Somos o país da Europa que
consome mais peixe. O fenómeno acentua-se com a chegada do bom tempo
Texto: Katya Delimbeuf
Infografia: Jaime Figueiredo
Mar azul no horizonte, pé
na areia e um peixe grelhado na brasa. Para muitos, a definição perfeita de um
almoço de férias. A trabalhar com este alimento há 30 anos, Miguel Reino,
proprietário do restaurante Aqui Há Peixe, tem clientes que o procuram o ano
inteiro, mas no verão, partilha, vêm sempre mais pessoas. “Pela maresia, pelo
contexto”, o peixe grelhado apetece mais com os ares estivais, quando o bom
tempo chega e pede uma ementa a combinar com a época balnear. Miguel tem uma
elevada percentagem de clientes regulares — alguns ainda do tempo do Aqui Há
Peixe na praia do Pêgo, antes de se ter mudado, há nove anos, para o
cosmopolita Chiado. Ali, regressam “clientes de Hong Kong, que vêm a Portugal
jogar golfe duas vezes por ano”, mas também há comensais “de Évora, do Porto e
do Algarve” que não se importam de se meter no carro e percorrer centenas de
quilómetros para comer “um cherne, um pregado grande, um imperador ou um robalo
bem fresco”.
Reino conhece bem o
apetite dos portugueses pelo peixe. Esse apetite tão voraz que, assegura a FAO
(a Organização da Alimentação e Agricultura das Nações Unidas), faz de nós o
terceiro consumidor mundial de peixe — apenas ultrapassados pela Islândia e
pelo Japão. Consumimos mais de 55 kg de peixe per capita num ano, mais do dobro
da média dos cidadãos europeus, que se fica pelos 22,3 kg. As espécies mais
consumidas são a sardinha, o carapau, o polvo, a pescada e o peixe-espada — e o
polvo destronou a sardinha pela primeira vez, o ano passado. Ao todo, são umas
impressionantes 600 mil toneladas de peixe que os portugueses consomem por ano,
entre peixe fresco e congelado. O que coloca um problema: o consumo nacional é
superior àquilo que a nossa frota pesca dentro da UE. E isso torna-nos
dependentes da importação. A partir de 1 de abril, deixámos de ter peixe
próprio para satisfazer os níveis de procura interna — facto agravado com o
aumento de turistas, que também veem no peixe grelhado um elemento de cultura
local.
A escassez de espécies
marinhas é um facto consumado a nível mundial. O estudo “The Sea Around Us”,
realizado entre 1950 e 2010 e publicado na revista “Nature”, em 2016, demonstra
que a captura de peixe decresceu à razão de 1,22 milhões de toneladas por ano
desde 1996. Miguel Reino sabe que trabalhar com peixe é hoje mais difícil e
mais caro, e que o futuro reserva desafios. “Usamos muito peixe novo dos
Açores, que tem mares mais limpos, como bicudas”, conta... “Em agosto, por
exemplo, é muito difícil arranjar peixe em Lisboa, porque vai todo para os
apoios de praia.” Também já se rendeu à evidência de que “a aquacultura é o
futuro”. Só esta poderá saciar o apetite mundial por peixe. Defende que, hoje
em dia, já não é linear “distinguir um peixe selvagem ou de aquacultura pelo
sabor, dependendo da sua origem e da forma como as espécies são alimentadas”.
“Zé Camarão”, como é conhecido em Sesimbra José Filipe Batalha Pinto, o dono do
restaurante O Velho e o Mar, concorda: “O nosso peixe de viveiro é muito bom, é
quase igual ao do mar”, no que toca o sabor. “Não tem nada a ver com o da
Grécia, que é muito mais barato”, e que inunda as grandes superfícies
nacionais. Só assim se pode fazer face à procura crescente de peixe, que
“aumenta cerca de 30% nos meses de verão, entre clientes nacionais e
estrangeiros”, considera.
Em 2013, a produção de
peixe de aquacultura totalizou qualquer coisa como dez mil toneladas em
Portugal. Mas poderia chegar facilmente às 100 mil, se “fossem aproveitados
seis mil hectares de salinas abandonadas”, garantia Fernando Gonçalves,
secretário-geral da Associação Portuguesa de Aquacultores (APA). A verdade,
contudo, é que um robalo ou uma dourada demoram um ano e meio a passarem dos 10
gramas com que chegam aos 400 gramas com que podem ser comidos no restaurante.
Ou seja, estamos muito longe da produtividade dos aviários...
Portugal acompanha a
tendência mundial de aumento do consumo de peixe. As vantagens nutricionais
deste alimento, sobretudo relativamente à carne, para isso contribuem. Lípidos,
proteínas e outros nutrientes como os ácidos gordos polinsaturados ómega-3 são
alguns dos seus benefícios. Contudo, em 2016 transacionou-se menos peixe nas
lotas nacionais — 104 mil toneladas — do que no ano anterior (118 mil
toneladas). Mas o valor das vendas aumentou, passando de €195 milhões de euros
para €202 milhões de euros. Come-se hoje em Portugal menos peixe do que em
2011, quando se consumiram 127 mil toneladas, mas a refeição é mais cara. E o
custo aumenta ainda mais no verão.
O MELHOR PEIXE DO MUNDO
Quando o gastrónomo José
Bento dos Santos coordenou o livro “O melhor peixe do mundo”, em 2012, fê-lo
por considerar que fazia falta registar um facto de exceção do nosso país, nem
sempre devidamente valorizado. Oceanógrafos e biólogos marinhos, dos Açores e
não só, discorreram sobre as condições naturais do nosso mar, que conjuga
“planura, profundidade, temperatura e biodiversidade”, para explicar a
qualidade do pescado português. Além disto, Bento dos Santos chama a atenção
para factos que comprovam a cunhagem desta expressão: uma, a de chefes de
renome internacional como Ferran Adriá que admitiram, em entrevista ao Expresso
em 2011, que “o peixe português é o melhor do mundo”; outra, a do melhor restaurante
de Nova Iorque, o Per Se, abastecer-se de peixe português, religiosamente
transportado de avião.
Nas “centenas de
restaurantes” onde comeu por este mundo fora, provando peixe de vários oceanos,
rios e lagos, garante “nunca” ter provado peixe “com músculo semelhante ao
nosso”. “Como é que sabemos que estamos a comer o melhor peixe do mundo?”,
questiona. “É como dizia aquele chefe: parece que temos o Oceano Atlântico a
entrar pela boca dentro. O nosso peixe é tão bom que nunca precisámos de criar
uma receita para ele. Basta grelhá-lo.”
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