in:DN
31 DE OUTUBRO DE 2016
O filósofo Friedrich Hegel descreveu os processos históricos em termos de "tese, antítese e síntese" - uma fase inicial em que se defende uma visão em particular, depois o oposto, seguido do compromisso. Até agora, o debate sobre o brexit parece seguir obedientemente a lógica hegeliana.
A suposição generalizada de que o Reino Unido iria permanecer na União Europeia deu lugar, após o referendo de junho, à antítese: a perspetiva de um brexit "duro". Agora, graças à fabricante de automóveis japonesa Nissan, vislumbrámos a possibilidade da síntese: um brexit suave em que o Reino Unido manteria a adesão plena ao mercado único da UE.
Na semana passada, a empresa anunciou que iria construir a próxima geração de dois modelos na sua fábrica de Sunderland, no Nordeste da Inglaterra. Não imagino como a Nissan poderia ter tomado essa decisão sem um compromisso firme da primeira-ministra Theresa May, que se reuniu com Carlos Ghosn, presidente da Nissan, há duas semanas. Não faz sentido que a empresa construa estes carros a menos que espere permanecer na união aduaneira e no mercado único.
Acredito que a Sra. May acabe por concluir que esta é a melhor opção para o Reino Unido, quanto mais não seja porque os acontecimentos a vão empurrar nessa direção. Neste momento, ela pode estar a sobrestimar o número de opções de brexit. Na semana passada, ela admoestou uma deputada do Partido Trabalhista na oposição por não compreender que "a maneira como se lida com a união aduaneira não é uma escolha binária". A deputada está correta. Ela está errada.
A UE não vai oferecer uma união aduaneira específica para um setor. Não vai dividir as quatro liberdades: movimentação do trabalho, capital, bens e serviços. Nem vai permitir uma divisão dentro de qualquer um desses quatro. A livre circulação de automóveis, mas não de bicicletas, não é opção. Às opções finais do brexit aplica-se uma lógica semelhante. O Reino Unido pode acabar no mercado único ou não - ou na união aduaneira ou não. Dentro significa dentro e fora significa fora. A UE irá certamente oferecer um acordo de mercado único se o Reino Unido o pedir. Os alemães e os outros podem dizer aos visitantes britânicos que o brexit vai ser duro, mas não é isso o que os alemães estão a dizer uns aos outros. A Alemanha registou um excedente comercial de 56 mil milhões de euros com o Reino Unido no ano passado. Alguém acha honestamente que eles iriam sacrificar isso por uma coisa tão elevada como uma posição de princípio? Eu acredito nos alemães quando dizem que não vão comprometer as quatro liberdades, mas também acredito que eles estariam dispostos a oferecer um brexit suave se o Reino Unido assim o quisesse - porque isso seria suave para a Alemanha.
Digamos, hipoteticamente, que o Reino Unido escolhe um brexit duro sem um regime transitório. A Nissan teria certamente, então, de reverter a decisão da semana passada. Não haveria lógica industrial na expansão da sua capacidade de produção de automóveis no Reino Unido neste cenário.
Portanto, se se quiser que a Nissan e outras empresas de produção se expandam no Reino Unido, a única opção é ficar no mercado único, quer como parte de um acordo permanente quer como parte de um acordo provisório com um período de transição suplementar. No caso de um fabricante de automóveis, esse período teria de exceder o ciclo de vida do modelo do veículo - cinco a dez anos. Durante esse período, a UE vai pedir ao Reino Unido que respeite a livre circulação de mão-de-obra e respeite as decisões do Tribunal de Justiça Europeu.
Quanto mais longo for o período de transição, mais suave será o brexit. Isso poderia ser o compromisso para salvar as aparências: dez anos de adesão plena ao mercado único seguido por um brexit duro ou um acordo de associação.
Mas será que a promessa da Sra. May de controlo da imigração não impede um acordo do tipo Espaço Económico Europeu, em que os Estados europeus que não são membros da UE pagam pela adesão ao mercado único? Sim, se ela se ativer a esta promessa com um rigor pedante. Mas há muita coisa que ela pode fazer para reduzir a imigração no mercado único. Os Estados membros da UE não estão autorizados a discriminar outros cidadãos da UE com base na nacionalidade, mas eles estão autorizados a discriminar com base na residência - o que, em termos práticos, dá no mesmo. O governo poderia impor um requisito de residência de cinco anos no mínimo para se ter acesso ao Serviço Nacional de Saúde, às prestações sociais, até mesmo aos benefícios fiscais. Isso resolveria a questão. Constituiria um grande corte no rendimento disponível dos imigrantes com baixos salários, em particular.
Concordo com a afirmação de que não faz sentido sair da UE para depois se pagar a adesão ao mercado único como membro do EEE. Mas o Reino Unido já optou por sair da União Europeia. No ponto em que estamos, o EEE é a melhor das opções restantes. Funciona para a Nissan. Funciona para a Escócia e a Irlanda do Norte. E, em especial, vai funcionar para a primeira-ministra.
Como alguém que esteve de ambos os lados dos debates do brexit praticamente ao mesmo tempo, ela incorpora tanto a tese como a antítese. Hegel ensinou-nos onde isso acaba.
O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário