O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.
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terça-feira, 18 de abril de 2017

O que nos interessa o que diz esta gente? Nada!

Dizemos nós:
Falou-se muito no ano passado nas previsões dos indicadores que medem o sucesso/insucesso nacional.
O que vimos, quase em uníssono foi de que não havia qualquer hipótese de obter o défice abaixo dos 3% devido á política do governo de devolver os rendimentos retirados pela troika e o anterior governo. A economia não ia crescer, as exportações iam diminuir o investimento ia estagnar, ou seja: um verdadeiro desastre!

A oposição até descansou porque sinceramente acreditou na verdadeira impossibilidade do cumprimento do défice, o aumento das exportações e também a redução do desemprego. O mesmo fez a EU, o FMI, as agências de notação da dívida pública e bem assim a UTAO e, claro e como é habitual o Conselho de Finanças Públicas, bem como os economistas habituais. Tipos de “grande “nível. O Daniel Bessa disse que pagava um almoço se o défice fosse conseguido sem o aumento do IVA (não se sabe se efectuou o pagamento prometido), O Snr Duque, José Gomes Ferreira, J Vieira Pereira.

Toda esta gente ficou de boca aberta pelos resultados conseguidos: o melhor défice da 2ª republica, aumento das exportações ao nível das importações o que manteve uma balança equilibrada, redução do desemprego e criação líquida de cerca de 100 mil empregos, etc.

Em vez de reconhecerem que se enganaram, á boa maneira portuguesa, acabaram por justificar que foi conseguido com um milagre como a Prof Teodora e devido a efeitos extraordinários não repetíveis. O problema é que ontem a mesma senhora veio reconhecer que os efeitos extraordinários apenas significavam 0,3%, portanto o défice menos as medidas extraordinárias ficariam mesmo assim, em 2,3% abaixo do compromisso com a EU, o que aliás foi ontem confirmado pelo Eurostat. Claro que agora a referida senhora diz mais prudentemente que as previsões do Governo para 2017 são correctas mas, claro, de 2018 a 2021 já paira outra vez o diabo.

A UTAO diz que a coisa parece negra já em 2017, como habitual, sem que ninguém lhes ligue o mínimo e o FMI, pasme-se, vem hoje dizer que a previsão de crescimento do Governo é demasiado cautelosa e revê em alta o crescimento para 1,7%. A Católica diz que será seguramente acima de 2% e que em 2019 se espera que o desemprego esteja entre 7% e 8%!!!

Pior: a Moody´s, manifestou a possibilidade de rever em alta a notação do país se, entretanto, a questão do sector financeiro, fosse resolvida.
O J. Vieira Pereira escreve um artigo no Expresso dizendo que não compreende o optimismo de toda a gente pois a OCDE, contra a corrente, prevê que a coisa não corra bem.

É claro que todos sabemos que o que interessa é a OCDE, que, diga-se de passagem, nunca acerta uma, mas lá safou o Snr Pereira que conseguiu com grande dificuldade encontrar quem não alinhasse com o optimismo reinante.

Em lugar de reconhecerem que falharam rotundamente cada um dá as mais bizarras explicações para desesperadamente justificarem o seu falhanço.
Dizem uns que o Governo só conseguiu estes resultados porque reduziu drasticamente a despesa do Estado!!! Mas então não era isso que os que agora criticam protestavam fazer? Esses que criticam aquando no Governo não conseguiram reduzir como prometeram apenas baixaram os salários e, pelo contrário, resolveram o assunto com um “enorme aumento de impostos”.

Dizem também que o Estado não investiu o suficiente!!! Mas não eram esses que diziam que o Estado não se devia meter na economia, que as obras públicas tinham endividado o país, etc. etc., etc.

Afinal em que ficamos?

Este Governo, á semelhança de outros, tem cometido muitos erros mas os resultados na economia, no défice e mesmo na dívida (tendo em conta os custos de reestruturação da Banca deixada ao “Deus dará” pelo Governo anterior) excedeu todas as expectativas!
Fala-se agora em 1% de défice, crescimento da economia superior a 2%, desemprego entre 7% e 8%, a dívida pública a atingir os 60% do PIB - 15 anos antes do estipulado pela lei do PEC europeu!!!-.

Vamos, no entanto, ouvir os do costume dizer que a coisa vai correr mal, que o Governo não previu uma guerra, um terramoto ou o apocalipse, porque esta gente tomou conta dos media e não nos livramos deles.

O país estar melhor nada significa para eles, só seria importante se essa situação tivesse sido obtida pelos seus partidos favoritos. O que interessa a esta gente os 10 milhões que aqui vivem? Nada!

Devíamos responder da mesma medida e dizer: o que nos interessa o que diz esta gente? Nada!

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Os Spread, a Euribor, a Banca e o lucro que "não pode deixar de existir"! É o lucro por decreto! Que outras actividades gozam deste privilégio?

PEDRO ANDERSSON
In: “Expresso” de 1.4.2017

Se o seu spread é de 0,3% (há quem tenha essa sorte) ou inferior e o indexante é a Euribor a 3 meses, o banco devia estar a amortizar por si uma parte do dinheiro que você lhe pediu para pagar a sua casa

Sim, parece muito estranho. Afinal de contas, fui eu que pedi um empréstimo ao banco – e não o contrário. Mas vivemos em dias estranhos. Veja se está nesta situação: se o seu spread é de 0,3% (há quem tenha essa sorte) ou inferior e tem Euribor a três meses, então de certeza que o banco neste momento devia estar a amortizar por si uma parte do dinheiro que você lhe pediu para pagar a sua casa. Não é normal, mas é o que está muito provavelmente escrito no contrato assinado por si e pelo seu banco.

Vamos por partes. A larga maioria do contratos em Portugal (propostos pelos bancos) dizem que o juro que pagamos é a soma aritmética do spread com o indexante (a Euribor). Como em milhares de casos a Euribor está mais negativa do que o spread, o juro resultante é negativo.
O problema é que quando isso acontece, os bancos páram no zero. É verdade que nunca pagámos tão pouco pelos empréstimos à habitação, mas a verdade é que devíamos estar a pagar ainda menos.

Há casos em que a média da Euribor a três meses já está a -0,316%. Pela lógica, como lhe disse, o banco devia estar a pagar-lhe uma parte do empréstimo que lhe concedeu.

Um cliente bancário confrontou o banco referindo o aviso do Banco de Portugal de 30 de março de 2015 que diz claramente que o que conta é a média dos dois valores, mesmo que sejam negativos. A resposta do banco foi esta: “O juro aplicável ao contrato não pode ser inferior a zero, ainda que a soma aritmética do indexante e do spread conduza a uma taxa negativa.” E a justificação é simples: fazer isso ia “desvirtuar um dos princípios basilares em que assenta o negócio dos bancos, em que o lucro é a sua essência comercial”.

