Há 40 anos viveu-se uma das jornadas mais intensas e influentes no desenrolar dos acontecimentos do Verão Quente de 1975, o célebre Processo Revolucionário em Curso (PREC).
Refiro-me à enorme manifestação na Fonte Luminosa em Lisboa, onde o PS conseguiu juntar sob o seu chapéu toda a direita. Mostrando pela primeira vez que a rua não era coutada única nem do PCP e seus “compagnons de route” nem das forças esquerdistas.
Foi uma jornada decisiva na luta que se desenvolveu, acelerada após o 11 de Março e terminada com o 25 de Novembro.
Estiveram em causa duas concepções de revolução, uma que preconizava a conquista da democracia representativa, através de eleições livres, outra que defendia a revolução popular e socialista, através da vanguarda revolucionária que, defendiam as forças suas adeptas, deveria resultar da aliança entre o POVO e o MFA.
Venceram, então, e ainda bem, em minha opinião, os que, legitimados pelo 25 de Abril e o Programa do MFA, defendiam uma democracia política do tipo ocidental.
Perderam, e ainda bem, também segundo a minha opinião, os que, empurrados pela dita dinâmica revolucionária, defendiam uma revolução, a caminho de um sistema semelhante ao soviético ou ao albanês.
Fui actor determinante em todos esses acontecimentos, não me arrependo, no essencial, das opções então assumidas, tenho muito orgulho em ter contribuído decisivamente para parar a paranóia esquerdista, a hipótese comunista, mas também o regresso ao “antes do 25 de Abril”, que os que se acobertaram no chapéu do grupo em que estive inserido, tudo fizeram para alcançar. Não foi fácil, estivemos à beira da guerra civil, nós militares prendemo-nos uns aos outros, mas conseguimos evitar o pior, construir um Estado Democrático e de Direito ( não de direita, pois isso é outro processo, que já nos ultrapassou a nós …) e transmitir o Poder ao Povo Português, isto é aos representantes por ele escolhidos em eleições livres e participadas, como nunca houvera nem voltaria a haver (até hoje…) em Portugal.
Cumprindo, cabalmente, numa postura única em toda a História universal, as promessas que fizemos aos portugueses. Disso, nos continuamos a orgulhar…
A evolução dos acontecimentos, que nos trouxe aos dias de hoje, onde aldrabões assalariados tomaram conta do poder, tem-me desiludido imenso, mas não me tem tirado a esperança de um novo Portugal de Abril, inserido numa nova Europa solidária e fraterna.
De tudo o que se tem passado nestes últimos quatro anos, um facto me indigna, acima de tudo: a total ausência de sentido patriótico dos responsáveis políticos (que eles reduziram a um emblema na lapela…), que têm vendido ao desbarato tudo o que é essencial num País Livre e independente, transforando-nos num “lugar mal frequentado”, limitado a vender o seu clima, sem capacidade mínima de controlo dos meios estratégicos de soberania e afirmação no seio das Nações. São os modernos miguéis de vasconcelos, que tudo vendem, em troca de comissões, que lhes vão aumentando as contas bancárias no estrangeiro, nomeadamente nas off shores…
Paradoxalmente, os portugueses têm vindo a aguentar os tratos de polé e a canga que lhes impõem, sem mostras de reacção visível e significativa. É da nossa natureza, ainda que a História nos ensine que, quando a vasilha transborda, a “marrada” é violenta e tresloucada…
Assistimos, agora, a uma primeira reacção dos portugueses, ao demonstrarem, num primeiro aviso, que estão fartos, que basta, que os que nos levaram ao “estado a que isto chegou” têm de sair de cena.
Talvez de forma sábia, fizeram-no de forma ténue, não violenta, dizendo aos responsáveis que têm de encontrar outras soluções, outros caminhos, dado que os experimentados nestes quarenta anos demonstraram não servir.
Pessoalmente, sinto-me relativamente realizado, pois foi esse o caminho que defendi, abertamente, na intervenção de encerramento do Congresso da Cidadania, que a Associação 25 de Abril promoveu nos dias 13 e 14 de Março passado, nas instalações da Fundação Gulbenkian em Lisboa.
Como então pensava e se vem provando, não era um caminho fácil o procurar novos acordos interpartidários entre as forças políticas fora do chamado “arco da governação”. Como então afirmei, “se não acontecer uma votação maioritária numa só força, devem procurar-se acordos interpartidários, envolvendo todas as forças políticas, sejam as mais antigas, sejam outras que estão a surgir, desde que empenhadas na ruptura com as políticas e as práticas desgraçadamente seguidas até aqui”. Acrescentei, então, que “ se aqui conseguirmos mostrar que isso é possível, que não estamos condenados a repetir o que já foi demonstrado não resultar, este Congresso terá valido apena!”
