O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.
sexta-feira, 15 de agosto de 2025
De bombeiro verbal a turista oficial
A 30 de agosto de 2024, um helicóptero de combate a incêndios cai no Douro, cinco militares da GNR perdem a vida e o país entra em choque. No meio da dor e do luto, o que faz o primeiro-ministro Luís Montenegro? Sobe a bordo de uma lancha, deixa-se fotografar em grande plano e oferece à opinião pública uma imagem que ficaria melhor num folheto turístico do que num momento de tragédia nacional.
Um ano antes, Montenegro era o “bombeiro verbal” da política portuguesa. Na oposição, corria para o terreno, apontava o dedo a António Costa e exigia pedidos de desculpas pelo falhanço no combate aos fogos. Chamava à atenção para promessas não cumpridas, denunciava a “ineficácia” e fazia questão de se mostrar indignado, sobretudo quando havia câmaras a gravar.
Agora, com a faixa de chefe do Governo bem colocada, o guião mudou. O discurso inflamado evaporou-se, a urgência transformou-se em agenda balnear e o antigo crítico feroz transformou-se no político do “depois logo se vê”. A época de incêndios chega e o país arde? Nada que não possa esperar umas férias no Algarve. Afinal, as eleições ainda estão longe e, como dizem alguns estrategas, “não vale a pena gastar capital político com pressas”.
Este é o Montenegro 2.0: na oposição, herói das causas; no poder, adepto da espreguiçadeira. A diferença é que, antes, dizia que “não era como os outros”. Hoje, a única coisa que o distingue é ter aprendido depressa demais o manual da velha política: indignação para subir, inércia para governar.
O problema é que, enquanto ele se bronzeia, há quem arrisque a vida no terreno. E esses não têm tempo para fotos.
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A Epopeia da Árvore Imortal (e da Câmara em Câmera Lenta)
Se Aquiles teve sua guerra de Troia e Ulisses o seu périplo de 10 anos, Silves tem a sua própria epopeia: a remodelação da Av. Beira Mar e a resistente Árvore do Destino.
Após meses de estudos intensivos envolvendo peritos, sub peritos, consultores e provavelmente um astrólogo para verificar o alinhamento planetário, a obra finalmente arrancou. Mas tal como uma telenovela de horário nobre, quando o enredo começa a aquecer… pausa dramática!
Não sabemos se foi o calceteiro que entrou de férias para o hemisfério sul, se foi preciso mandar vir a pedra especial de uma pedreira guardada por monges tibetanos, ou se o responsável pela obra foi abduzido por extraterrestres e está, neste momento, a dar palestras sobre “Infraestruturas Sustentáveis” em Alfa Centauro.
O que é certo é que a árvore permanece lá: altiva, serena, assistindo estoicamente ao desfile diário de fitas plásticas que tremulam ao vento, varetas tortas que se inclinam como torres de Pisa em miniatura e uma máquina que, de tão parada, já foi confundida com escultura urbana.
Se esta situação se prolongar, não descartamos a hipótese de a árvore ser declarada Património Municipal, com direito a placa de inauguração e sessão fotográfica com a presidente da câmara, que, certamente, dirá: "Esta árvore representa a nossa resiliência, a nossa paciência e a nossa capacidade de esperar eternamente pelo que nunca vem."
Talvez seja hora de avançarmos com a petição: “Salvem a Árvore, já que a obra não salva ninguém”. Afinal, heróis precisam de reconhecimento, e esta árvore já ultrapassou em resistência muito atleta olímpico.
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quinta-feira, 14 de agosto de 2025
A Crónica das Tampas Perdidas — Episódio II: O Regresso
Na semana passada, publicámos “A Odisseia da Tampa Partida — Uma Saga Silvense”, um épico moderno que conquistou os nossos leitores… e até o próprio município de Silves, que, segundo rumores, anda agora a preparar a candidatura deste enredo ao Património Imaterial da Humanidade.
Pois bem, a saga ganhou continuação. Uma nossa assídua leitora enviou-nos uma fotografia fresquinha, captada no local do crime: a Rua Coronel Santos Gomes, em Armação de Pêra. E, caros leitores, o momento histórico aconteceu — estão a reparar a tampa!