Portanto, no caso deste banco, chegando a zero, daí não passa. Mesmo que o contrato não esteja a ser cumprido.

O que é que o cliente pode fazer? Pode rescindir o contrato. Pois. Mas onde é que eu consigo um spread de 0,3% nesta altura? É com isso que os bancos contam. Têm a faca e o queijo na mão.

No ano passado, o governador do Banco de Portugal voltou ao Parlamento em abril de 2016 e acrescentou que chegando a zero os bancos não deviam assumir os juros negativos. Mas até hoje não há nada escrito do Banco de Portugal sobre esse assunto. Enquanto jornalista, pedi uma declaração por escrito sobre a posição atual do Banco de Portugal – e não recebi nenhuma resposta.

Vamos a contas. Vamos imaginar que uma pessoa tenha pedido 150 mil euros ao banco para comprar casa, com spread de 0,3%. Há dias, a Euribor estava a -0,329%. Pelo que está no contrato, a média aritmética da taxa de juro deveria ser de 0,029% negativa. Ou seja, o banco devia pagar-lhe 43,50 euros por ano. E quanto mais negativa ficar a Euribor mais o banco lhe deverá.

Não é um valor elevado, mas há aqui uma questão de princípio. Se fosse eu a faltar a uma vírgula do meu contrato com o banco, já tinha os advogados dele à perna. E lembre-se deste pormenor quando os bancos vierem com juros negativos nas contas a prazo (há países onde já estão). Aí, a justificação já vai ser diferente e “os princípios basilares” já vão ser outros, digo eu.

Em resumo, de facto não é normal que seja o banco a suportar o nosso empréstimo, mas alguém tem de clarificar esta situação. É que os contratos assinados entre nós e os bancos não estão a ser cumpridos.

Para já, só quem tem Euribor a três meses é que já está nesta situação no mínimo estranha. Mas daqui a alguns meses todos os que têm Euribor a seis meses podem estar também abrangidos. São a grande maioria em Portugal. Se não há limites quando a Euribor sobe, também não devia haver limites quando desce. Ou então mudem as regras.

Veja qual é a sua situação e reclame, se assim o entender, junto do seu banco e do Banco de Portugal. Para memória futura. Pelo menos ficam a saber que está atento.

segunda-feira, 27 de março de 2017

Eurexit (ainda a propósito do pequeno holandês, sem memórias)

Parece que já ninguém gosta da Europa. Uns, porque têm saudades do mítico Estado-nação, das suas queridas fronteiras e policias, das moedas nacionais e dos câmbios em que se perdia sempre duas vezes, da inflação e das desvalorizações; outros, porque não gostam da ideia de existirem jurisdições acima das nacionais onde os cidadãos se podem queixar dos abusos do seu próprio Estado ou de haver uma lei comum que estabelece as regras em matéria de direitos laborais, empresariais ou ambientais; outros porque não querem mais imigrantes – seja de fora da Europa seja da própria Europa, como é o caso dos ingleses; e outros ainda porque não querem uma política de defesa comum, uma política externa comum e, menos ainda, uma política fiscal comum, como é o caso dos irlandeses e dos holandeses. E há os que estão fartos de que a Europa se meta nos seus assuntos internos, impedindo-os de estabelecerem regras mais próprias de ditaduras do que de democracias, como sucede com os húngaros, os polacos ou os aspirantes turcos. Finalmente, temos os países do sul, que se queixam da falta de solidariedade dos do norte, do sufoco das dividas públicas e bancárias a que estão sujeitos (e que em parte foram contraídas para safar os biliões emprestados sem critério pelos governos e bancos dos países ricos do norte), e temos os países do norte que acusam os do sul de gastarem o dinheiro em copos e mulheres (não, não são só o capataz holandês e o policia alemão que pensam assim).
Luva branca

Os copos e as mulheres ainda é o lado para que dormimos melhor – sobretudo quando a acusação vem de um holandês. O que nos custa é que quem nos quer dar lições de bom comportamento financeiro seja ministro das Finanças de um pais que serve de sede fiscal às nossas vinte maiores empresas para lá pagarem parte dos impostos por riqueza criada aqui e que aqui deveria ser cobrada. Porque o Eurogrupo, a que Dijsselbloem preside, exige que todos cumpram regras comuns em matéria de controlo do défice público, mas não quer nem pratica nem pratica regras comuns em matéria de fiscalidade – o que permite que a Irlanda e a Holanda funcionem como oásis fiscais e o Luxembourgo, que durante anos foi governado pelo actual presidente da comissão, Juncker, tenha então funcionado como uma lavandaria de topo para as grandes empresas multinacionais e nacionais.

Mas isso, o direito de pernada sobre coisa alheia, vem na tradição da Holanda: sempre foram um povo com vocação para a pirataria. Mesmo na chamada “Golden Age” da Holanda (um período que coincide com os sessenta anos de reinado dos Filipes em Portugal), a prosperidade das Sete Províncias Unidas fez-se com base na transformação das matérias-primas que outros, como os portugueses, iam buscar longe e correndo todos os riscos, e a imensa frota que então construíram destinava-se a pilhar as colónias alheias, em lugar de fundar as próprias. Foi assim que os holandeses se lançaram à conquista do Pernambuco português, convencidos de que guerras e a colonização que ocupavam o imenso império espanhol levariam Madrid a alhear-se do destino de parte da terra brasileira do seu vassalo português. Há, no Brasil, uma persistente lenda, segundo a qual, os trinta anos de ocupação holandesa do Pernambuco foram toda uma época de esplendor e progresso, bem ilustrada pela fantástica “Embaixada cultural” que Maurício de Nassau para lá terá levado. A versão portuguesa, em que confio mais, é outra: assim que desembarcaram no Pernambuco, os holandeses começaram por arrasar a capital, Olinda (que depois os portugueses reconstruiriam), justificando-o com a plausível razão de que não estavam habituados a defender elevações, mas apenas terras planas. Em seu lugar, Maurício de Nassau (que foi um bom administrador) lançou-se na construção de uma cidade com o seu nome e que hoje se chama Recife – mas onde, curiosamente, não há vestígios da passagem dos holandeses no que quer que seja. E a tão falada Embaixada cultural do Príncipe de Nassau resumia-se ao seu médico pessoal, um botânico, um físico, um ilustrador e um pintor.

