O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.
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quarta-feira, 20 de setembro de 2017

O cidadão resiliente



In:DN
06 DE SETEMBRO DE 2017

Por:Viriato Soromenho Marques

Se existisse um prémio internacional de ética pública, ele seria, certamente, outorgado hoje ao professor Adriano Moreira (AM), pela passagem do seu 95.º aniversário. Dificilmente se encontrará um outro cidadão que desde 1944, ano em que terminou a sua licenciatura em Direito, até hoje continue a deixar múltiplas marcas de ação, pensamento crítico e exemplo lúcido da sua presença no mundo partilhado por todos (para o leitor da edição impressa do DN basta olhar para a página seguinte, para encontrar na sua coluna de opinião a prova material da minha afirmação).

O que sempre admirei em AM é a sua capacidade de quebrar os binómios de ferro em que a melhor tradição intelectual do Ocidente tende a aprisionar a experiência política. A contradição abissal entre teoria e prática, objeto de uma célebre controvérsia entre Kant e Burke. A oposição entre ética da responsabilidade e ética da convicção, traçada por um Max Weber, ele próprio tolhido no torvelinho de tensões contraditórias que o faziam ter paixão pela política e, ao mesmo tempo, resistir ao canto de sereia das suas "forças diabólicas".

A clássica dilaceração, identificada por Maquiavel no coração do príncipe, entre as leis humanas e as pulsões brutais mais elementares (metaforizadas na força do leão e na astúcia da raposa). Ao longo de mais de sete décadas de vida pública, AM tem enfrentado e superado (no sentido hegeliano de negação, assimilação e ultrapassagem dos obstáculos) todos os desafios, vitórias e derrotas que a vida tem colocado no seu caminho.

Para os leitores mais jovens, recomendaria a leitura do capítulo que lhe é dedicado na derradeira obra de Manuel Lucena (Os Lugares-Tenentes de Salazar, Lisboa, Aletheia, 2015, pp. 261-371), onde a sua peculiar estatura de estadista, que pretende efetivamente aproximar a realidade e a justiça, fica patente nos anos decisivos de 1960-62, num contexto de guerra e desorientação interna, tentando, mesmo contra Salazar e os setores mais cristalizados do Estado Novo, evitar, ou ao menos atenuar, o trágico capítulo português no grande crepúsculo do Euromundo.

Cada ser humano tem o seu segredo interior (que até o próprio desconhece), mas atrevo-me a considerar que uma parte da laboriosa, mas serena, resiliência de AM se fica a dever a uma espécie de software comportamental, que permanece inalterável ao longo do tempo, nos seus três tópicos fundamentais.

Primeiro, nunca desistir do conhecimento na avaliação do mundo - com o imenso trabalho de estudo e investigação que ele implica - mas sem nunca cair na arrogância científica e intelectual, que é uma das formas mais modernas de ideologia, usada como desculpa para subestimar, excluir e reprimir as vozes dos que pensam de modo diferente. Segundo, acreditar sempre que o melhor se atinge preferencialmente pelas estradas do possível, envolvendo voluntariamente na viagem também os que dela duvidam, do que abraçando a retórica das promessas utópicas, que cedo se transformam em terror e violência. Terceiro, nunca abdicar dos princípios fundamentais, pois são eles que não só mantêm intacta a integridade e a identidade do agente (a sua alma política e ética), mas são também eles que temperam e limitam o que deve e pode, ou não, ser realizado pela ação.

Para AM esses princípios básicos são os da igualdade e os da cooperação universal do género humano. Ao mesmo tempo um ponto de partida e uma tarefa sempre à espera de ser cumprida, como as duras promessas do nosso presente-futuro bem o comprovam.


quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Regras para um naufrágio



Viriato Soromenho Marques in DN 3/7/13

O que define a dignidade é a capacidade de respeitar algumas regras que são maiores do que nós, e que dão sentido à vida humana. Mesmo nos naufrágios, sobretudo neles, vislumbra-se a grandeza da dignidade, ou a sua falta.

Quando em 1912 o Titanic se afundou, algumas centenas dos mais abastados homens da época aceitaram a morte, para permitir que as mulheres e as crianças fossem salvas. Já em 1816, quando o navio francês Medusa se afundou na rota do Senegal, os nobres e altos funcionários fugiram nos escaleres, deixando os soldados e subordinados para perecer ao abandono.