Sim, a mesma tampa que durante meses resistiu estoicamente, após múltiplas reclamações, inspeções cuidadosas e, claro, a indispensável consulta técnica à NASA.
Mas calma: não é só uma, são duas tampas partidas a receber tratamento VIP. É um verdadeiro Festival Internacional de Obras!
A grande questão que se impõe agora é: como vão sobreviver os moradores e transeuntes que já tinham desenvolvido reflexos olímpicos para contornar o obstáculo? Onde irão agora os mecânicos testar os amortecedores das viaturas com aquela precisão cirúrgica?
Não se preocupem. Buracos e tampas partidas são recurso abundante na vila. O nosso turismo alternativo, à base de percursos acrobáticos e trilhos urbanos radicais, continua garantido. Os animadores culturais podem dormir descansados: roteiro não vai faltar.
E assim segue a vida em Armação de Pera — entre o buraco e a música, ganha sempre a música.
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Silves engorda, o resto do concelho sobrevive
No dia 26 de julho perguntámos: “Silves é o centro do mundo? E as restantes freguesias?”. Alguns acharam exagero. Agora, com o orçamento municipal de 2025 em mãos, a pergunta parece até suave.
Dos quase dois milhões de euros destinados a atividades culturais, 88% — sim, oitenta e oito por cento! — vão direto para a cidade de Silves. São 1,7 milhões para encher a agenda com Festival de Teatro, Silves Urban Music, Jazz nas Adegas, Feira Medieval, Sunset Castele e por aí fora.
Para Armação de Pêra e São Marcos da Serra? Migalhas: 1,35% para cada. O resto, uns 9,63%, reparte-se por todas as freguesias… e só para iluminações de Natal.
Quando se faz a conta per capita, a desigualdade grita:
Silves: 157,96 €/habitante
São Marcos da Serra: 47,11 €/habitante
Armação de Pêra: 4,40 €/habitante
Messines: 3,24 €/habitante
Algoz e Tunes: 3,86 €/habitante
Alcantarilha e Pêra: 5,29 €/habitante
A média concelhia é 50,86 €, mas Silves recebe mais do triplo dessa média e 36 vezes mais do que Armação de Pêra — freguesia que, ironicamente, é uma das que mais enche os cofres municipais com a sua economia e turismo.
E isto sem contar com o exército de funcionários municipais mobilizado para montar, gerir e garantir o sucesso de todos esses eventos concentrados na sede do concelho.
A desculpa do “Silves precisa de dinamismo cultural” é fraca. Silves já concentra quase todo o emprego público e estruturas administrativas. Dar-lhe também quase todo o orçamento cultural não é dinamizar — é sugar.
Este orçamento não une o concelho — divide-o. Não redistribui oportunidades — aprofunda fossos. Não é política cultural — é favoritismo.
Em 2025, ao invés de celebrarmos apenas laranjas e castelos, devíamos celebrar um concelho coeso, justo e equilibrado. Mas para isso era preciso vontade política de tratar todas as freguesias como parte do mesmo mapa.
Porque cultura, quando serve só a alguns, não é cultura. É privilégio pago com o dinheiro de todos.
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terça-feira, 12 de agosto de 2025
Em julho escrevi, neste mesmo espaço, sobre uma tragédia: uma mulher grávida que percorreu mais de três horas à procura de uma urgência que a recebesse. O bebé morreu. Não aconteceu no Algarve, mas podia. E avisei — não por dramatismo, mas por lucidez — que, com o estado a que chegou o Serviço Nacional de Saúde, voltaria a acontecer.
Ontem, no Carregado, não houve morte. Houve “apenas” mais uma prova. Uma mulher de 28 anos, grávida de 40 semanas, começou a sentir contrações e pediu ajuda. Ligou-se para a linha SNS24, a pedir uma ambulância. A resposta? “Vá de carro, é melhor.” Ligou-se depois para o 112. A chamada demorou a ser atendida. Atenderam em inglês. A urgência não chegou. O parto aconteceu na rua.
O que evitou que este caso se tornasse outra tragédia não foi o Estado, nem a resposta do sistema. Foi a coragem dos pais da jovem — que assistiram ao parto — e a sorte de haver, por acaso, uma enfermeira e um médico na vizinhança.
Não foi competência. Foi acaso.
