O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Wolfgang Münchau: Um Alemão para ser lido!

Os chineses falam do cérebro de macaco como sinónimo de uma incapacidade de concentração. Nós, no Ocidente, temos o conceito de transtorno do défice de atenção. Ambas são descrições apropriadas para o estado da discussão sobre o futuro da UE em geral, e a cimeira da última sexta-feira, em Bratislava, em particular.

Os nossos líderes estavam desorientados - mais desconcentrados do que nunca. A UE tem ainda uma crise financeira não resolvida; uma união monetária inacabada; uma união bancária incompleta; grandes e crescentes desequilíbrios internos e externos; muito pouco investimento; taxas de juro negativas; e, em partes da união, rendimentos reais em queda.

E no entanto, em Bratislava, os nossos líderes decidiram, essencialmente, que era hora de seguir em frente, deixar para trás tais realidades desagradáveis e centrar as atenções na coordenação de outras áreas políticas. Tendo destruído a economia nos últimos 15 anos, voltam-se agora para a segurança.

A verdade é que a UE não vai fazer nada antes das eleições cruciais do próximo ano em França e na Alemanha. Depois disso, iremos assistir a uma maior integração, não por opção, mas por necessidade.

Houve um tempo, há duas décadas, em que as coisas eram diferentes. Em seguida, o debate passou a ideológico: era-se integracionista europeu, eurocético ou qualquer coisa entre os dois. Há vestígios deste debate nos países que não pertencem à zona euro, mas com a chegada do euro a 19 dos 28 Estados que ainda são membros da UE, a maior parte já não se podia dar a esse luxo. O grau de integração já não é determinado por aquilo em que se acredita, mas por aquilo de que se precisa. Sim, há diferenças ideológicas entre ordoliberais alemães e keynesianos italianos. Mas poucos acreditam, mesmo na Alemanha, que uma união monetária possa ser deixada à sua própria sorte. A maioria concorda que a UE precisa de mais integração para fazer funcionar a zona euro.

A razão política simples é que, de outra forma, acabam a empobrecer um número crescente de eleitores. Isso já aconteceu em Itália e na Grécia. Mesmo na Alemanha, existe agora um forte partido antissistema. No Reino Unido, o brexit mostra o que pode acontecer aos políticos quando os rendimentos reais caem durante longos períodos. O agregado familiar médio britânico sofreu uma queda efetiva dos rendimentos reais com o aumento dos custos da habitação ao longo de 13 anos, de acordo com dados oficiais. Esta insurreição aconteceu por uma razão.

O que vai fazer avançar a integração europeia é a próxima crise e as que vierem a seguir a essa. Um dos gatilhos pode ser o enorme excedente da conta-corrente da Alemanha. Neste ano aproxima-se dos 9% do produto interno bruto. Os excedentes de poupança do país são reciclados no frágil sistema bancário da zona euro.

Isto não importaria se acontecesse num contexto fora da esfera nacional, com um esquema europeu de seguro de depósitos central e um apoio orçamental igualmente central. Mas não é. Também não o será tão cedo. Se ou, melhor, quando a próxima crise bancária chegar, a zona euro vai enfrentar um momento de verdade. O Estado italiano é grande de mais para resgatar, mas também grande de mais para falir. Alguma coisa terá de ceder.

A combinação de uma não resolução de ativos tóxicos em alguns bancos alemães, de crédito malparado nos livros dos seus parceiros italianos, de uma recuperação económica em Itália que não está a ir a lugar nenhum e de taxas de juro negativas poderá fazer perder o equilíbrio. A necessidade de corrigir esse problema, ou de o evitar, é o que vai determinar a próxima etapa da integração europeia.

Na primeira crise da zona euro em 2010-2012, os Estados membros criaram relutantemente o Mecanismo Europeu de Estabilidade, um apoio anticrise. Eles introduziram novas regras de coordenação económica, incluindo sistemas de alerta precoce. O Banco Central Europeu ampliou o seu conjunto de instrumentos de política, incluindo uma rede de segurança e de flexibilização quantitativa. Poderíamos ir mais longe. O eurobond, um título de dívida europeu emitido em conjunto, pode muito bem estar a uma, duas, ou três crises de distância.

Não estou a prever que a zona euro vá, indubitavelmente, em direção a um futuro brilhante, aumentando cada vez mais, passo a passo, a integração. É apenas um cenário concebível. A julgar pelo seu desempenho atual, parece mais provável que os líderes europeus fiquem parados a meio do caminho. Nesse caso, seria razoável esperar que a zona euro acabasse por se desmoronar sob a pressão dos seus desequilíbrios opressivos e bancos não rentáveis.

Embora não possamos prever as escolhas exatas que os líderes farão, podemos dizer que se eles alguma vez acabarem por tomar as decisões certas, tê-lo-ão feito com relutância, encostados à parede. Eles não vão planear com antecedência. O próximo passo em direção à integração não será o resultado de uma sessão de debate de ideias, mas sim de alguma reunião de emergência após a meia-noite durante um fim de semana.
É por isso que as cimeiras de debate informais como a realizada em Bratislava são um desperdício de tempo. Não é assim que a próxima etapa da integração europeia vai acontecer. Como vimos a 23 de junho no referendo no Reino Unido, agora são os eleitores que conduzem o processo. A nossa maior esperança é que esta mudança acabe por servir para melhorar o défice de atenção dos líderes europeus.
In: DN de19 DE SETEMBRO DE 2016
Por: Wolfgang Münchau

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