Este, Peter Post, pintou exactamente 24 quadros no Brasil, os quais Maurício de Nassau levou de volta (isto quando durante a “Golden Age” holandesa se pintaram cerca de dez milhões de telas, fazendo deste o mais profícuo e um dos mais notáveis períodos de toda a história da pintura). De facto, e infelizmente, os portugueses nunca tiveram a visão e a vocação de registar em pintura os lugares que descobriam, que desbravavam ou que colonizavam. No Pernambuco, estavam demasiado ocupados em repelir os ataques dos indios, em fazer agricultura e em explorar imensas plantações de cana-de-acuçar  - justamente o alvo dos holandeses.

Estes, por seu lado, não padeciam dos grandes desígnios dos portugueses, tais como converter indios à sua fé, enviar bandeirantes pelo interior, explorar novos territórios. Nem sequer faziam agricultura e, menos ainda, queriam explorar a cana-de-acuçar. Eles queriam apenas comprar o acuçar dos plantadores portugueses, tentar melhorar o seu processamento e trazê-lo para a Holanda para o vender umas cem vezes mais caro, através da Europa: o monopólio do comércio e do transporte de um produto disputadíssimo na Europa, sem o esforço, os riscos e as doenças que a sua exploração exigia. Não por acaso, certamente – e contrariando a lenda do entusiasmo com que o Brasil recebeu os holandeses e a tristeza com que os viu partir – a aventura brasileira da Holanda começou a ter fim nas duas decisivas batalhas de Guararapes, em 1648/49, quando 4500 holandeses foram desbaratados por um exército de 2200 homens daquilo que então se podia chamar a “nação brasileira”: um batalhão de portugueses comandados por João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros, um batalhão de negros comandado pelo ex-escravo Henrique Dias e um batalhão índio comandado pelo índio Felipe Camarão.

Tenho o maior prazer em recomendar a leitura da história ao sr. Dijsselbloem.

Mas talvez se devesse ir ainda mais além na instrução histórica básica do presidente do Eurogrupo. Recordar-lhe que foram os países do sul que ele tanto despreza, que edificaram as fundações da Europa que hoje conhecemos, impondo os seus valores, hoje universais, contra os “bárbaros” do norte. A Grécia deu à Europa a democracia e a arte; a Itália deu-lhe o Império Romano, uma das mais notáveis criações politicas da Humanidade, fundado na lei e na igualdade das partes, e deu-lhes o Renascimento, contra o obscurantismo então reinante; Portugal e Espanha abriram o mundo à Europa, e a França deu-lhe os valores da Revolução Francesa. O que deu o Norte de comparável?

Sim, esta Europa que Dijsselbloem simboliza e representa já não serve ninguém e não interessa a ninguém. Os dez anos de presidência do português Durão Barroso, com a sua política de sempre, em todos os cargos que ocupou – ou seja, salvar a pele, nada fazendo – foram fatais para a Europa. Mantendo-se sempre à tona, flutuando sem sobressaltos perante cada problema, a Europa foi apanhada impreparada perante as crises qua e viriam a assolar e hoje navega à deriva, sem rumo nem praia à vista. Esta Europa, que daqui a dias celebra 60 anos de vida, foi uma extraordinária criação de uma notável geração de políticos europeus, que agora se arrasta para um fim sem sentido nem glória, conduzida por uma notável geração de medíocres. Talvez o destino dos povos não seja o de saberem ser felizes, mas o de estarem eternamente insatisfeitos. De vez em quando, isso é bom; outras vezes é trágico.

Por Miguel Sousa Tavares, in Expresso de 25.03.2017


segunda-feira, 20 de março de 2017

O Poema Pouco Original do Medo



O medo vai ter tudo
Pernas
Ambulâncias
E o luxo blindado
De alguns automóveis


Vai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos

o medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões continuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casa de passe
conferencias várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com certeza a deles


Vai ter capitais
Países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
Amantes silenciosos
ardentes
e angustiados


Ah o medo vai ter tudo

tudo

(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)


O medo vai ter tudo
Quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos

Sim
a ratos



Alexandre O’Neill, in “Abandono Viciado”

quarta-feira, 8 de março de 2017

VISA GOLD . O ponto da situação


  
O investimento captado através dos Vistos 'Gold' subiu 11,4% em Fevereiro em termos homólogos, para 99,5 milhões de euros, e abrandou 29% face a Janeiro, segundo dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

Em Fevereiro, o investimento resultante da Autorização de Residência para a actividade de Investimento (ARI), como também são conhecidos os Vistos 'Gold', totalizou 99.512.868,51 euros, um aumento de 11,4% face a igual mês de 2016 (89.301.186,43 euros), e uma descida de 29% face ao mês anterior (141.250.454,23 euros).

Do total do investimento captado em Fevereiro, a maior parte (87.830.571,81 euros) continua a vir da aquisição de bens imóveis, com a transferência de capital a registar 11.682.296,7 euros.
No mês passado, o número de vistos dourados atribuídos ascendeu a 155, dos quais 143 por via do critério de compra de imóveis, 11 por transferência de capital e um pela criação de, pelo menos, 10 postos de trabalho.

Dos 147 vistos atribuídos mediante o critério de bens imóveis, foram concedidos em Fevereiro mais cinco ARI para reabilitação urbana, no âmbito das novas regras de concessão, em vigor desde Setembro de 2015.

Até final de Fevereiro foram concedidos 17 Vistos 'Gold' para reabilitação urbana, sendo que o primeiro foi atribuído em Julho de 2016.

Nos dois primeiros meses do ano, o investimento captado através dos vistos 'dourados' totalizou 240.763.322.74 euros, uma subida de 88,2% face a igual período de 2016, quando o montante obtido foi de 127.875.806,77 euros.

Em termos acumulados - desde que os vistos 'dourados' começaram a ser atribuídos, em 8 de Outubro de 2012, até Fevereiro último -, o investimento total captado com as ARI atingiu os 2.807.940.267,36 euros, dos quais 277.871.582,07 euros por transferência de capital e 2.530.068.685,29 euros pela compra de bens imóveis.

Desde a criação deste instrumento, que visa a captação de investimento, foram atribuídos 4.578 ARI: dois em 2012, 494 em 2013, 1.526 em 2014, 766 em 2015, 1.414 em 2016 e 376 este ano.

Em termos acumulados, desde a sua criação até fevereiro, foram concedidos 4.314 vistos pelo requisito da aquisição de bens imóveis, 257 por transferência de capital, e sete pela criação de, pelo menos, 10 postos de trabalho.

A China lidera a lista de ARI atribuídas (3.207 até fevereiro, seguida do Brasil (319), Rússia (167), África do Sul (156) e Líbano (88).

As novas regras para a obtenção de Vistos 'Gold', que alargaram os critérios de investimento para cidadãos fora da União Europeia a áreas como reabilitação urbana e ciência, entre outras, entraram em vigor em 03 de setembro de 2015.