Durante a gravidez, a mulher tinha pedido para ser acompanhada na Maternidade Alfredo da Costa. Pedido recusado. A médica, aflita, admitiu que não sabia para onde mandar as suas grávidas, com serviços fechados ou sobrelotados. No mesmo fim de semana, nove urgências de obstetrícia estiveram encerradas. Nove.
E, perante isto, ouviremos novamente as frases ensaiadas: “os procedimentos foram cumpridos”, “a assistência foi adequada”, “o sistema respondeu dentro do possível”. Palavras que já não significam nada. Palavras que matam, porque escondem a realidade: o SNS, como garante universal de cuidados de saúde, está a falhar.
Não se trata de um incidente isolado. Não é “azar”. É o retrato de um sistema que já não consegue assegurar o mínimo. Quando um bebé nasce na rua porque o Estado não consegue responder, o problema não é falta de sorte — é falta de responsabilidade.
Continuo a acreditar no SNS. Mas um serviço público só sobrevive se cumprir a sua função mais básica: cuidar. E cuidar exige mais do que protocolos. Exige presença. Exige empatia. Exige que, no momento da urgência, alguém atenda — e atenda com a urgência que a vida merece.
Quando governar se torna exercício de gestão de imagem, e não de proteção de vidas, o problema não é só político. É moral. É humano. E um país que normaliza bebés a nascerem na rua porque “não havia alternativa” está perigosamente perto de perder essa humanidade.
Armação de Pêra: promessas na maré e silêncios na areia
Introdução
Em 2012, a aquisição de parte da praia de Armação de Pêra trouxe consigo um discurso ambicioso e aparentemente generoso. O novo proprietário prometeu entregar à autarquia a parte urbana do terreno, incluindo o edifício da lota, ceder a área de praia à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e disponibilizar 300 mil euros para a reabilitação do espaço. Uma década depois, o que vemos é um cenário bem diferente do imaginado — e muitas perguntas por responder.
As promessas feitas
À época, o compromisso soava como uma aliança rara entre interesses privados e o bem público. Preservar o património, garantir acesso livre e contribuir para a revitalização da zona eram palavras-chave que seduziram a população e deram legitimidade à operação.
A realidade construída
O prometido apoio de praia acabou por surgir, mas com outro rumo: transformou-se no restaurante Praia Dourada. A área circundante foi também valorizada — mas através de um parque de estacionamento privado. Já quanto à cedência do edifício da lota à autarquia e à entrega dos 300 mil euros destinados à reabilitação da envolvente, o silêncio domina. As informações públicas sobre o cumprimento dessas promessas são, no mínimo, escassas, quando não totalmente inexistentes.
O vazio de esclarecimentos
Este silêncio, tanto do proprietário como das entidades públicas envolvidas, tem alimentado dúvidas legítimas: as promessas foram realmente cumpridas? Ou a comunidade assistiu a um processo em que, no fim, o espaço público deu lugar a um negócio privado e a um estacionamento pago?
O valor de uma palavra dada
Num território onde o turismo e o negócio balnear são forças económicas dominantes, é ainda mais vital garantir que compromissos com o interesse público não se evaporam com o tempo. Quando promessas ficam por cumprir — ou simplesmente por explicar — perde-se não só espaço, mas também a confiança da comunidade.
Conclusão
O caso da praia de Armação de Pêra não pode ficar submerso na maré da indiferença. É responsabilidade das entidades públicas esclarecer de forma inequívoca o que foi feito, o que ficou por fazer e porquê. Porque o património natural e cultural não é apenas um cenário de verão: é um direito coletivo. E a palavra dada, quando não é cumprida, transforma-se em erosão — não da areia, mas da própria cidadania.
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A Feira Medieval de Silves: sustentabilidade ou encenação feudal?
Ao percorrer o concelho de Silves, percebe-se facilmente que muitas das suas freguesias vivem à margem da atenção da Câmara Municipal. Ruas degradadas, serviços públicos escassos e oportunidades limitadas formam um quadro de abandono. Falta-lhes alguém que, à semelhança de um D. Paio Peres Correia moderno, promova uma “Conquista Final” — não de territórios, mas de direitos, dignidade e gestão transparente. É urgente libertar a cidade do que parece ser um regime feudal instalado há anos, onde poucos decidem e todos pagam.
