O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.
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quinta-feira, 3 de novembro de 2016

O acordo com a Nissan aponta um caminho para o brexit

in:DN
31 DE OUTUBRO DE 2016


O filósofo Friedrich Hegel descreveu os processos históricos em termos de "tese, antítese e síntese" - uma fase inicial em que se defende uma visão em particular, depois o oposto, seguido do compromisso. Até agora, o debate sobre o brexit parece seguir obedientemente a lógica hegeliana.

A suposição generalizada de que o Reino Unido iria permanecer na União Europeia deu lugar, após o referendo de junho, à antítese: a perspetiva de um brexit "duro". Agora, graças à fabricante de automóveis japonesa Nissan, vislumbrámos a possibilidade da síntese: um brexit suave em que o Reino Unido manteria a adesão plena ao mercado único da UE.

Na semana passada, a empresa anunciou que iria construir a próxima geração de dois modelos na sua fábrica de Sunderland, no Nordeste da Inglaterra. Não imagino como a Nissan poderia ter tomado essa decisão sem um compromisso firme da primeira-ministra Theresa May, que se reuniu com Carlos Ghosn, presidente da Nissan, há duas semanas. Não faz sentido que a empresa construa estes carros a menos que espere permanecer na união aduaneira e no mercado único.

Acredito que a Sra. May acabe por concluir que esta é a melhor opção para o Reino Unido, quanto mais não seja porque os acontecimentos a vão empurrar nessa direção. Neste momento, ela pode estar a sobrestimar o número de opções de brexit. Na semana passada, ela admoestou uma deputada do Partido Trabalhista na oposição por não compreender que "a maneira como se lida com a união aduaneira não é uma escolha binária". A deputada está correta. Ela está errada.

A UE não vai oferecer uma união aduaneira específica para um setor. Não vai dividir as quatro liberdades: movimentação do trabalho, capital, bens e serviços. Nem vai permitir uma divisão dentro de qualquer um desses quatro. A livre circulação de automóveis, mas não de bicicletas, não é opção. Às opções finais do brexit aplica-se uma lógica semelhante. O Reino Unido pode acabar no mercado único ou não - ou na união aduaneira ou não. Dentro significa dentro e fora significa fora. A UE irá certamente oferecer um acordo de mercado único se o Reino Unido o pedir. Os alemães e os outros podem dizer aos visitantes britânicos que o brexit vai ser duro, mas não é isso o que os alemães estão a dizer uns aos outros. A Alemanha registou um excedente comercial de 56 mil milhões de euros com o Reino Unido no ano passado. Alguém acha honestamente que eles iriam sacrificar isso por uma coisa tão elevada como uma posição de princípio? Eu acredito nos alemães quando dizem que não vão comprometer as quatro liberdades, mas também acredito que eles estariam dispostos a oferecer um brexit suave se o Reino Unido assim o quisesse - porque isso seria suave para a Alemanha.

Digamos, hipoteticamente, que o Reino Unido escolhe um brexit duro sem um regime transitório. A Nissan teria certamente, então, de reverter a decisão da semana passada. Não haveria lógica industrial na expansão da sua capacidade de produção de automóveis no Reino Unido neste cenário.

Portanto, se se quiser que a Nissan e outras empresas de produção se expandam no Reino Unido, a única opção é ficar no mercado único, quer como parte de um acordo permanente quer como parte de um acordo provisório com um período de transição suplementar. No caso de um fabricante de automóveis, esse período teria de exceder o ciclo de vida do modelo do veículo - cinco a dez anos. Durante esse período, a UE vai pedir ao Reino Unido que respeite a livre circulação de mão-de-obra e respeite as decisões do Tribunal de Justiça Europeu.

Quanto mais longo for o período de transição, mais suave será o brexit. Isso poderia ser o compromisso para salvar as aparências: dez anos de adesão plena ao mercado único seguido por um brexit duro ou um acordo de associação.

Mas será que a promessa da Sra. May de controlo da imigração não impede um acordo do tipo Espaço Económico Europeu, em que os Estados europeus que não são membros da UE pagam pela adesão ao mercado único? Sim, se ela se ativer a esta promessa com um rigor pedante. Mas há muita coisa que ela pode fazer para reduzir a imigração no mercado único. Os Estados membros da UE não estão autorizados a discriminar outros cidadãos da UE com base na nacionalidade, mas eles estão autorizados a discriminar com base na residência - o que, em termos práticos, dá no mesmo. O governo poderia impor um requisito de residência de cinco anos no mínimo para se ter acesso ao Serviço Nacional de Saúde, às prestações sociais, até mesmo aos benefícios fiscais. Isso resolveria a questão. Constituiria um grande corte no rendimento disponível dos imigrantes com baixos salários, em particular.

Concordo com a afirmação de que não faz sentido sair da UE para depois se pagar a adesão ao mercado único como membro do EEE. Mas o Reino Unido já optou por sair da União Europeia. No ponto em que estamos, o EEE é a melhor das opções restantes. Funciona para a Nissan. Funciona para a Escócia e a Irlanda do Norte. E, em especial, vai funcionar para a primeira-ministra.

Como alguém que esteve de ambos os lados dos debates do brexit praticamente ao mesmo tempo, ela incorpora tanto a tese como a antítese. Hegel ensinou-nos onde isso acaba.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Wolfgang Münchau: Um Alemão para ser lido!