Desde 2013 foram atribuídas 7.396 autorizações de residência a familiares reagrupados: 576 em 2013, 2.395 em 2014, 1.322 em 2015, 2.344 em 2016 e 759 em 2017.
 In: Jornal de Negócios, 08 de março de 2017

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

O homem mais importante

Nunca ninguém, alguma vez, teve para o país o destino de tantos na ponta de uma caneta e de uma assinatura. O homem tem mesmo o dedo sobre o botão
27 JAN 2017 /  
in: DN

Fruto dos últimos desenvolvimentos poderia pensar-se que o homem mais importante para Portugal neste momento fosse António Guterres, Secretário-Geral da ONU. Ou Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, para os que tiverem uma perspectiva mais interna. Ou António Costa, Primeiro Ministro de um governo improvável. Ou Durão Barroso porque foi Presidente da Comissão Europeia. Ou mesmo Cristiano Ronaldo, o melhor futebolista do mundo.
Mas não. Mais importante mesmo é o relator da DBRS, que ano após ano, determina o rating de Portugal com o seu parecer. Nunca ninguém, alguma vez, teve para o país o destino de tantos na ponta de uma caneta e de uma assinatura. O homem tem mesmo o dedo sobre o botão. Se a classificação se mantiver, tudo continuará a rolar como dantes e a malta vai sobrevivendo, se descer, vem turbilhão certo que não traz nada de bom junto. E não sei se estaremos preparados para essa possibilidade.
E isto porquê? Face às actuais circunstâncias, sendo o país dos mais endividados da Europa, as regras do BCE e do Euro impõem que das quatro agências de notação financeira que venham a analisar a capacidade do país pagar a sua dívida, pelo menos uma acredite em nós. Ora, três delas, a Moody`s, a Fitch e a Standard & Poor`s, fazem apreciação negativa a Portugal faz tempo. A única que nos vem considerando acima do nível “lixo” e salvando o país, digamos assim, é a DBRS. Uma pequena (se comparada com as outras) instituição desta natureza, com sede no Canadá.
Nas vésperas da última e mais recente avaliação esta agência despreocupou-nos voltando a livrar-nos de indesejadas dificuldades. Mas anunciou, para justificar essa decisão, que o fazia porque considerava que os juros da dívida portuguesa, estando abaixo dos 4%, lhes dava algum conforto. Creio que foram mais ou menos estas as palavras ou a expressão. No entanto, o inicio do ano trouxe a má noticia de que os juros da dívida do país tinham ultrapassado essa barreira. Vêm aí problemas? Tudo indica que sim. Mas não obrigatoriamente.
Já em final de Janeiro a Moody`s debruçar-se-á de novo sobre o nosso rating e não deverá fugir ao que vem sendo os seus critérios mais apertados de classificação. Seguir-se-ão as outras com decisões provavelmente semelhantes. E no fim, virá a DBRS, com a mais importante sentença, mas sem o conforto das suas precedentes resoluções.
Mas a agência canadiana já nos tornou a reanimar dizendo que há outros valores a ter em conta para além dos juros da divida. E que este aumento já era esperado. São novos argumentos. Esperemos que positivos para que se mostrem, mais uma vez, confortáveis.

Seja como for, voltaremos a estar nas mãos do homem mais importante para Portugal no momento. O que fizer a avaliação. Que pode nem ser o que a conduziu no passado. Nem redundar no mesmo resultado que a anterior. Vão ser meses de expectativa e de alguma ansiedade. Porque desta simples posição, a ser tomada lá longe, no Canadá, dependerá muito o futuro de Portugal e dos portugueses.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Mesmo num cenário decrépito e decadente, resistir, remar contra a corrente na busca de terra firme, não goza da simpatia do poder incompetente!

"A Economia do Hostel

Não se pode ter uma conversa sem ouvir “a minha ideia é fazer um hostel”. As pessoas desaguam na rara actividade económica que dá algum lucro. Para arredondarem os fins de mês e as pensões ou como modo de vida no desemprego. Enquanto durar o turismo, este é o resíduo de prosperidade que um sistema fiscal brutal e uma pobreza geral autorizam. Portugal não tem dinheiro. Não tem fluxos de capital nem stocks de capital. Não tem um sistema bancário funcional. Não tem um crescimento económico que assegure o pagamento da divida sem pedir mais emprestado. E não tem capacidade para sustentar o Estado social e a administração pública. Com o investimento público paralisado, os serviços públicos estão cm travão. Nos hospitais públicos falta equipamento, faltam medicamentos inovadores, faltam técnicos e as esperas são quilométricas sempre que há um surto de doenças de inverno. Os hospitais servem de asilo a velhos cujas famílias não têm meios de os cuidar. Na educação, basta averiguar a penúria das universidades e a sua incapacidade para renovar os quadros docentes e pagar salários decentes (existem jovens professores a trabalhar sem remuneração) para perceber a ginástica dos orçamentos e a falta de recursos financeiros que ditarão o envelhecimento e a degradação do ensino superior público. Dois e dois ainda não são cinco, embora às vezes pareça.

A máquina da justiça é o que é, incapaz de produzir uma acusação a tempo e horas e entregue à demagogia dos tabloides, corporativa e disfuncional. A rede de transportes públicos é desorganizada, obsoleta e controlada por sindicatos comunistas que resistem à mudança e determinam o calendário de trabalho com as greves.

O aeroporto de Lisboa mudou de nome mas não mudou de lugar e, atulhado de aviões, espera a hora da construção de um novo aeroporto para o qual não há dinheiro nem vai haver, a não ser que a Europa decida continuar a subsidiar-nos. Em compensação, a extensa rede de autoestradas, onde por cada cem metros construídos sobram uns trinta metros roubados, apresenta a sua esplendorosa desolação devido ao preço das portagens. Numa viagem ao Norte, pude apreciar autoestradas vazias e a dificuldade de lhes fugir visto que todos os caminhos da sinalética lá vão dar, como se as estradas nacionais se tivessem evaporado. A estrada nacional Lisboa-Porto está atulhada de camiões. No metro do Porto, o contrato dos swaps continua por resolver e talvez seja, como medisse um financeiro em Londres, cidade onde se julga a questão jurídica, o contrato mais estúpido que um Estado seria capaz de assinar. Responsáveis, para variar, não há, como na Caixa Geral de Depósitos, no BES/Novo Banco ou no Banif. A camarilha que manda nisto protege-se atrás dos partidos e só muda de poiso. Em Lisboa, a rede de transportes não tem racionalidade e a divida acumulada será paga pelos contribuintes. O Metro está decadente e é curto, servindo a periferia e não os habitantes e trabalhadores da cidade, a Carris circula vazia às horas de ponta no centro, os comboios da CP estão podres e os carros suburbanos enchem os cofres dos parques privados e da EMEL. A poluição e o congestionamento são insuportáveis, o ar na Avenida da Liberdade é irrespirável, e a Baixa e o centro histórico são, estranhamente, um ponto de escoamento. As mudanças na Avenida da Liberdade, inúteis, trouxeram mais carros para a cidade e afogaram as ruas paralelas de carros que tentam escapar. O Princípe Real, onde se vendem casinhas arruinadas a estrangeiros por dois milhões de euros, ou se fazem hostels, tem uma fila perpétua de carros, mesmo ao fim de semana. Cheira a gasolina queimada.