No meio deste cenário, a Feira Medieval de Silves surge como o evento mais mediático da cidade. Mas a questão é inevitável: será este evento verdadeiramente sustentável ou apenas um grande palco que serve os interesses de uma cidade em decadência, sobrevivendo por concentrar organismos públicos e pouco mais?
Uma feira medieval sustentável deveria ser avaliada por critérios claros: reduzir impactos ambientais, gerar benefícios sociais para todas as freguesias e oferecer retorno económico real à comunidade. Isto significa, por exemplo, priorizar energias renováveis, gerir o consumo de água e materiais de forma responsável, incentivar o uso de transportes públicos para reduzir a pegada de carbono, e criar uma rede de parcerias com associações e empresas locais.
Infelizmente, não é o que se verifica. Em termos ambientais, não há sinais de medidas concretas para reduzir impactos. No campo social, não se observa uma verdadeira integração das freguesias mais afastadas nem a promoção do diálogo com a comunidade. Economicamente, os números impressionam: só no orçamento municipal de 2025, estão previstos mais de 750 mil euros para a feira — sem contar com custos adicionais como pessoal do município, limpeza e logística, que somam milhares de euros. Ainda assim, grande parte dos serviços e produtos são contratados fora do concelho, desperdiçando oportunidades para a economia local.
Após 19 edições, nunca foi apresentado um relatório detalhado de custos e benefícios. Sem contabilidade analítica, não há como saber se o investimento compensa ou se é apenas um luxo pago com dinheiro público. E, se este dinheiro é de todos, não pode ser utilizado como passarela política para autarcas em vésperas de eleições — tal como na Idade Média, quando senhores feudais desfilavam à custa do trabalho alheio.
Silves merece mais do que um espetáculo anual que deixa poucas raízes. O verdadeiro progresso não se mede pela grandiosidade de um evento, mas pela capacidade de distribuir benefícios e oportunidades de forma justa, transparente e duradoura.
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segunda-feira, 11 de agosto de 2025
Mais Árvores, Mais Vida: Por que Armação de Pêra Precisa Urgentemente de Verde
Viver perto de árvores não é luxo, é qualidade de vida. Está comprovado que a arborização urbana melhora o microclima, reduzindo temperaturas entre 2ºC e 10ºC em comparação com áreas sem vegetação — algo cada vez mais relevante perante as ondas de calor cada vez mais frequentes.
Mas os benefícios não param aí: espaços verdes contribuem para a saúde mental, promovem interações sociais, reduzem o risco de doenças cardiovasculares e aumentam a sensação de bem-estar.
A realidade local
Segundo o Inventário Municipal do Arvoredo em Meio Urbano, recentemente concluído pelo Município de Silves, a situação em Armação de Pêra é preocupante: apenas 1.760 árvores no meio urbano. Dessas, 81 apresentam condições inadequadas e 35 estão secas ou mortas. É muito pouco para a população e para as necessidades ambientais da vila.
O que deveríamos ter
O professor Cecil Konijnendijk, referência mundial em florestas urbanas, propôs a regra 3-30-300 para planeamento verde:
3 – Cada pessoa deve poder ver pelo menos três árvores a partir da janela de casa.
30 – Cada bairro deve ter pelo menos 30% de cobertura de copa das árvores.
300 – Ninguém deve morar a mais de 300 metros de um espaço verde de qualidade.
Agora, pense: quantos moradores de Armação de Pêra veem três árvores pela janela? Qual bairro tem 30% de cobertura arbórea? Quantos quilómetros são necessários para chegar a um parque urbano digno desse nome?
Uma questão de prioridade
Mais de 40% do orçamento municipal vem de impostos diretos pagos pelos contribuintes. Não seria justo que parte desse valor fosse investido em melhorar a qualidade de vida dos residentes, através de mais áreas verdes e arborização das ruas?
Árvores nas ruas não são meros enfeites: dão sombra, purificam o ar, reduzem o calor e tornam os espaços mais acolhedores. Em vez de reduzir, devemos aumentar os espaços verdes nos centros urbanos e arredores, de forma harmoniosa e integrada, para que vilas como Armação de Pêra sejam não apenas turísticas, mas também saudáveis para viver.
