O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Contribuintes sós e mal acompanhados?

O recente caso da cidadã falecida em casa e na mesma “conservada” por vários anos, apesar da determinação kafkiana de um seu familar em ir batendo à porta da lei visando arrombar a porta da casa de sua parente, uma vez detectado e noticiado, motivou já o conhecimento público de um conjunto largo de casos, é certo que menos radicais, mas igualmente elucidativos sobre algumas características das sociedade modernas, com destaque para a solidão, em dramático crescimento.


Cerca de um ano antes, correu pela internet uma noticia atribuida ao New York Times, acerca de uma bizarria semelhante, de algum modo agravada no que à solidão dos que se encontram acompanhados diz respeito, ditando a mesma:


“HOMEM MORTO TRABALHA DURANTE UMA SEMANA


Os Gerentes de uma Editora estão tentando descobrir, porque ninguém notou que um dos seus empregados estava morto, sentado à sua mesa há CINCO DIAS.

George Turklebaum, de 51 anos de idade, que trabalhava como Revisor de Texto numa firma de Nova Iorque há cerca de 30 anos, sofreu um ataque cardíaco no andar onde trabalhava (open space, sem divisórias) com outros 23 funcionários.

Ele morreu tranquilamente na segunda-feira, mas ninguém notou até ao sábado seguinte pela manhã, quando um funcionário da limpeza o questionou, porque ainda estava a trabalhar no fim de semana.


O seu chefe, Elliot Wachiaski, disse:
“O George era sempre o primeiro a chegar todos os dias e o último a sair no final do expediente, ninguém achou estranho que ele estivesse na mesma posição o tempo todo e não dissesse nada. Ele estava sempre envolvido no seu trabalho e fazia-o muito sozinho.”


A autópsia revelou que ele estava morto há cinco dias, depois de um ataque cardíaco. “


A noticia circulou acrescida da exploração humorística do grotesco, sugerindo a ficção dos factos narrados:

SUGESTÃO: De vez em quando acene para os seus colegas de trabalho.
Certifique-se de que eles estão vivos e mostre que você também está!”

“MORAL DA HISTÓRIA:

Não trabalhe demais. Ninguém nota mesmo...”


No caso português, que entre outras virtualidades tem aquela de nos fazer acreditar que a

noticia do New York Times é verdadeira, dado o longo período de tempo em que o cadáver esteve “retido” dentro de casa, a tónica foi colocada na ineficiência dos instrumentos que a pesada e dispendiosa máquina da justiça põe à disposição dos cidadãos que a sustentam, por um lado, e por outro na excepção que a eficácia da administração fiscal representa hoje em dia, naquela grande família da justiça.


De resto, justificadamente, embora se tivesse assistido, aqui ou ali, a uma breve reflexão sobre a solidão nas sociedades modernas.

Pudera, nesta matéria como em muitas outras relativas a eficiência e eficácia, a sociedade americana ( e todas as outras ditas realmente desenvolvidas) está muito “à frente” e vai-nos “iluminando o caminho”, que percorremos, aparentemente, sem má consciência.


O humor, no caso americano, pareceu perder a irreverência crítica que lhe é habitualmente associada para ganhar (???) a equivalência à resignação perante aquilo que parece uma inevitabilidade: a solidão nas sociedades modernas e desenvolvidas, nas quais aquela atinge a sua fase suprema, tal qual como no episódio relatado pela noticia do New York Times.

A eficácia da administração fiscal num contexto de ineficiência da justiça, no caso português, pareceu ganhar a equivalência à crueldade perante aquilo que parece uma inevitabilidade: a redução do défice das contas públicas far-se-á através da desconsideração do principal activo com que o pais conta: as pessoas, tal como em qualquer sociedade feudal ou Estado Policia.


Temos todos assim razão, pelo menos neste particular, para estar optimistas: por este caminho vamos chegar rapidamente à fase suprema da solidão que é aquela dos que se encontram acompanhados!

Sem comentários:

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