A austeridade obrigou a abandonar as preocupações ambientais, ou o magno problema da sustentabilidade, e não se vislumbra um traço de desígnio nesta área. A recolha de lixo em Lisboa é catastrófica, a limpeza das ruas é errática. A juntar a estes erros da capital, a mudança da divisão administrativa em freguesias apenas significou abandono e nula intervenção. Na minha rua, onde o lixo por recolher fica meses preso nas ervas daninhas nunca eliminadas, onde a iluminação pública está apagada, onde os pavimentos têm buracos e pedras da calçada espalhadas que fazem cair velhos e novos, onde o jardim é o jardim mais maltratado de Lisboa (estava impecável no tempo de João Soares, e nunca mais ficou assim), onde o estacionamento noturno é selvagem e onde os carros do lixo espalham mais lixo do que recolhem, a única beneficiação foram as riscas pintadas de fresco da EMEL, para recolher a multa, mais os pingos brancos no passeio. O amor pelos pavimentos do presidente da Câmara é um típico exemplo de micromanagement e falta de visão de conjunto que só beneficia os escolhidos da lotaria.

A enumeração de desastres continuava mas falta-me o espaço.

Se os ventos na Europa deixarem de soprar a nosso favor, como decerto acontecerá, estamos à mercê de uma miséria especulativa como nunca conhecemos. Restam-nos o hostel e a Uber, servindo a nossa vocação para servir."

Clara Ferreira Alves, in Expresso

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Perturbações mentais aumentaram com a crise e já atingem um terço da população



In: "Obervador", 25.11.2016


Os problemas de saúde mental em Portugal, sobretudo os casos mais graves, aumentaram com a crise económica. Consumo de antidepressivos e ansiolíticos também aumenta, revela um estudo nacional.

Os problemas de saúde mental em Portugal, sobretudo os casos mais graves, aumentaram com a crise económica, atingindo quase um terço da população em 2015, a par de um aumento do consumo de antidepressivos e ansiolíticos, revela um estudo nacional.

Trata-se dos resultados preliminares do projeto “Crisis Impact”, que estuda os efeitos da crise económica sobre a saúde mental das populações em Portugal, e que será apresentado hoje, durante o Fórum Gulbenkian de Saúde Mental.

O estudo, da autoria de José Caldas de Almeida, presidente do Lisbon Institute of Global Mental Health, baseia-se numa atualização do estudo nacional de saúde mental de 2008-2009, permitindo comparar os dados do início da crise com os do final de 2015.

A conclusão que mais ressalta do estudo é o “aumento significativo da prevalência de problemas de saúde mental durante este período”, evidenciando uma relação estreita com os fatores sociais e económicos resultantes da crise.

Segundo os dados preliminares, os problemas de saúde mental passaram de uma prevalência de 19,8% em 2008, para 31,2% em 2015, um aumento que se verificou em todos os níveis de gravidade, mas sobretudo nos casos de maior gravidade.

Nos problemas ligeiros passou-se de 13,6% para 16,8% (um aumento de três pontos percentuais), nos problemas moderados de 4,4% para 7,6% (3,2 pontos percentuais), e nos problemas mais graves de 1,8% para 6,8% (5 pontos percentuais).

A prevalência de problemas de saúde mental em 2015 foi mais elevada entre as mulheres, os idosos, os viúvos e separados e as pessoas com baixa escolaridade.

Quanto à relação destes problemas com a crise económica – nomeadamente a diminuição de rendimentos, o desemprego, a privação financeira e a descida de estatuto socioeconómico — o estudo demonstra que estão significativamente associados, revelando igualmente elevados padrões de perturbações depressivas e de ansiedade.

Mais de 40% das pessoas da amostra do estudo reportaram descida de rendimentos desde 2008, cerca de metade por corte de salários e pensões, 14% por desemprego, 6% por mudança de emprego e 5% por reforma.

Os que referem não ter rendimentos suficientes para pagar as suas despesas são quase 40% da amostra e apresentam uma prevalência significativamente mais elevada de problemas de saúde mental do que as que não sentem privação financeira.

A situação agrava-se quanto maior é a privação, sendo especialmente marcada no grupo de pessoas que não conseguem pagar as despesas básicas (comida, eletricidade, água) e que têm dívidas.

Pelo contrário, a existência de um elevado suporte social e o viver em bairros onde as pessoas se sentem seguras e bem integradas provaram ser fatores protetores em relação ao risco de ter problemas de saúde mental.

No que respeita ao uso de medicamentos, acompanha a tendência crescente da prevalência de problemas mentais, tendo-se verificado uma subida progressiva das percentagens de pessoas que usam psicofármacos, sobretudo antidepressivos e ansiolíticos.

Em valores absolutos, o uso destes medicamentos é muito mais elevado entre as mulheres, mas verificou-se um aumento particularmente elevado no consumo por parte dos homens, especialmente ansiolíticos.

Relativamente aos tratamentos, nos últimos cinco anos 27,9% das pessoas procuraram ajuda, sobretudo junto dos médicos de medicina geral, seguidos dos psiquiatras e psicólogos.

No geral, o sistema de saúde revelou capacidade de resposta, embora com alguns problemas a nível do acesso aos cuidados e sobretudo a nível da continuidade e da qualidade dos cuidados.

Se entre 70% e 80% das pessoas conseguiram ter acesso a cuidados, apenas 40% tiveram acesso aos cuidados adequados, sendo as dificuldades em cobrir os custos e em marcar consultas os principais obstáculos apontados.

terça-feira, 20 de setembro de 2016

CUSPIR NA MAÇÃ


As reacções em Portugal à recente decisão da Comissão da União Europeia de perseguir o Governo irlandês e a Apple por concessão de vantagens fiscais são uma boa ilustração dos motivos pelos quais a economia portuguesa está condenada há décadas a um miserável crescimento.

No dia seguinte à divulgação da noticia, o Ministério das Finanças português reagiu célere, anunciando a sua intenção de secundar a Comissão, investigando a situação da empresa em Portugal. Depois, vários comentadores pronunciaram-se sobre o assunto, quase todos apoiando a perseguição à Apple e ao Governo irlandês.

