O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.
domingo, 27 de julho de 2025
A Matemática e os Cantoneiros: Uma Equação por Resolver
Em 16 de julho, quando foram divulgados os resultados da 1.ª fase dos exames nacionais, um número sobressaiu como um ponto vermelho num quadro branco: 42% dos alunos chumbaram a Matemática. A média caiu de 12,1 para 10,5 – e parece que o conceito de “regra de três simples” já é mais ficção científica do que realidade.
Ora, vem isto a propósito de uma pergunta aparentemente banal, mas que fez soar os sinos cá na vila:
— “Quantos cantoneiros são necessários para manter a freguesia limpa?”
Foi perguntado ao tesoureiro da Junta, homem de fala mansa e discurso polido, que logo respondeu:
— “Mais.”
Sim, mais. Mas quantos mais?
A partir daqui, a conversa descambou:
— “Ó senhor tesoureiro, e se fizéssemos as contas? Quantos quilómetros de estrada temos, quantos metros cada cantoneiro varre por hora, e pronto: uma conta de multiplicar e dividir.”
O homem coçou a cabeça, olhou para o assessor de Marting (sim, com “n”, porque “Marketing” parece palavra difícil de soletrar) e atirou:
— “Matemática é complicado. Nós cá trabalhamos é com sensações.”
O assessor, de blazer apertado e cara de quem fez um workshop de três horas em “Branding Territorial”, reforçou:
— “Bruno, não complique. Diga só que está tudo ‘em curso’ e use palavras fortes: reforçamos o compromisso com as pessoas, juntos conseguimos, resiliência, compromisso!”
Enquanto isso, lá continuam 10 cantoneiros, heróis anónimos, a varrer as ruas com vassouras gastas, porque os equipamentos da Junta estão encostados no parque de estacionamento. Avançam rumores de que uma das máquinas até foi usada como suporte de roupa do carnaval, mas nada foi confirmado.
E pensar que o avô de um dos moradores o “Recatreca” fazia contas com pipas de vinho:
— “Se com 3 pipas de vinho dava para 15 homens, quantas pipas preciso para regar a festa de Nossa Senhora dos Navegantes toda?”
Pois, parece que antigamente a Matemática tinha aplicação prática. Hoje, a aplicação é outra:
— “Se 42% dos alunos não sabem fazer contas, quantos políticos vamos ter daqui a 20 anos que ainda não sabem responder quantos cantoneiros precisamos?”
A Junta continua a responder que “está a fazer o melhor que pode”. O problema é que esse “melhor” não envolve operações de soma, subtração ou divisão.
No fim, resta a pergunta que devia estar no exame nacional do próximo ano:
“Se a vila tem 50 quilómetros de estrada, um cantoneiro varre 5 km por dia, e temos 10 cantoneiros, quantos dias serão precisos para varrer tudo? (Mostre o raciocínio, sem ajuda do assessor de Marting.)”
Etiquetas:
Educação
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Correio para:
Visite as Grutas

Património Natural
Sem comentários:
Enviar um comentário