As acções desenvolvidas pelos partidos de esquerda com representação maioritária na Assembleia da República (PS, BE, PCP) mostram-nos que isto pode ser possível. Que podemos repetir os Governos Provisórios de 1974/1975, existentes ainda antes das eleições para a Assembleia Constituinte.
Mas, para isso, temos de ser capazes de esconjurar o fantasma da Fonte Luminosa que, passados quarenta anos, continua a andar por aí! …
De um lado, e do outro.
Do lado do PCP e do BE, que têm visto no PS o partido reaccionário ao serviço do capital, mas também, e talvez principalmente, do lado do PS, que tem visto esses outros partidos, nomeadamente o PCP, como o partido de Moscovo, incapaz de aceitar colaborar com quem pretende o bem de todo o povo português e não apenas de uma minoria de 20%.
Não interessa, aqui e agora, escalpelizar o procedimento passado de cada uma dessas forças. Impõe-se, sim, é encarar a nova conjuntura, o novo posicionamento destas três forças partidárias, com honestidade e lisura, sem preconceitos ou “pé atrás”.
Faço esta afirmação com a autoridade moral de ter “provocado” a palavra de ordem mais gritada na referida manifestação da Fonte Luminosa, e depois transformada em autêntica arma de guerra do PS e de toda a direita acobertada atrás dele, na luta que se resolveu no 25 de Novembro de 1975, “Vasco há só um, o Lourenço e mais nenhum!”
Não é só agora que defendo esta posição. Orgulho-me muito de, como presidente da Direcção da Associação 25 de Abril desde a sua fundação (e já lá vão 33 anos…) continuar a congregar nela a enorme maioria dos militares de Abril, que passadas as lutas de 1974/1975, perceberam que tinham de se unir á volta do essencial, para continuarem a lutar por valores, os valores de Abril, que os levaram à maravilhosa aventura de libertação do seu povo, do julgo fascista, colonialista, totalitário, que o subjugou durante quase 50 anos.
Por isso, faço um apelo a todos os democratas, que, acima de tudo anseiam contribuir para um Portugal mais livre, mais democrático, mais igual, mais justo e mais fraterno, um Portugal mais feliz e em Paz: prescindam de parte das vossas ideias, dos vossos interesses, dos vossos projectos! Sejam capazes de abdicar de algo, para irem ao encontro dos outros e, em conjunto, encontrarem uma solução alternativa estável às que já demostraram não servirem para o bem dos portugueses.
E não tenham medo dos que, temerosos, eles sim, de perderem os seus privilégios, saem a argumentar com as palavras contrárias ao que diziam ainda há pouco tempo, inventando regras de privilegiados, deturpando as regras constitucionais, arvorando-se em donos da verdade e de muitas outras coisas, com atitudes despudoradas, mas demonstrativas do temor que os assaltou.
Não temam igualmente nem a generalidade dos órgãos de informação, nem a caterva de comentadores (agora enfraquecidos, porque um deles, talvez o principal, resolveu tentar enganar os portugueses e pedir-lhes que o coloquem em Belém…) que, ao serviço de quem lhes paga, se vendem diariamente a defender o indefensável. Aqui tem especial relevância a acusação que muitos fazem às forças de esquerda: “não podemos confiar neles, não são fiáveis, podem trair-nos ao virar da esquina…”. Repito, há que esconjurar o fantasma da Fonte Luminosa. E, então, se falarmos em confiança na palavra dada, nos compromissos assumidos, haverá alguém menos fiável, em quem se possa confiar menos, do que os dois aldrabões que estão à frente da coligação de direita? Eu, não conheço…
Finalmente não receiem o poder de quem está na Presidência da República e dá sinais de querer continuar a sua acção partidária e não querer cumprir a Constituição da República, de que, formal e institucionalmente, é o principal garante. Não quero acreditar, apesar de todo o seu passado, que chegue a tanto! Mas, se o ousar fazer, a História se encarregará de o classificar devidamente.
Por último, um pedido pessoal a essas forças politicas que poderão acertar numa nova alternativa: não acabem, com o gozo que venho sentindo, ao ver os “herdeiros” dos derrotados com o 25 de Abril, a repetir o pânico que então se apossou deles e os levou a fugir do País. Acreditem que estou a gostar imenso de os ver, aflitos ao sentirem que vão perder o poder e os privilégios, “de calças na mão”, a suplicar que alguém lhes “ empreste um cinto, para as segurar!”.
Lisboa, 15 de Outubro de 2015.
Vasco Lourenço
O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.
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As lágrimas de crocodilo
Os migrantes que agora nos comovem em Budapeste são os que tiveram sorte, dinheiro e iniciativa para chegar aqui. Para trás ficaram os condenados à morte.