Devo recordar um ponto importante-porventura decisivo-do contexto em que esta questão está a ser agora levantada. Os serviços estatísticos irlandeses revelaram, recentemente, que a economia irlandesa confirma a sua espectacular recuperação da crise financeira de 2008, registando as maiores taxas de crescimento da União Europeia. Acresce que – escândalo supremo – os últimos valores do crescimento do PIB atingiram o nível de dois dígitos. A surpresa – e a inveja!- foi tal que chegou a ser posta em causa a veracidade dos valores, obrigando o Governo irlandês a detalhar e confirmar a exactidão dos números.

O que está em causa são vantagens fiscais concedidas entre 2003 (!) e 2014. As vantagens resultam de decisões tomadas em 1991(!) e 2007. Não é uma decisão recente que é criticada – é uma política antiga e estrutural que é, de novo, contestada.

De facto, não é a primeira vez que é intentada esta perseguição ao Governo irlandês. Esta é a última de uma série que regista, desde 2001,, os seus episódios mais virulentos. Lembremos a resistência heroica e vencedora aquando da negociação nos finais de 2010, do resgate com a troika.

(Onde estaria agora a Irlanda se tivesse cedido? Talvez como Portugal ou a Grécia que se arrastam numa crise sem fim.)

Esta disputa tem que ver connosco.

Está em causa a procura de factores de competitividade adaptados às economias europeias médias/pequenas, periféricas e atrasadas. Estas economias, como mostra a experiência recente não conseguem crescer e convergir sem factores de desequilíbrio que atraiam grandes investidores que, caso contrário, afluirão ou às grandes economias do centro europeu ou mesmo para fora da Europa. Os pequenos e médios investimentos, focados ingenuamente por muitos, não passam de folclore sem efeito significativo no crescimento, quando não integrados em redes dinamizadas por grandes empresas.

Este ataque ao Governo irlandês e à Apple visa condenar uma política vencedora que deveria inspirar os decisores portugueses. Estes, pelo contrário, colocam-se ao lado da burocracia comunitária ao serviço das potências centrais, contra um pequeno e valente país que mostra o caminho do crescimento aos países periféricos e atrasados da Europa. (Lembremos que nos anos 1960 a Irlanda ainda tinha um PIB “per capita” inferior ao português.)

Os episódios de maior crescimento português ocorreram por via da atracção do capital externo atraído por várias e generosas vantagens, incluindo fiscais. Não há investimento estrangeiro significativo sem estas vantagens. É assim em toda a parte, foi assim em Portugal nos períodos de maior crescimento. Lembremos por exemplo, a Renault e a Autoeuropa.

A concorrência fiscal é uma arma decisiva de que não podemos prescindir. Os interesses da economia portuguesa exigem a sua tolerância na União Europeia e o envolvimento inteligente dos decisores nacionais nesse processo.

Na vida, cuspir na sopa não é bonito e não traz bons resultados. Em política económica também.

Avelino de Jesus (Economista e professor do ISEG) in: Negócios de 12.09.2016

domingo, 22 de maio de 2016

Para certos Finlândeses de moral abjecta:"Toma lá que já almoçaste!"


No Expresso de sábado, soubemos que as coisa não vão bem para os lados da Finlândia. Naturalmente que sem qualquer prazer na constatação do facto, não podemos deixar de concluir aquilo que muitos proclamam a bandeiras despregadas e muitos mais à boca pequena: A austeridade, não constitui solução para esta crise!

O mesmo não poderemos dizer acerca da conclusão inequívoca que tal resultado, obtido em laboratório nórdico de inquestionável seriedade e rigor científicos, constitui como demonstração, também ela inequívoca da desonestidade intelectual de um conjunto de instituições e personagens que, com inusitada arrogância, se têm colocado no alto de pedestais de uma moralidade mais que duvidosa. Para eles, para a sua ignorância e sobretudo para as suas motivações mais profundas, o nosso sorriso que sublinha um :"toma lá que já almoçaste!"

"Finlândia: Cá se fazem cá se pagam

Lembram-se de Timo Soini, o líder de Os Verdadeiros Finlandeses, que queria expulsar a Grécia do euro e proibir que o seu país estivesse envolvido na ajuda internacional a Portugal? Pois passados sete anos eis a Finlândia, considerado o melhor país do mundo pela “Newsweek”, está a viver a maior crise desde há 30 anos.

Apesar de ter feito todas as reformas estruturais preconizadas pelo FMI, OCDE e Comissão Europeia, desde há três anos que a economia declina e regista o mais baixo crescimento europeu, que ainda será metade do grego em 2017. Por isso, Timo Soini defende agora que seja feito um referendo sobre a participação da Finlândia no euro, que culpa pela implosão da Nokia e pelas dificuldades da indústria de papel. E o Governo faz cortes nas despesas públicas, especialmente na saúde, eliminação de dois feriados e outros remédios conhecidos. A Finlândia fica no sul da Europa?

Nicolau Santos, in “Expresso”, 21 de Maio de 2016"

terça-feira, 12 de abril de 2016

O paradoxo, a causa e a solução


Portugal é um paradoxo.
Por um lado é o único pais da Europa e um dos poucos no mundo que foi à falência em pouco mais de três décadas (78/83/2011). Já foi ultrapassado em PIB per capita por cinco países do alargamento (Malta, Chipre, Eslovénia, Rep. Checa e Eslováquia) e tem a produtividade mais baixa da zona Euro (mesmo apenas 84% da grega que contudo tem menor % de população activa e maior taxa de desemprego).

Por outro lado, tem oito coisas para ser dos países mais ricos do mundo. Uma localização excelente entre os dois blocos económicos mais ricos do mundo; a 11ª maior zona marítima mundial; um clima ameno (sem tufões, nevões, verões tórridos); o português é a 5ª língua mais falada no mundo; e o 6º maior mercado mundial; um pais seguro; e uma força de trabalho apreciada no exterior (inquéritos colocam os portugueses sistematicamente entre os mais estimados).

Como explicar este paradoxo?

A causa remonta a D. Luís da Cunha (mentor do Marquês de Pombal) que numa carta lhe referiu que os países pequenos necessitam mais de estratégia que os grandes, porque aqueles carecem dos recursos destes para se reerguerem em caso de queda.

No zénite do seu poder (1578), Portugal afastou-se da sua core competence com que criou o seu império: batalhas marítimas, ataques a fortificações e cidades costeiras, metendo-se pelo deserto a dentro para dar uma batalha campal, algo que não fazia há mais de cem anos (desde a batalha de Toro da sucessão dinástica ibérica em 1476).

Resultado: não houve nem plano de batalha, nem sequer ordem de inicio de combate. Morreu o rei. A elite. E de um exército de 23.000, cem (!) escaparam.

