O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.

domingo, 30 de junho de 2013

"Semear no cimento" por João Cesar das Neves, in DN 24.06.13


Porque é que Portugal não cresce e cria emprego? Muitos sabem a resposta, falando de austeridade, troika, euro, Governo, Alemanha, etc. Essas causas são verdadeiras, mas passam ao lado do essencial. Os nossos problemas são anteriores a 2011 e razões monetárias têm fracos efeitos produtivos. Tais argumentos são como um agricultor que, queixando-se de más colheitas, invocasse os coelhos, os corvos e outras pragas e se esquecesse de mencionar ter cimentado grande parte do terreno.

Existe em Portugal uma máquina poderosíssima para destruir iniciativa, investimento, produção e emprego. Pervertendo as suas finalidades originais, muitos serviços públicos, mecanismos sociais e até algumas empresas perseguem, ferem e muitas vezes matam os projectos produtivos. Boa parte da nossa actividade e emprego dirige-se explicitamente a estragar, prejudicar e estiolar os negócios.

Crescimento e trabalho nunca podem vir senão através do investimento. A economia funciona apenas por iniciativas empresariais. Ora basta alguém contemplar a possibilidade de lançar um projecto para imediatamente se dar conta da dimensão esmagadora das forças opostas. Temos um terreno muito fértil mas coberto com uma camada de cimento.


Começa logo pela atitude social. Um empresário, pelo simples facto de o ser, fica no fundo da escala. Admiramos artistas, profissionais, trabalhadores e desconfiamos instintivamente dos negócios. Ter fins lucrativos é um argumento negativo, senão mesmo insulto. Por isso, numa discussão entre uma empresa e qualquer outra entidade - do Estado às ONG, passando por sindicatos e consumidores - antes mesmo de sabermos o assunto, já assumimos a empresa culpada.


Se alguém persistir em afrontar esse desprezo público e criar o tal negócio, tem logo à sua espera uma multidão com a função de garantir que a coisa falha. Nominalmente as suas tarefas dirigem-se a propósitos louváveis, do notariado ao ambiente, higiene, cultura, infância, cidadania, etc. Só que todas essas finalidades tão prestimosas têm como único resultado comum os enormes custos, bloqueios e dificuldades que criam à vida empresarial. Cada fiscal e inspector aparece como anjo vingador, colocando um princípio abstrato acima da vida concreta. Como as leis foram escritas por deputados com ideias vagas da realidade do sector, as oportunidades de abuso são incontáveis. Para caçar o joio arrancam muito trigo. Tudo considerado, até devemos louvar os funcionários por se aproveitarem muito menos do que podiam.


Em cima disso, os impostos esmifram estupidamente os poucos que apanham, matando neles a galinha dos ovos de ouro. As pressões políticas sobre as grandes empresas e as autárquicas sobre as médias são constantes. Dá a sensação de que produção e comercialização são actividades nocivas que devem ser reprimidas a todo o custo. De facto, no deserto e cemitério não há problemas sociais ou ecológicos.

Produzir dá muito trabalho e enfrentar os consumidores e concorrentes no mercado é extremamente exigente. Mas em 

Portugal essas acções económicas passam sempre para segundo plano perante as questões que vêm da lei e infra-estruturas que, alegadamente, existem para servir a todos. A lista das regulamentações diferentes, cada uma delas com inúmeros diplomas, é infindável. Das leis laborais à ASAE, das burocracias às regras ambientais, das instalações à electricidade, tudo cai sempre sobre os mesmos. 

Que só nas horas vagas se podem dedicar a gerir o seu negócio, inovar, investir.


Se há problemas vai-se a tribunal, e aí entra-se no mundo da ficção. As empresas são em geral suspeitas e os queixosos gozam automaticamente de preferência judicial. Quando a sentença sai, vários anos depois - o que só por si é prejuízo irreparável - raramente se corrige o dano, se não gerar novos estragos. De novo surpreende ainda haver quem pague o que deve, podendo sair incólume da transgressão. Imagine-se que há quem, de cara séria, chame "justiça" ao que aí se passa.
Portugal tem um terreno muito fértil. Não produz por causa do cimento.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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