Em cada cem casas postas no mercado do alojamento local, oito são em Lisboa. Uma gorda maioria fica fora da capital - sobretudo em cidades à beira-mar.
Dizer que a legalização deste negócio é o principal responsável pelo afastamento das famílias de Lisboa, que já não há quem viva nos bairros históricos, que o demónio do alojamento local assustou e expulsou os lisboetas, com preços a disparar para além do comportável, é no mínimo um exagero - ou, numa hipótese pior, uma tentativa de manipulação da visão da realidade.
Mas é essa a versão que nos querem vender: as rendas estão a subir de mais, já ninguém quer inquilinos - só turistas - e ainda por cima o Estado está a perder receita fiscal. Curiosamente, o número de habitantes da cidade tem vindo a decair há pelo menos 15 anos. Dos cerca de 60 mil habitantes que Lisboa perdeu desde 2001 (dados do Pordata), mais de um terço mudou-se nos anos da crise (entre 2011 e 2013).
É certo que o mercado do arrendamento tradicional perdeu força nos últimos anos, mas há aqui uma relação com o crédito à habitação. Os portugueses voltaram a comprar casa. Só nos primeiros seis meses deste ano, foram 2700 milhões que os bancos deram às famílias, atingindo-se em junho valores comparáveis aos registados em março de 2011, antes do pedido de ajuda à troika.
Quanto às receitas para o Estado, é verdade que o regime fiscal do alojamento local é mais favorável do que o o arrendamento tradicional, mas os proprietários não podem deduzir despesas, por exemplo, ao contrário do que acontece com as casas arrendadas.
Há ainda que pesar nesta equação o papel do alojamento local na reabilitação, que é reconhecido quer pela câmara quer pelo governo. "Todos nos lembramos de Lisboa e Porto há dez anos, com os centros abandonados, prédios a cair, noites-fantasma em que não circulava vivalma.
O turismo teve esta capacidade de reabilitar os centros históricos", disse a secretária de Estado do Turismo ainda na semana passada. É preciso fazer ajustes na lei? Talvez. Mas essas mexidas têm de ser feitas com muito cuidado.
Se assim não for, corremos o risco de estrangular um negócio que tem ajudado a cidade a renovar-se e que tem contribuído para engordar o único setor da economia que cresce a bom ritmo.
03 DE OUTUBRO DE 2016
Joana Petiz, in DN
O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.
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