O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.
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domingo, 7 de dezembro de 2008

UTOPIA?

CADA VEZ MAIS LONGE?

No pressuposto, por confirmar decisivamente, de que o PS de Silves não irá apoiar a candidatura de Carneiro Jacinto à Câmara, tal circunstância constituiria, quanto a nós, mais uma evidência da habitual opção, nos partidos, pelos candidatos “Yes Men” que emergem dos respectivos aparelhos, em detrimento de outros, com ideias próprias e motivações genuínas de participação e contribuição para a coisa pública, ainda que melhor posicionados face ao mercado dos eleitores, por, de algum modo, serem potenciais portadores do vírus da MUDANÇA, (filho da independência)o qual, alastrando, ameaça de morte a coesão e os pilares do exército partidário – o aparelho – cuja vocação última consiste em perpectuar o status quo das condições e das regras do jogo, viciado e mediocre, na ascensão da classe politica, do nada ao poder, e da conservação do mesmo na órbita das autênticas nomenclaturas que dominam cada um dos partidos políticos.

Este cenário, e sobretudo a indignação que determina, permite-nos recordar uma crónica de Clara Pinto Correia, a qual escalpeliza as raízes da frustração de tantos que, generosamente, se galvanizam para a participação, crentes na substância da actividade politica e que cedo a abandonam, bem como de outros tantos que nem sequer ousam experimentar tal frustração.

A Nova Atlantis


John Adams, o segundo presidente dos Estados Unidos, era um puritano de convicções inabaláveis e de uma erudição esmagadora, um herdeiro convicto e batalhador das grandes ideias do Iluminismo que se congregaram nos alicerces da Revolução Americana, e logo a seguir da Revolução Francesa.

Benjamin Franklin, um dos outros grandes pais dos grandes desígnios delineados para o Novo Mundo, personificou a outra vertente desta linhagem iluminada, o grande inventor, engenheiro e filósofo, que recusa os dogmas religiosos para incensar a liberdade feliz do Deísmo, onde, como escreveu Locke, “os trabalhos da Natureza por toda a parte bastam para evidenciar a existência de uma Divindade”, e não precisamos de andar todos acirrados em seitas à procura do nome e dos mandamentos que havemos de atribuir a esta Divindade.

Há uma noite histórica, ainda no tempo do domínio britânico, em que estes dois gigantes da mudança, no processo de atravessarem o país puxados a cavalos cansados para reunirem e agitarem as massas, se encontravam a partilhar o quarto numa estalagem minúscula, tão minúscula que não foi só o quarto que partilharam, foi a própria cama, que era só uma e era muito estreita. Em camisolão e de barrete, estes dois génios passam a noite em claro a discutir com fervor e convicção.

O tema de tão intenso debate? Se a janela devia ficar aberta ou fechada. Com toda a sua postura calvinista de homem condenado a viver num mundo de sofrimentos e perigos, Adams quer a janela fechada para não se constiparem os dois. Com o seu amor inabalável pela Natureza, Franklin quer a janela aberta para que os zéfiros nocturnos possam tonificar-lhes os pulmões.

Têm saudades dos tempos em que os políticos defendiam mesmo os seus ideais e lutavam mesmo pelas suas causas eleitas? Num tempo de desagregação e embrutecimento como o que estamos a viver, enquanto assistimos ao espectáculo triste dos grandes partidos a tentarem todos colarem-se de tal maneira ao centro que já mal conseguimos distingui-los uns dos outros, quando já tomámos como ponto assente que nenhum autarca tem qualquer poder que não seja o que lhe é conferido pelos construtores de mamarrachos da sua área, com toda a gente a quem demos os nossos votos a querer tão desesperadamente sacar os votos dos outros que já não percebemos como é que vamos falar aos nossos filhos de valores e de questões de princípios, é apenas humano e legitimo cedermos a uma nostalgia enorme das Idades do Ouro em que a politica era uma forma de filosofia. Agora, embora isto também continue a ser humano, o ruído de fundo nascido desta insatisfação é que já me parece de legitimidade mais discutível.

Aqui há tempos li uma crónica do Vasco Pulido Valente que estava construída com imensa sabedoria para nos encaminhar até à conclusão lógica do autor: se nos repugna esta gente que aceita entrar nos “reality shows”, se nos horrorizam estas maiorias subeducadas que consomem avidamente os “reality shows”, então por que é que continuamos a achar que o voto delas vale tanto como o nosso? Não é evidente que quem consome “reality shows” não está em estado de controlar os destinos políticos do pais? Arranje-se uma democracia representativa, que diabo.

E este senhor não terá razão? Escutem-se os grandes pensadores do passado e aprenda-se com os seus sonhos. Nunca ninguém inventou uma sociedade justa e fraterna sem os “grandes homens” que o transcendentalista gentil Ralph Waldo Emerson incensou tão bem no seu “Heroísmo”. A “Utopia” de More tinha um conselho de sábios para tomar decisões. Só o carisma de François Leguat é que manteve viável por dois anos a República de Deus que oito hugenotes construíram em solidão absoluta num rochedo isolado no meio do Índico.

A “Nova Atlantis” de Bacon partia da vontade férrea de um déspota iluminado. Alguns destes déspotas eram mesmo tão iluminados que até podiam convocar forças ocultas, como atesta o episódio em que Thomaso Campanella executa rituais mágicos diante do papa Júlio III para o persuadir a dar-lhe apoio na construção da Cidade do Sol. Exemplos destes há muitos, até às aventuras de Jesus, ou mesmo às de Moisés. Deus não fala com toda a gente. Por conseguinte, nem toda a gente tem igual poder de decisão.

Mas agora pensem no que aconteceu a todas estas Novas Atlantis, e por favor ponham-se a pau. Lembrem-se das seiscentas pessoas que se mataram por ordem do Reverendo Jones, se precisam de caricaturas. Isto está mau, está péssimo, isso é verdade. Mas a soma de duas coisas más raramente resulta numa coisa boa. E eu, por conseguinte, aproveito para anunciar que decidi votar no João Soares e apoiar abertamente a sua candidatura.

Clara Pinto Correia in “ Visão” de 7 de Junho de 2001

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