E de repente toda a gente se comove. Em quatro anos de guerra, o sofrimento e as mortes na Síria, e no Iraque, não comoveram muitos jornalistas ou espectadores sentados por essa Europa fora. No último inverno, vi crianças ranhosas e friorentas, pés roxos e nus nas neves do Monte Líbano. Vi mulheres sírias e órfãos a prostituírem-se nas ruas de Beirute, vi a superpopulação dos campos de refugiados palestinianos, incapazes de acolherem mais um ser humano por falta de espaço. E vimos as imagens dos corpos despedaçados por barrel bombs, as fomes de Yarmouk, os ataques químicos. Não foi por falta de filmes online, colocados por combatentes, resistentes e sitiados sírios, que deixámos de ver no que a Síria se tornou. Ou o Iraque, onde todos os dias há mortos. O ISIS mobiliza-nos as atenções com a barbaridade do dia, que usa como instrumento de terror e propaganda, e cobre com esta cortina negra o resto do Médio Oriente. O Iraque está a desfazer-se. A Síria já se desfez. O Líbano está por um fio. A Jordânia aguenta-se com esforço. O Egito é um Estado falhado. E a Turquia aproveita para destruir os curdos. Em todos estes conflitos, para não falar do desastre da intervenção na Líbia ou no Iémen, a Europa comportou-se de um modo egoísta e indiferente. Pagou resgates e deixou aos americanos a tarefa de limpar os estábulos de Aúgias. Na verdade, se a invasão do Iraque em 2003 foi um trabalho americano, a Europa foi o parceiro da coligação. Sobretudo o entusiástico Tony Blair, originário de um país que recusa receber mais migrantes, refugiados ou todos os nomes que se vão inventar para os milhões de apátridas e desgraçados que trepam as muralhas e se rasgam nos arames farpados. O horror sírio, ou iraquiano, não motivou uma negociação de fundo, uma cimeira capital, uma mesa-redonda, um diálogo, um princípio. Os americanos decidiram bombardear o ISIS, a Europa não decidiu nada para variar.
De repente, a Alemanha é a campeã dos migrantes e refugiados. O cinismo pessimista tende a ver nestes pronunciamentos mais propaganda do que pragmatismo. A Alemanha sabe que a crise grega a fez ficar mal aos olhos do mundo e tem a oportunidade histórica, a sra. Merkel tem-na, de se reabilitar. E de forçar o resto dos europeus. A Alemanha tem a única liderança forte numa Europa fraca e tem a capacidade industrial para absorver mão de obra barata porque ainda precisa dela.
Há anos que criámos os novos campos de concentração, onde concentrámos os africanos, que vieram antes dos sírios e afegãos e iraquianos, e ninguém se comoveu. Os cadáveres nas praias de Tarifa, os condenados a morrer no deserto, recambiados, não provocaram uma lágrima. A crise destas migrações existe há anos e é preciso perceber que os migrantes que agora nos comovem em Budapeste são os que tiveram sorte, dinheiro e iniciativa para chegarem aqui. Para trás ficaram os condenados à morte, as vítimas de conflitos que ajudámos a provocar e das “primaveras” árabes que o jornalismo e as correntes sociais promoveram com sentimento. Ninguém se lembra de perguntar aos países ricos do Golfo, irmãos da mesma fé, quantos refugiados sírios receberam. O Qatar? Zero. Os Emirados, sobretudo os ricos Dubai e Abu Dhabi? Zero. A Arábia Saudita? Zero. O Kuwait? O Bahrain? Omã? Zero. E são estes sunitas que atiçam a guerra perante a nossa apatia. E por que razão a Europa e os Estados Unidos não os pressionam sabendo que manipulam a guerra para hegemonias e demonstrações regionais de força? Duas respostas. Venda de armas, um dos grandes negócios ocultos da recomposição dos mapas, e um negócio onde os estados legítimos, Reino Unido, França, Alemanha, Rússia, Alemanha, etc., têm fontes prodigiosas de financiamento. A Alemanha e os Estados Unidos bateram recordes de venda de armas no Golfo em 2014. E petróleo, a moeda de troca e o pão nosso de cada dia. Um dia, os drones que o Ocidente vende serão uma arma terrorista.
A situação do Médio Oriente é hoje a mais explosiva e volátil e com mais repercussões de sempre. Composta pela nova guerra fria com a Rússia de Putin. Os imparáveis fluxos migratórios vão forçar e reforçar partidos de extrema-direita, acender racismos, distorcer demografias, criar máfias, alimentar o extremismo e terrorismo islâmicos e as suas subculturas identitárias e criminais, mudar o mapa político da Europa e o espaço Schengen. Não vão apenas criar riqueza e contribuir para a economia europeia, como dizem os académicos. Uma integração séria custará biliões. É, de longe, o problema mais grave da Europa, acumulado com a anemia económica e com a condenação da população jovem a migrar dos países europeus em austeridade. Bater no coração e proclamar o amor ao próximo nada resolve na frente da batalha. É a retaguarda imoral da piedade virtual.
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