As consequências foram três. No curto prazo o centro de decisão passou para Castela e as possessões portuguesas negligenciadas foram tomadas pelos holandeses e ingleses, de Ormuz, a Salvador, a Luanda.

No médio prazo uma emigração incessante. E no longo prazo um circulo vicioso entre a emigração (em quantidade e qualidade) e o declínio (políticos, económicos, social e cultural).

Hoje Portugal tem 5 milhões de portugueses registados nos consulados no exterior e nos anos recentes o fluxo tem aumentado em quantidade e qualidade.

Depois de Malta, Portugal é o pais europeu com maior percentagem de população no exterior.

A solução é reconhecer como José Hermano Saraiva que somos poucos (15 milhões), mas se formos todos seremos suficientes e assim criar sinergia entre os 5 do exterior e os 10 do interior.

Em quatro áreas: turismo (só 4 em 10 brasileiros que passam pela Portela pernoitam em Portugal); social, facilitando p.e. a aquisição de segundas residências e o acesso às universidades e o acesso às universidades (há residências 42 milhões de jovens entre os 15-24 anos nos CPLP); económica (usar a diáspora para agentes de exportação para além do mercado da saudade); e financeira (benefícios fiscais aos residentes no exterior).

Em Janeiro uma iniciativa da AICEP reuniu mais de trinta líderes da diáspora que apresentaram 42 medidas para criar sinergia: desde o voto da internet, até articular as câmaras de comércio com as delegações da AICEP nas acções promocionais no exterior, até acabar com a dupla tributação dos reformados que regressam a Portugal (que em teoria acabou mas na prática não).

Em conclusão, criar sinergia entre os 5 e os 10 para transformar Portugal de um pais periférico na Europa em central no mundo.

Tal requer medidas e acções concretas.

Não discursos. Nem planos. Lembrando Shakespeare que dizia que “ a acção é a maior das eloquências” e Churchill cujo motto era “acção hoje”.



Jorge A. Vasconcellos e Sá
Mestre Drucker School PhD Columbia University
Professor Catedrático
In “ Vida Económica” de 26 de Junho 2015

sexta-feira, 11 de março de 2016

A frugalidade do multimilionário dono do IKEA e a pedagogia do seu exemplo!



Ingvar Kamprad, o multimilionário que fundou a Ikea, conhecida multinacional sueca de venda de mobiliário e acessórios de decoração, só compra roupa na feira da ladra e em segunda mão. A revelação foi feita pelo próprio num documentário que será emitido na televisão sueca, conta o jornal britânico The Guardian.

Kamprad, que faz 90 anos no próximo dia 30 de março, será dono de uma fortuna estimada em 65,5 mil milhões de euros, segundo relatos recentes da imprensa sueca, e foi considerado pela Forbes a quarta pessoa mais rica do mundo em 2006. No entanto, e conforme recorda o Guardian, os seus gastos parcimoniosos têm chegado várias vezes às páginas dos jornais. O estilo de vida austero que tanto lhe agrada está plasmado no código de conduta da empresa que fundou: a "Bíblia da Ikea", como é conhecida, decreta que "desperdiçar recursos é um pecado mortal" e um dos maiores males da humanidade.

De origens humildes, Kamprad garante que é da natureza dos habitantes de Smaland, a região sueca onde nasceu, ter um comportamento frugal, e no documentário que será exibido pela TV4 da Suécia garante que foi mesmo essa avareza que lhe permitiu fazer da Ikea uma das marcas mais conhecidas em todo o mundo. O Dagens Industri, um diário de Estocolmo que teve acesso ao documentário em questão, avança mesmo uma citação do multimilionário, referindo-se à sua indumentária: "Julgo que não estou a usar nada que não tenha sido comprado numa feira da ladra. Significa que quero dar um bom exemplo", sublinha.

No documentário, sabe-se ainda que Kamprad frequenta o mercado local de Älmhult, onde fica a sede da Ikea (o nome da empresa é um acrónimo das iniciais do seu nome, Ingvar Kamprad, juntas com
Elmtaryd, a quinta onde cresceu, e Agunnaryd, a sua terra natal). É lá que se abastece e faz questão de comprar os iogurtes que estão quase no limite do prazo de validade - e por isso mais baratos. A sua filosofia contra o desperdício leva-o a poupar mesmo no barbeiro: desde que, na Holanda, pagou 22 euros por um corte de cabelo, prefere tratar da sua imagem quando viaja, sobretudo para países em desenvolvimento. "A última vez foi no Vietname", admite.

Até há pouco tempo, o fundador da Ikea conduzia um Volvo 240 de 1993, que só abandonou porque a idade obrigou-o a deixar de se sentar ao volante. Já quando viaja de avião, prefere a classe turística e privilegia sempre os transportes públicos. Chegaram a recusar-lhe a entrega de um prémio porque o viram chegar de autocarro e duvidaram da sua identidade.
Sempre à procura de cortes nos gastos, em 1973, Kamprad saiu da Suécia para a Dinamarca, onde conseguiu obter impostos mais baixos para a Ikea, e foi o mesmo motivo que o levou a mudar-se para a Suíça anos depois.

Só em 2010 o multimilionário começou a retirar-se progressivamente da administração da Ikea e da fundação que constituiu em nome familiar para administrar a cadeia de lojas - que tem sede no Luxemburgo, conhecido como o paraíso fiscal da Europa: entregou a direção aos filhos - tem quatro - e regressou definitivamente à Suécia em 2014, depois da morte da mulher.

in DN de 10 de Março 2016

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Os amigos alemães de Dominique Strauss Khan

To my German friends

Dominique Strauss Khan  ( carta aberta publicada no Jornal Figaro em 19/07/2015)