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domingo, 10 de agosto de 2025
Fé e Devoção: Procissão de Nossa Senhora dos Navegantes emociona Armação de Pêra
Na tarde deste domingo, as ruas de Armação de Pêra encheram-se de fé, cor e emoção com a tradicional procissão em honra de Nossa Senhora dos Navegantes, padroeira dos pescadores e protetora dos que enfrentam o mar.
A celebração teve início na Igreja Matriz, onde fiéis, famílias e visitantes se reuniram para a missa solene. Ao som de cânticos e preces, a imagem da Santa foi levada em andor, ricamente ornamentado com flores, percorrendo as ruas da vila num cortejo comovente.
Pescadores, autoridades locais, associações culturais e religiosos seguiram lado a lado, num testemunho vivo da devoção que atravessa gerações. Ao longo do trajeto, moradores abriram portas e janelas, acenando em sinal de respeito e gratidão.
Além de ser um momento de oração, a procissão também reafirmou a identidade marítima da comunidade, lembrando a importância da proteção divina para todos aqueles que vivem e trabalham ligados ao mar.
O evento, marcado pela serenidade e pelo espírito comunitário, reforça a tradição secular que continua a unir Armação de Pêra em torno de sua fé e de sua história.
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Entre a música e o mar: retrato de uma noite em Armação de Pêra
O som do sintetizador dos anos 80 descia pela areia como uma onda lenta, misturando-se ao cheiro salgado do mar. No palco, de costas para o Atlântico, DJ Nuno Silva alinhava músicas que pareciam tiradas de uma cassete esquecida no carro de um primo mais velho. Lá em baixo, corpos dançavam, cabeças abanavam, e o tempo, por instantes, parecia ter feito uma pausa.
Mas nem todos estavam sintonizados no mesmo compasso. Sentado à sombra luminosa da barraca dos escuteiros, Bruno bebia uma jola morna e trocava palavras com o seu assessor de “marting” — uma espécie de conselheiro de esperanças políticas. Falavam baixo, mas o desalento era claro: a tal apoteose esperada para o dia 12 de outubro não dava sinais de querer acontecer. Os vídeos certinhos, com frases coladas como rótulos, não estavam a convencer.
"Juntos conseguimos", dizia o slogan. Mas ali, o que a malta comentava era que Bruno conseguia, sim, encher as ruas… de lixo. E havia ainda um fantasma recente a pairar — o caso Vida D’Ouro — que deixava as conversas com um travo amargo.
Afastei-me um pouco daquele reduto de queixas e encontrei lugar no muro da praia. Ao meu lado, um pescador com mãos de rede e pele de sal olhava o mar como quem lê um livro conhecido de cor. Disse-me que a sua juventude vinha das caminhadas noturnas, da casa ao minigolfe, e de nunca ter deixado de amanhar os aprestos.
Os olhos dele brilharam ao falar das festas de antigamente:
“As pessoas vinham de carroça, de charrete… até de todo o Algarve. Chegavam cedo, iam à praia, punham a melancia a refrescar na água. As barracas eram outras, rapariga. Tinha a dos tiros, a das setas… dava pra impressionar os amigos ou ganhar o olhar de uma catraia afoita.”
Falou de gergelim, torrão de Alicante, polvo seco a estalar na brasa. E disse que, mesmo na areia, se ia de sapatos — emprestados ou apertados — porque dia de festa era dia de festa.
Antes de me despedir, perguntei-lhe o que achava de Bruno. Sorriu de lado, sem largar o tom de quem já viu mais do que conta:
“É um diabe de moçe pequeno… tem muito que aprender.”
O DJ aumentou o volume. O mar, esse, continuava no seu próprio ritmo.
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sábado, 9 de agosto de 2025
A Gestão da Água em Silves: Uma História de Desperdício
Quando publicámos nesta página o post “Um Negócio que Perde Metade da Mercadoria — A Água em Silves”, recebemos alguns comentários questionando a veracidade dos números apresentados.
É importante esclarecer: os dados utilizados foram retirados de informação publicada pela ERSAR ou obtidos por extrapolação a partir dessa mesma fonte.
Os documentos da ERSAR, que disponibilizámos, mostram de forma clara que a Câmara Municipal de Silves reprova na maioria dos indicadores avaliados. O quadro está repleto de bolas vermelhas e laranja — sinal inequívoco de que, em 12 anos de mandato, os resultados pouco ou nada evoluíram.