Os chineses falam do cérebro de macaco como sinónimo de uma incapacidade de concentração. Nós, no Ocidente, temos o conceito de transtorno do défice de atenção. Ambas são descrições apropriadas para o estado da discussão sobre o futuro da UE em geral, e a cimeira da última sexta-feira, em Bratislava, em particular.

Os nossos líderes estavam desorientados - mais desconcentrados do que nunca. A UE tem ainda uma crise financeira não resolvida; uma união monetária inacabada; uma união bancária incompleta; grandes e crescentes desequilíbrios internos e externos; muito pouco investimento; taxas de juro negativas; e, em partes da união, rendimentos reais em queda.

E no entanto, em Bratislava, os nossos líderes decidiram, essencialmente, que era hora de seguir em frente, deixar para trás tais realidades desagradáveis e centrar as atenções na coordenação de outras áreas políticas. Tendo destruído a economia nos últimos 15 anos, voltam-se agora para a segurança.

A verdade é que a UE não vai fazer nada antes das eleições cruciais do próximo ano em França e na Alemanha. Depois disso, iremos assistir a uma maior integração, não por opção, mas por necessidade.

Houve um tempo, há duas décadas, em que as coisas eram diferentes. Em seguida, o debate passou a ideológico: era-se integracionista europeu, eurocético ou qualquer coisa entre os dois. Há vestígios deste debate nos países que não pertencem à zona euro, mas com a chegada do euro a 19 dos 28 Estados que ainda são membros da UE, a maior parte já não se podia dar a esse luxo. O grau de integração já não é determinado por aquilo em que se acredita, mas por aquilo de que se precisa. Sim, há diferenças ideológicas entre ordoliberais alemães e keynesianos italianos. Mas poucos acreditam, mesmo na Alemanha, que uma união monetária possa ser deixada à sua própria sorte. A maioria concorda que a UE precisa de mais integração para fazer funcionar a zona euro.

A razão política simples é que, de outra forma, acabam a empobrecer um número crescente de eleitores. Isso já aconteceu em Itália e na Grécia. Mesmo na Alemanha, existe agora um forte partido antissistema. No Reino Unido, o brexit mostra o que pode acontecer aos políticos quando os rendimentos reais caem durante longos períodos. O agregado familiar médio britânico sofreu uma queda efetiva dos rendimentos reais com o aumento dos custos da habitação ao longo de 13 anos, de acordo com dados oficiais. Esta insurreição aconteceu por uma razão.

O que vai fazer avançar a integração europeia é a próxima crise e as que vierem a seguir a essa. Um dos gatilhos pode ser o enorme excedente da conta-corrente da Alemanha. Neste ano aproxima-se dos 9% do produto interno bruto. Os excedentes de poupança do país são reciclados no frágil sistema bancário da zona euro.

Isto não importaria se acontecesse num contexto fora da esfera nacional, com um esquema europeu de seguro de depósitos central e um apoio orçamental igualmente central. Mas não é. Também não o será tão cedo. Se ou, melhor, quando a próxima crise bancária chegar, a zona euro vai enfrentar um momento de verdade. O Estado italiano é grande de mais para resgatar, mas também grande de mais para falir. Alguma coisa terá de ceder.

A combinação de uma não resolução de ativos tóxicos em alguns bancos alemães, de crédito malparado nos livros dos seus parceiros italianos, de uma recuperação económica em Itália que não está a ir a lugar nenhum e de taxas de juro negativas poderá fazer perder o equilíbrio. A necessidade de corrigir esse problema, ou de o evitar, é o que vai determinar a próxima etapa da integração europeia.

Na primeira crise da zona euro em 2010-2012, os Estados membros criaram relutantemente o Mecanismo Europeu de Estabilidade, um apoio anticrise. Eles introduziram novas regras de coordenação económica, incluindo sistemas de alerta precoce. O Banco Central Europeu ampliou o seu conjunto de instrumentos de política, incluindo uma rede de segurança e de flexibilização quantitativa. Poderíamos ir mais longe. O eurobond, um título de dívida europeu emitido em conjunto, pode muito bem estar a uma, duas, ou três crises de distância.

Não estou a prever que a zona euro vá, indubitavelmente, em direção a um futuro brilhante, aumentando cada vez mais, passo a passo, a integração. É apenas um cenário concebível. A julgar pelo seu desempenho atual, parece mais provável que os líderes europeus fiquem parados a meio do caminho. Nesse caso, seria razoável esperar que a zona euro acabasse por se desmoronar sob a pressão dos seus desequilíbrios opressivos e bancos não rentáveis.

Embora não possamos prever as escolhas exatas que os líderes farão, podemos dizer que se eles alguma vez acabarem por tomar as decisões certas, tê-lo-ão feito com relutância, encostados à parede. Eles não vão planear com antecedência. O próximo passo em direção à integração não será o resultado de uma sessão de debate de ideias, mas sim de alguma reunião de emergência após a meia-noite durante um fim de semana.
É por isso que as cimeiras de debate informais como a realizada em Bratislava são um desperdício de tempo. Não é assim que a próxima etapa da integração europeia vai acontecer. Como vimos a 23 de junho no referendo no Reino Unido, agora são os eleitores que conduzem o processo. A nossa maior esperança é que esta mudança acabe por servir para melhorar o défice de atenção dos líderes europeus.
In: DN de19 DE SETEMBRO DE 2016
Por: Wolfgang Münchau

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