Hollande stood his ground. Merkel faced up to those who didn’t want an agreement at any price. It’s to their credit. There is a good chance a plan will be put in place, reducing if not removing the risks of a Grexit. It’s not enough, but it’s welcome.
The conditions of the agreement, however, are positively alarming for those who still believe in the future of Europe. What happened last weekend was for me profoundly damaging, if not a deadly blow.
There are of course those who do not believe in that future, who will be rejoicing. And they are many, from two different camps.
First there are those who are too short-sighted. Those whose nationalism prevents them from seeing beyond their own borders and who vainly ponder upon Europe’s very existence. But who knows what Europe really is? Who knows whence this continent sprang? Was Europe born in the Homeric poems of the IX Century before our time? Was it born in the mud and the mire of the trenches where the bloods of all the world did mingle, blending their colors, brewing their dreams and cross-breeding their ambitions? Was it born even closer to home, and more prosaically, in the laboriously detailed treaties of the European Union? There was no doubt in the mind of Erasmus, who, in 1516, wrote in the Complaint of peace: “An Englishman is the enemy of a Frenchman purely because he is French, and the Briton hates the Scotsman because he is a Scot; the Germans are daggers drawn with the French, the Spanish with both. O the perversity of mankind! Such superficial differences as the name of a country are enough to divide them! Why do they not rather reconcile themselves with all the values they share?”
Then there are those who are too long-sighted. These are capable of seeing beyond their own frontiers, but have chosen not to support the community that is nevertheless closest to them. They turn to others, further West, to which they are willing to succumb. This is what was on Cioran’s mind and the echo of his impotent rage reminds us once more: “How can we count on the awakening of Europe,” he laments, “or on its anger? Its fate and even its revolts are settled elsewhere.”
And then there are those, like myself, who are in neither camp, and it to those that I now speak; to my German friends who believe in the Europe that together we once wanted; those who believe that a European culture exists. Those who know that the countries that define its contours, and of which the history books generally tell only of conflicts, have shaped a common culture that is like no other. A culture not richer than any other, nor more glorious, nor more noble, but no less so either. Forged in this peculiar alloy, a blend of individualism and egalitarian universalism, it embodies and upholds – more than any other – that which the German philosopher Jürgen Habermas calls “citizen solidarity”, when he writes, for example, that “the fact that the death penalty is still in force in other countries is there to remind us what makes our normative consciousness so unique”.
We are the custodians of that culture. There is a long history, an apprenticeship of over tens, hundreds of years, with its successive episodes, at times of pain, of greatness for sure, and conflict also, between us European brothers. We have had to overcome our rivalries, even the most violent, without ever forgetting them. I do not know whether we have emerged stronger from these European trials that helped shape the history of the world; but what I am convinced of, however, is that, through them, we have come to believe in a society built on solidarity. Europe is Michelangelo, Shakespeare, Descartes, Beethoven, Marx, Freud, Picasso. It was they who taught us, like so many others, the shared foundations, balancing nature and culture, the religious and the secular, faith and science, the individual and the community. It is because we share this heritage, because it is so deeply rooted in our collective being, and goes on nourishing the achievements that we have been, are still and will continue to be capable of in the future, that we have been able to put an end to our internal turf wars.
But the demon that makes us repeat our errors of the past is never far away. This is what happened during that fateful weekend. Without entering into detail about whether the measures imposed on Greece were welcome, legitimate, effective, appropriate, what I want to underline here is that the context in which this diktat was issued has created a crippling situation.
That the amateurism of the Greek government and the relative inaction of their predecessors went beyond the pale, this I accept. That the coalition of creditors led by the Germans was exasperated by the situation thus created, this I understand. But these political leaders seemed far too savvy to want to seize the opportunity of an ideological victory over a far left government at the expense of fragmenting the Union. Because that is what it comes down to. In counting our billions instead of using them to build, in refusing to accept an albeit obvious loss by constantly postponing any commitment on reducing the debt, in preferring to humiliate a people because they are unable to reform, and putting resentments – however justified – before projects for the future, we are turning our backs on what Europe should be, we are turning our backs on Habermas’ citizen solidarity. We are expending all our energies on infighting and running the risk of triggering a break-up. This is where we are. A Eurozone, in which you, my German friends, would lay down your law with a few Baltic and Nordic states in tow, is unacceptable for all the rest.
The euro was conceived as an imperfect monetary union forged on an ambiguous agreement between France and Germany. For Germany, it was about organising a fixed exchange rate system around the Deutschmark and, through this, imposing a certain ordo-liberal vision of economic policy. For France, it was a matter of rather naively and romantically establishing an international reserve currency equal to the grand ambitions of its elites. We now need to get out of that initial ambiguity, which has become destructive, and get out of its self-centred plans, even if we all know that one only gets out of ambiguity at one’s own cost. This will require a common effort in France as well as in Germany. Both countries face major obstacles along this road. Germany is trapped in a misleading and inconsistent story about how the monetary union works, and which is widely shared by its political classes and people. Conversely, in France, laziness and the latent sovereignism of the economic and intellectual elites is such that there is no story, not any  intelligent, renovated vision of the architecture of monetary union that could find popular support. We need to invent this common vision, and fast.
Don’t tell me you expect to save Europe simply by imposing rules of sound management. No one is more committed than I am to respecting the equilibrium; it is what has always drawn us closer together. But you have to build this respect through democracy and dialogue, through reason, and not by force.
Don’t tell me that, if this is the way it is and some don’t want to know, then you will just continue on your journey without them. Falling back on the North will never suffice to save you. Like all Europeans, you need the whole of Europe to survive, divided we are too small. With globalisation we are witnessing the emergence of vast geographical and economic areas which are going to be complementing one another and competing with one another for decades, maybe centuries. The zones of influence and alliances that are forming are likely to be long lasting. Everyone can see the North American Plate taking shape. It will cluster around the United States its Canadian and Mexican satellites, and perhaps others further afield. All the signs suggest that South America will be able to achieve some sort of autonomy. In Asia, two or three zones could materialize, depending on whether, in addition to China and India, Japan will be able to attract sufficient solidarity around itself, precisely because it too is too small alone. Africa is awakening, at last, but it needs us. As for the Muslim world, troubled today by the turmoil emanating from a political use of Islam by some, it will probably struggle to find unity within.
Europe could be one of these players, but this is not yet certain. To do so, its ambition must be to come together within the current Union and even beyond. To survive among the giants, Europe will have to bring together all the territories contained between the ice caps of the North, the snows of the Urals and the sands of the South. It means rediscovering its roots and seeing the Mediterranean, in the space of the next few decades, as our internal sea. Historical logic, economic consistency, demographic security, to which I would add – however things may seem – our cultural proximity, born of the dissemination of religions of the Book, show us the way. Amidst all our internal conflicts, we are looking only to the North and we are forgetting the South. Yet it is the cradle of our culture. It’s what will bring Old Europe new blood in the form of the young generations. And it is what will make Europe the gateway between East and West. Alexander, Napoleon, our wild colonial ambitions, thought they could build this unity by force of arms. The cruel and despicable method failed, but the ambition had been founded. It still is.
The challenge is sizeable. An alliance between a few European countries, even led by the most powerful among them, will be subjugated by our friend and ally the United States in the maybe not so distant future. There are some who have already chosen that path. Those I said earlier were too long-sighted. But this does not apply to all. And it’s to these others that I am speaking now.

The Europe I hope for must obviously have its rules and discipline for our communal life, but it must also have a political plan that transcends and justifies such constraints. Today this is something everyone seems to have forgotten. Our European model can be a model for all those who refuse to be put into the same mould from across the Atlantic. But to be a model, Europe must have vision, rise above the pettiness, play its role in globalization and, in a word, continue to shape History.

Correio para:

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