Ter planos e projetos é essencial, mas mais importante ainda é ter a capacidade e competência para os implementar.
Parece, contudo, que a responsável pelo pelouro prefere maquilhar os maus resultados com propaganda, como se gerir uma câmara fosse o mesmo que participar em desfiles da Feira Medieval de Silves.
A água é um bem público, vital e escasso, que exige uma gestão responsável, estratégica e transparente. Em Silves, é urgente encontrar um novo rumo — ou corremos o risco de ver este recurso, e o futuro do concelho, a escoar-se pelas fissuras da má gestão.
Se quiser, também posso preparar uma versão mais incisiva e politicamente assertiva, ou, ao contrário, uma versão mais diplomática, que mantenha a crítica mas evite ataques pessoais diretos.
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quinta-feira, 7 de agosto de 2025
Transparência à Deriva em Armação de Pêra: A Opacidade Não Pode Ser a Regra
Num tempo em que os cidadãos exigem cada vez mais responsabilidade e clareza por parte dos seus representantes, é profundamente preocupante constatar a falta de transparência na atuação da Junta de Freguesia de Armação de Pêra. Este não é apenas um problema técnico ou uma falha pontual na comunicação institucional — é um sinal alarmante de desrespeito pelos princípios básicos da democracia local.
Desde 2022, os relatórios de prestação de contas deixaram de ser publicados no site oficial da junta. Este simples facto é revelador. A omissão deliberada ou negligente desses documentos compromete o direito fundamental dos cidadãos à informação e ao escrutínio. Se os munícipes não conseguem aceder a dados financeiros, como podem avaliar a gestão dos recursos públicos? Como podem confiar nos seus representantes?
A situação agrava-se quando verificamos que as atas das reuniões do executivo também não estão disponíveis. Pior: apenas a ata de instalação da Assembleia de Freguesia, datada de 2021, está acessível ao público. Três anos de decisões, deliberações e ações políticas desapareceram na névoa da opacidade institucional.
A transparência não pode ser um slogan vazio, repetido em campanhas eleitorais e depois ignorado durante os mandatos. Ela é um compromisso ético e legal. E quando a sua ausência coincide com resultados financeiros negativos — como foi o caso em 2023 e 2024, com prejuízos superiores a 10 mil euros num ano e 9 mil no seguinte — a preocupação transforma-se em indignação.
Segundo a Lei das Finanças Locais, as juntas de freguesia estão obrigadas a respeitar o princípio do equilíbrio orçamental. A receita corrente deve cobrir, no mínimo, a despesa corrente. Quando isso não acontece, estamos perante uma violação clara da lei. E mais: será que foram realizadas despesas sem cabimento orçamental? Terão sido ultrapassadas as dotações previstas? Quem fiscalizou estes atos?
Cabe à Assembleia de Freguesia, como órgão deliberativo, acompanhar e fiscalizar a atividade da Junta. Se não o fez de forma eficaz, também falhou na sua função. E se o fez, e nada foi corrigido, então há responsabilidades políticas e, possivelmente, financeiras a apurar.
Mais do que números negativos, o que está em causa é o impacto direto nas vidas dos cidadãos. Com despesas de investimento representando menos de 5% do orçamento, fica a pergunta: em que está a ser gasto o dinheiro dos contribuintes? Onde estão os projetos que melhorem os espaços públicos, os serviços, a qualidade de vida dos armacenenses?
A falta de investimento e a ausência de informação pública revelam um executivo encerrado em si mesmo, desconectado da população e, talvez, da legalidade. Os autarcas não podem esquecer que são responsáveis financeiramente pelos atos que prejudiquem o património público, sobretudo quando agem contra pareceres técnicos ou ignorando obrigações legais.
Chegou a hora de exigir mais. Mais transparência, mais responsabilidade, mais respeito. A democracia local não pode ser feita à porta fechada, nem gerida como se os cidadãos fossem meros espectadores. Armação de Pêra merece uma governação à altura dos seus desafios — uma governação que sirva e não se sirva.
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De Longe Se Ama. De Perto Se Luta.