Quando Vítor Gaspar saiu do Governo, percebia-se que estávamos a viver um naufrágio. A demissão de Paulo Portas dá o golpe de misericórdia, numa embarcação mantida à tona pelos flutuadores de Belém. As razões de consciência invocadas por Gaspar e Portas não desculpam o seu duplo e inconfessado fracasso.

Primeiro, amarraram durante dois anos o País à narrativa errónea e castradora dos nossos credores, que transformaram a Zona Euro num Moloch à beira da implosão.

Segundo, demitem-se sem terem cuidado de uma alternativa negocial com a troika. Onde estão as propostas, os argumentos e a força que só as boas alianças permitem reunir?

Este Governo sai de cena, para fugir ao desmoronar dos escombros de um país que ajudou a tornar mais frágil. O "melhor povo do mundo" aceitou os sacrifícios de Gaspar, mas não vai esquecer nunca um Governo que transformou Portugal, por incompetência política e nulidade moral, na "Medusa" da tempestade europeia em curso.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Regras para um naufrágio



por Viriato Soromenho Marques in DN 3/7/13

O que define a dignidade é a capacidade de respeitar algumas regras que são maiores do que nós, e que dão sentido à vida humana.

Mesmo nos naufrágios, sobretudo neles, vislumbra-se a grandeza da dignidade, ou a sua falta.

Quando em 1912 o Titanic se afundou, algumas centenas dos mais abastados homens da época aceitaram a morte, para permitir que as mulheres e as crianças fossem salvas. Já em 1816, quando o navio francês Medusa se afundou na rota do Senegal, os nobres e altos funcionários fugiram nos escaleres, deixando os soldados e subordinados para perecer ao abandono.

Quando Vítor Gaspar saiu do Governo, percebia-se que estávamos a viver um naufrágio.

A demissão de Paulo Portas dá o golpe de misericórdia, numa embarcação mantida à tona pelos flutuadores de Belém. As razões de consciência invocadas por Gaspar e Portas não desculpam o seu duplo e inconfessado fracasso.

Primeiro, amarraram durante dois anos o País à narrativa errónea e castradora dos nossos credores, que transformaram a Zona Euro num Moloch à beira da implosão.

Segundo, demitem-se sem terem cuidado de uma alternativa negocial com a troika. Onde estão as propostas, os argumentos e a força que só as boas alianças permitem reunir?

Este Governo sai de cena, para fugir ao desmoronar dos escombros de um país que ajudou a tornar mais frágil.

O "melhor povo do mundo" aceitou os sacrifícios de Gaspar, mas não vai esquecer nunca um Governo que transformou Portugal, por incompetência política e nulidade moral, na "Medusa" da tempestade europeia em curso.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

O Triunfo da Vontade

Por: Viriato Soromenho-Marques, in DN de 10.01.13

O relatório exploratório do FMI foi recebido por um inevitável coro de protestos. Ele sugere uma espécie de rasgar de ventre nacional, em nome da "eficiência" do Estado. Contudo, ele apenas confirma o rumo que tem levado 18 dos 27 países da UE a um agravamento do desemprego e de todos os outros indicadores sociais. Nem o FMI (e o resto da troika) nem o Governo português parecem perceber que há limites para a capacidade de um povo absorver mudanças radicais. 

Em 1790, o grande político e pensador irlandês Edmund Burke condenava a revolução francesa por ver nela a expressão de uma arrogância da razão. Ela implicaria a crença ingénua de que a sociedade é uma plasticina que se presta a todas as modelagens. 

Desde a criação de novas religiões, por decreto, até à reforma agrária feita na ponta das baionetas, como ocorreu na Ucrânia soviética, em 1930. 

Os jacobinos inauguraram "o assalto aos céus", que se estendeu, depois de muitas dezenas de milhões de vítimas, até à queda do Muro de Berlim. Burke é justamente considerado como o pai do pensamento político conservador democrático. 

Todavia, ele seria hoje o primeiro a erguer a sua voz contra a arrogância desta direita, voluntarista, que quer fazer regressar os europeus ao inferno da pobreza narrada por Charles Dickens. 

Os ditos "neoliberais" imitam hoje, na sua língua de trapos tecnocrática, a brutalidade arrogante dos engenheiros de almas do passado. Entregam a propriedade e a dignidade de povos inteiros ao confisco de uma incompetente elite de banqueiros e burocratas, em nome de "sociedades abertas". 

Com a mesma candura com que no passado se abriam gulags, em nome da "emancipação humana". Em ambos os casos, não é a vontade que triunfa, mas o terror nas suas múltiplas e horrendas máscaras.

Correio para:

Armação de Pêra em Revista

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