Há dias, um amigo que conta pouco mais de
sessenta anos, a propósito da crise e da pressão e carga fiscais, narrava um
episódio da sua vida remota, o qual, fazendo parte integrante de si jamais pôde
deixar de revisitar amiúde, embora nunca tenha partilhado para além do circulo
restrito da sua família.
Ainda aí, quando o fazia, visava, não
propriamente antever e muito menos augurar, o retorno às condições económicas
precárias da sua primeira década de existência, mas deixar nota aos seus filhos
da enormidade do caminho percorrido atendendo à distancia a que o seu núcleo
familiar se encontrava de tal espectro.
Naturalmente que, invariavelmente com orgulho evidente,
mas jamais exuberante...
Face àquela mesma distância a que se
encontravam todos, a invocação esporádica daquele espectro da sua origem foi
perdendo qualquer interesse pedagógico porquanto ganhou uma patine de “conto de
fadas”, absolutamente irreal e já visivelmente fastidiante para os
destinatários da sua tribo.
Recordou o protagonista que, nesses anos, seu
pai tinha trabalho esporádica e precariamente. A vida em Portugal não era fácil
e no Alentejo ainda menos.
Um dia, durante o salazarismo, na sequência da
criação de um imposto novo [talvez o imposto profissional(?)] um agente do
fisco terá procurado o seu pai para que o mesmo pagasse o referido imposto, o
qual teria sido liquidado em 16$00 (dezasseis escudos).
O seu pai que só tinha biscates de quando em
vez, disse que não o pagaria, primeiro porque não tinha emprego certo, depois
porque não tinha esses dezasseis escudos para lhe dar.
O agente do fisco não conformado pretendeu
penhorar a mesa de refeições da família já que mais não viu naquela casa que
pudesse ser objecto de penhora.
A mesa de refeições foi habilmente construída
pelo seu pai, a partir de umas tábuas de caixotes abandonados, recolhidas ao
longo de algum tempo, estruturadas por pregos velhos, endireitados
(recuperados)para servirem tal propósito.
Nem sequer se tratava de um móvel que pudesse
ser representante de um qualquer estilo com valor num mercado que há época não
existia.
Não se recordava com nitidez de como tinha
acabado a estória porquanto sabia que a mesa tinha continuado a dar à família a
serventia para que tinha sido construída, sabendo no entanto que os dezasseis
escudos do tal imposto não foram pagos, já que, realmente, não existiam.
De facto, melhor dito, não recordo eu como
acabou a estória porque a conversa caiu rapidamente da mesa para as refeições e
nelas ficámos porquanto, em factos elucidativos sobre a economia durante a sua
infância, eram bem mais abundantes !
As refeições, invariavelmente pão na forma de
açorda, algumas vezes com um outro ingrediente disponível.
Dia de festa era aquele onde havia uma ou duas
sardinhas.
Três filhos, pai e mãe que guardava para si as
cabeças (das duas sardinhas) para poder privilegiar cada um dos filhos e o
marido com um lombo das mesmas!
O Portugal de então, pelos vistos, não tão
distante quanto isso, pela mão destes gestores da crise – o governo – teima em
voltar!
E, convenhamos que, até nos restarem duas
cabeças de sardinha para saciar uma mãe de família, ainda falta muita crise.
Acontece é que, no que à metamorfose da crise
diz respeito, a velocidade a que se atinge a profundeza da mesma, aumenta para
o dobro por cada metro que se percorre no sentido da descida. Pelo contrário, a
velocidade a que se sai da crise no sentido ascendente reduz-se para metade por
cada metro que se percorre no sentido da saída.
Infelizmente, esta realidade que ainda está
presente na memória do mais comum dos portugueses com sessenta ou mais anos de
idade, não faz parte do curriculum escolar dos portugueses que nos governam,
nem pela via da aprendizagem que, claramente, alguma vez tenham tido por
experiência vivida.
Estes senhores, pela incapacidade evidente de
avaliarem a situação, pela inconsistência das soluções que defendem e pela
patente inconsequência das medidas empreendidas, são, com o poder de que dispõem,
pessoas perigosas.
E os destinos de Portugal não pode estar
entregue a pessoas perigosas. Disso não temos qualquer dúvida!
1 comentário:
Ainda vão dar valor aos pescadores.
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