Caro Vasco,
Antes de mais, agradecemos mais uma vez a sua atenção e o tempo que dedica a ler e comentar os conteúdos desta página. É sempre gratificante perceber que, mesmo longe, há quem continue com Armação de Pêra no coração.
Partilhamos consigo o apreço pela nossa terra e, claro, pela nossa praia — uma das mais belas do Algarve e com justa fama além-fronteiras. No entanto, como bem sabe, uma vila não vive só de praia. As pessoas que aqui habitam o ano inteiro — e aquelas que nos visitam — esperam (e merecem) condições básicas de salubridade, higiene urbana e bem-estar.
A realidade, infelizmente, é outra. Em pleno 2025, ainda lidamos com problemas como lixo acumulado nas ruas, cheiros nauseabundos, pragas descontroladas buracos nos passeios e uma evidente falta de planeamento e resposta eficaz por parte das autoridades locais. Questões que, como referiu, noutros países — como aquele onde reside — há muito foram resolvidas de forma estrutural e duradoura.
É justamente esse contraste que nos reforça a responsabilidade de continuar a intervir e a denunciar. Não por gosto da crítica gratuita ou por interesse partidário, mas por um compromisso cívico com a nossa terra.
Quanto à sua suspeita de motivação eleitoral ou ligação partidária, esclarecemos com toda a franqueza: não conhecemos nenhum dos candidatos das próximas eleições. A nossa única "agenda" é a de sempre — dar visibilidade aos problemas que afetam Armação de Pêra e contribuir para uma vila melhor. E para isso, temos vindo a publicar com regularidade desde 2006, em anos de eleições e fora delas, sobre temas locais, concelhios e até nacionais.
Compreendemos que estando longe, por vezes seja difícil captar toda a complexidade do que por cá se passa. Mas é também com contributos como o seu — vindos de quem tem uma perspetiva externa e comparativa — que conseguimos enriquecer a discussão pública.
A crítica construtiva é sempre bem-vinda. Já a insinuação de ligações obscuras, preferimos responder com transparência: o único "patrocínio" que temos é o da nossa consciência cívica.
Armação merece mais, e continuaremos a exigir mais.
Obrigada,
Cidadania
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quarta-feira, 6 de agosto de 2025
Armação de Pêra e o Mistério das Gaivotas Incontroláveis
Em Armação de Pêra, uma freguesia costeira onde as gaivotas têm mais direitos que os residentes, decorreu há uns anos uma reunião histórica entre uma cidadã preocupada e o presidente da junta. Guida Baptista, frequentadora atenta desta página e observadora de excelência da fauna e da inércia política, levou ao senhor presidente uma inquietação grave: o descontrolo das gaivotas.
A resposta? Um robusto e democrático "Não posso fazer nada!"
(Aparentemente, o cargo de presidente da junta serve apenas para cortar fitas e fingir escutar.)
Guida, munida de espírito cívico e paciência budista, perguntou então se pelo menos tinha havido algum contacto — mesmo um e-mailzinho — com as tais "outras entidades". Silêncio. O presidente, talvez em protesto silencioso, talvez por esquecimento permanente, nunca respondeu. A gestão local, segundo fontes próximas (e também distantes), é como as gaivotas: voa por cima dos problemas e larga excrementos administrativos em cima da população.
Mas nem tudo está perdido! Em 2020, o tesoureiro da junta, Bruno — sim, o mesmo que agora sonha com a presidência — resolveu ser inovador: elaborou uma análise SWOT. A análise, para quem não sabe, é uma ferramenta de gestão usada para planear estratégias com base em pontos fortes, fracos, oportunidades e ameaças.
Bruno, talvez inspirado por uma maratona de vídeos motivacionais no YouTube, lá preencheu o campo das “oportunidades” com entusiasmo. Já os “pontos fracos”, ficou para depois. E as ameaças? Esqueceu-se. Talvez porque não queria confrontar a realidade: a maior ameaça é ele próprio.
Segundo especialistas em sátira política, Bruno estaria mais indicado para entrar no Big Brother, onde o talento para discursos vazios e apresentações em powerpoints brilhantes o levaria longe. Gerir uma freguesia, no entanto, exige mais do que ser apresentador de bailaricos e colador de cartazes.
