O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Será que Paul De Grauwe vê melhor ou será que quem devia ver, vira a cara às evidências?

 Paul De Grauwe escreve periodicamente no Expresso Economia. Por diversas vezes temos verificado que as opiniões de muitos cidadãos sem qualificação especifica são coincidentes, não na erudição ou na fundamentação, com a deste prestigiado professor belga, mas no essencial dos seus textos.
Decidimos pela publicação deste, que é um deles, e que parece de uma evidência merediana.

Se um capacitado técnico de tão elevado gabarito defende o que defende, resta-nos perguntar, sem conceder à muito habitual tese da conspiração, se haverá razões que a razão desconhece que justifiquem a tibieza nas acções e sobretudo nas omissões de multiplas entidades que não fazendo o que deveriam no interesse geral,poderão estar a curar de interesses especiais?


O BCE deve mudar o modelo de negócio

O Banco Central Europeu é a única instituição que pode evitar que o pânico nos mercados da dívida soberana empurre os países para um ‘mau equilíbrio’.
Torna-se cada vez mais óbvio que o Banco Central Europeu é a única instituição que pode estabilizar os mercados da dívida soberana na zona euro. Estes mercados têm sido de novo atacados pelo medo e pelo pânico, que provocam aumentos insustentáveis nas taxas de juro da dívida espanhola e italiana. Se ninguém fizer nada, Espanha e Itália serão empurradas para o incumprimento.

A natureza autoalimentadora destes desenvolvimentos é fulcral para entender a crise. Espanha e Itália são países solventes. No entanto, o medo e o pânico provocam duas coisas. Primeiro, levam para níveis insustentáveis as taxas de juro das obrigações governamentais destes países. Segundo, conduzem a quebras súbitas de liquidez que tornam impossível aos governos continuarem a pagar o serviço da dívida. Para evitar isto, os líderes políticos são forçados a encetar programas de austeridade excessivos, que levam a recessões profundas e ao colapso das receitas fiscais. O resultado é o agravamento da situação orçamental, não uma melhoria. O medo do default cria as condições que o tornam inevitável. Os países são empurrados para um ‘mau equilíbrio’.

O BCE é a única instituição que pode evitar que o pânico nos mercados da dívida soberana empurre os países para um ‘mau equilíbrio’, porque, como entidade emissora de moeda, tem uma capacidade infinita de comprar títulos governamentais. O facto de os recursos serem infinitos é central para lhe dar a capacidade de estabilizar as taxas das obrigações.

O BCE não manifesta vontade de estabilizar os mercados financeiros desta forma. A razão mais profunda para a relutância do BCE em ser credor de último recurso no mercado da dívida soberana tem que ver com o seu modelo de negócio. Este é um modelo em que o BCE tem como principal preocupação a defesa da qualidade da sua folha de balanço, isto é, uma preocupação em evitar perdas e mostrar liquidez, mesmo que isso conduza à instabilidade financeira.

É surpreendente que o BCE dê tal importância aos ganhos. De facto, esta insistência baseia-se num erro de compreensão fundamental da natureza dos bancos centrais. O banco central cria os seus próprios IOU. Assim, não precisa de liquidez para apoiar as suas atividades. Os bancos centrais podem viver sem liquidez porque não podem entrar em default. O único apoio de que um banco central carece é do apoio político do soberano que garante a natureza legal do dinheiro emitido. Este apoio político não precisa de liquidez. É enganador acreditar que um governo que pode entrar em incumprimento - e às vezes entra - precisa de fornecer capital a uma instituição que não pode entrar em default.

Tudo isto não seria problema se não fosse o facto desta insistência do BCE de ter liquidez positiva entrar em conflito com a sua responsabilidade de manter a estabilidade financeira. Pior, esta insistência tornou-se fonte de instabilidade financeira. Por exemplo, no sentido de proteger a sua equidade, o BCE insistiu em obter a condição de credor preferencial, seniority, na sua carteira de títulos governamentais. Ao fazê-lo, tornou estes títulos mais arriscados para os investidores privados, que reagiram vendendo. Isto também implica que se o BCE tivesse de assumir a sua responsabilidade de credor de último recurso, teria de abandonar a exigência de credor preferencial nas obrigações que compra nos mercados.

O modelo de negócio correto para o BCE é procurar a estabilidade financeira como objetivo prioritário (juntamente com a estabilidade dos preços), mesmo que isso o conduza a perdas. Não há limite para o volume de perdas que um banco central pode suportar, exceto o que é imposto pelo seu compromisso de manter os preços estáveis. Na presente situação, o BCE está muito longe desse limite.

Um banco central devia querer assumir essas perdas se ao fazê-lo estabilizasse os mercados financeiros. De facto, se estabilizasse com êxito os mercados, as perdas poderiam mesmo não chegar a ocorrer. Hoje, o medo das perdas paralisa o BCE. O BCE tem de afastar estes medos. Como disse Franklin Roosevelt num dos seus discursos de tomada de posse como Presidente dos EUA: “O único medo que temos a recear é o próprio medo.”

Por outras palavras, os investidores de hoje estão muito avisados quanto aos riscos, temendo ser apanhados numa crise que possa levar por água abaixo a sua riqueza. Num ambiente destes é importante que o banco central tenha vontade de correr alguns riscos, limitando dessa forma a extrema aversão ao risco que grassa no mercado. Se pelo contrário o BCE é igualmente, se não mais, resistente ao risco, os mercados financeiros não podem ser estabilizados. Porque tem bolsos sem fundo, é o banco central que em tempos de medo tem de se manifestar destemido. Esse é o banco central de que precisamos. Não um que se põe a fugir.

Paul De Grauwe, Professor da Universidade Católica de Lovaina, Bélgica, in Expresso de 04/08/2012

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