In:DN
06 DE SETEMBRO DE 2017
Por:Viriato Soromenho Marques
Se existisse um prémio
internacional de ética pública, ele seria, certamente, outorgado hoje ao
professor Adriano Moreira (AM), pela passagem do seu 95.º aniversário. Dificilmente
se encontrará um outro cidadão que desde 1944, ano em que terminou a sua
licenciatura em Direito, até hoje continue a deixar múltiplas marcas de ação,
pensamento crítico e exemplo lúcido da sua presença no mundo partilhado por
todos (para o leitor da edição impressa do DN basta olhar para a página
seguinte, para encontrar na sua coluna de opinião a prova material da minha
afirmação).
O que sempre admirei em AM
é a sua capacidade de quebrar os binómios de ferro em que a melhor tradição
intelectual do Ocidente tende a aprisionar a experiência política. A
contradição abissal entre teoria e prática, objeto de uma célebre controvérsia
entre Kant e Burke. A oposição entre ética da responsabilidade e ética da
convicção, traçada por um Max Weber, ele próprio tolhido no torvelinho de
tensões contraditórias que o faziam ter paixão pela política e, ao mesmo tempo,
resistir ao canto de sereia das suas "forças diabólicas".
A clássica dilaceração,
identificada por Maquiavel no coração do príncipe, entre as leis humanas e as
pulsões brutais mais elementares (metaforizadas na força do leão e na astúcia
da raposa). Ao longo de mais de sete décadas de vida pública, AM tem enfrentado
e superado (no sentido hegeliano de negação, assimilação e ultrapassagem dos
obstáculos) todos os desafios, vitórias e derrotas que a vida tem colocado no
seu caminho.
Para os leitores mais
jovens, recomendaria a leitura do capítulo que lhe é dedicado na derradeira
obra de Manuel Lucena (Os Lugares-Tenentes de Salazar, Lisboa, Aletheia, 2015,
pp. 261-371), onde a sua peculiar estatura de estadista, que pretende
efetivamente aproximar a realidade e a justiça, fica patente nos anos decisivos
de 1960-62, num contexto de guerra e desorientação interna, tentando, mesmo
contra Salazar e os setores mais cristalizados do Estado Novo, evitar, ou ao
menos atenuar, o trágico capítulo português no grande crepúsculo do Euromundo.
Cada ser humano tem o seu
segredo interior (que até o próprio desconhece), mas atrevo-me a considerar que
uma parte da laboriosa, mas serena, resiliência de AM se fica a dever a uma
espécie de software comportamental, que permanece inalterável ao longo do
tempo, nos seus três tópicos fundamentais.
Primeiro, nunca desistir
do conhecimento na avaliação do mundo - com o imenso trabalho de estudo e
investigação que ele implica - mas sem nunca cair na arrogância científica e
intelectual, que é uma das formas mais modernas de ideologia, usada como
desculpa para subestimar, excluir e reprimir as vozes dos que pensam de modo
diferente. Segundo, acreditar sempre que o melhor se atinge preferencialmente
pelas estradas do possível, envolvendo voluntariamente na viagem também os que
dela duvidam, do que abraçando a retórica das promessas utópicas, que cedo se
transformam em terror e violência. Terceiro, nunca abdicar dos princípios
fundamentais, pois são eles que não só mantêm intacta a integridade e a
identidade do agente (a sua alma política e ética), mas são também eles que
temperam e limitam o que deve e pode, ou não, ser realizado pela ação.
Para AM esses princípios
básicos são os da igualdade e os da cooperação universal do género humano. Ao
mesmo tempo um ponto de partida e uma tarefa sempre à espera de ser cumprida,
como as duras promessas do nosso presente-futuro bem o comprovam.
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