Enquanto isso, as gaivotas continuam a dominar os céus e as praças de Armação de Pêra. Talvez um dia, alguma entidade — talvez uma junta interplanetária — venha resolver a crise. Até lá, resta aos fregueses esperar… ou investir num chapéu de chuva reforçado.
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segunda-feira, 4 de agosto de 2025
Penélope Cruz e Javier Bardem regresan a Armação de Pêra: “Lost in the trash in a medieval city” promete ser um filme com cheiro a Água Brava
Logo que a Cidadania soube que Penélope Cruz e Javier Bardem podiam regressar a Armação de Pêra para rodar um novo filme, não houve hesitações: fizemos as malas, atirámos os carregadores de telemóvel para dentro de uma mochila e apanhámos o FlixBus mais próximo para Alcobendas.
Foi uma viagem épica — quase um “Thelma & Louise” em versão intermunicipal — só possível graças aos nossos generosos patrocinadores: à FlixBus, que nos ofereceu os bilhetes, à Casa de Pasto Lima e à Sónia, que nos salvaram de uma hipoglicemia severa com Taparueres de carapaus fritos e arroz de tomate, à Charcutaria Tradição e à Adelaide, que nos encheram a mala com pães alentejanos e chouriça, à pastelaria Pé de Açúcar (valha-nos o Paulo com os seus charutos de ovos) e, por fim, ao Camping Praia de Armação de Pêra, que nos emprestou uma tenda “caso a cosa corra mal en Madrid”.
Chegados a Alcobendas, a receção foi calorosa: Penélope abriu-nos a porta de bata de seda, enquanto Javier aparecia atrás com um frasco de Água Brava na mão, “mi perfume de guerra”, explicou. E assim começou a entrevista.
Cidadania: Porque escolheram Armação de Pêra para filmarem o novo projeto?
Penélope: Eu e o Javier estivemos em Armação em 2018 e voltámos durante a pandemia. Da primeira vez, fomos jantar ao restaurante Praia Dourada. Muy bonito, sabes? Depois do jantar, queríamos um doce típico algarvio e um empregado indicou-nos uma loja no centro, acho que se chamava Campidoce. Lá comemos uma torta de amêndoa que… ¡madre mía!… ainda hoje sonho com ela.
Javier: Mas o caminho do restaurante à pastelaria… horrible, fatal. Muito lixo, um cheiro a podre… parecia una bomba biológica. A Penélope teve que se encostar a mim e inspirar profundamente a minha Água Brava para não vomitar.
Penélope: Quando surgiu a oportunidade de filmarmos o filme “Lost in the trash in a medieval city”, vino directo a nuestra mente… Armação de Pêra! O produtor falou com o Bruno da Junta de Freguesia e a Luísa Conduto do Ayuntamiento — gente muy simpática — e garantiram: “Podem filmar tranquilos, o lixo é nosso forte.”
Cidadania: Então o lixo vai fazer parte do cenário?
Javier: Claro que sí! É quase um personagem principal. Vamos ter cenas dramáticas com sacos do Continente a voar pela praia e diálogos intensos junto a um ecoponto cheio.
Penélope: Eu tenho uma cena onde tropeço numa cadeira de praia partida, muy emocionante. Vai ser tipo “Cinema Paradiso”, mas com cheiro a sardinha e plásticos pelo chão.
Cidadania: Como estão a preparar-se para voltar a Armação de Pêra?
Penélope: Eu já pedi à minha mãe para mandar um stock de Fabuloso de lavanda para limparmos o terraço da casa que vamos alugar.
Javier: E eu só pedi uma coisa à produção: um carregamento de Água Brava. Es esencial.
Penélope: Queremos agradecer às pessoas de Armação, gente muy buena onda, e prometer que este filme vai mostrar o lado mais… como se diz…?… “pitoresco” da vila.
Javier: E também queremos agradecer a vocês da Cidadania, que nos visitaram aqui em Madrid carregados de chouriça alentejana. Essa chouriça… Dios mío!… vai ganhar um Óscar honorário.
Nota final: Esta reportagem só foi possível graças aos nossos patrocinadores da Cidadania, que nos encheram o estômago, a mochila e a coragem para irmos a Madrid: FlixBus, à Sónia da Casa de Pasto Lima,à Adelaide da Charcutaria Tradição, à pastelaria Pé de Açúcar e ao Camping Praia de Armação de Pêra.
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