são coisas insignificantes: desemprego, preços a dispararem, não a ver com que pagar ao médico e à farmácia, ninharias.
Como é que ainda sobram criaturas com a desfaçatez de protestarem? Da mesma forma que os processos importantes em tribunal a indignação há-de, fatalmente, de prescrever.

E, magrinhos, magrinhos mas com peitos de litro e beijando-nos uns aos outros com os bifes das bocas seremos, como é nossa obrigação, felizes.


António Lobo Antunes




"O dinheiro corrompe, e o que chega de repente muito mais." - José Saramago.


"Quando a última árvore cair, quando o último rio secar, quando o último peixe for pescado, vocês vão entender que dinheiro não se come."
*Greenpeace*

domingo, 2 de fevereiro de 2014

The Shadows


Um recado...pela via da poesia de Drummond de Andrade, para os responsáveis da autarquia...

O prejuizo causado às pessoas e à economia local pela incúria e incompetência da CMSilves na prevenção do problema dos mosquitos e na anedótica resposta que deram ao evitável "ataque aéreo" que fustigou os locais e os turistas, bem podia ser inspiração de um poeta local. Na sua falta, Carlos Drummont de Andrade, dá um jeito....

Satânico é meu pensamento a teu respeito
E ardente é o meu desejo de apertar-te em minha mão
Numa sede de vingança incontestável pelo que me fizeste ontem
A noite era quente e calma
E eu estava em minha cama, quando, sorrateiramente
Te aproximaste
Encostaste o teu corpo sem roupa no meu corpo nu
Sem o mínimo pudor!
Percebendo minha aparente indiferença
Aconchegaste-te a mim
E mordeste-me sem escrúpulos.
Até nos mais íntimos lugares
Eu adormeci.
Hoje quando acordei
Procurei-te numa ânsia ardente
Mas em vão.
Deixaste em meu corpo e no lençol
Provas irrefutáveis do que entre nós ocorreu durante a noite
Esta noite recolho-me mais cedo
Para na mesma cama, te esperar
Quando chegares, quero te agarrar com avidez e força
Quero te apertar com todas as forças de minhas mãos
Só descansarei quando vir sair o sangue quente do seu corpo.
Só assim, livrar-me-ei de ti... [(mosquito filho-da-puta!) ]

Carlos Drummond de Andrade

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