O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.

quarta-feira, 30 de março de 2011

domingo, 27 de março de 2011

sábado, 26 de março de 2011

Manuel Sobrinho Simões uma visão sobre Portugal

Manuel Sobrinho Simões, médico, investigador e professor universitário, diz que Portugal continua a ser vítima do conflito de interesses que grassa entre as conveniências dos partidos e dos políticos e as necessidades do país e dos portugueses. Uma análise interessada para ajudar a sair da crise e a permanecer no euro. Nem que tenhamos de fazer o pino.

Em três semanas tivemos quatro dias de descanso extra. Foi a tolerância de ponto para Lisboa, a greve geral, um feriado civil e na próxima quarta-feira teremos um religioso.
Como é que avalia a nossa relação com o trabalho?


No nosso país, uma pessoa que trabalhe todos os dias e que tenha de assinar ponto é visto como um falhado. Quando me tornei professor catedrático até os meus amigos de Arouca ficaram decepcionados quando perceberam que a minha vida ia continuar a fazer-se das mesmas rotinas. E mais recentemente, no Hospital de São João (Porto), a maior parte dos professores da Faculdade de Medicina foram contra a fiscalização do horário de trabalho dos médicos através da leitura da impressão digital - o dedómetro - mas eu fui a favor. É humilhante? É. Sobretudo para quem tem funções de direcção. Mas tem de ser assim, porque infelizmente muitos de nós não cumprimos. Caricaturando a coisa, pode dizer-se que em Portugal só quem não sabe fazer mais nada é que trabalha, isto é, tem uma rotina, cumpre horários, produz e presta contas.

Esses traços são distintivos só dos portugueses?

Não, este problema não é só nosso. A Europa conseguiu garantir boas condições de vida aos seus cidadãos à custa da exploração dos povos e dos países da Ásia, da América Latina e de África. Uma boa parte do Estado Providência assentou na exploração das matérias-primas e do trabalho daqueles países. Com o aparecimento de economias emergentes muito competitivas e a deslocalização das fábricas, a Europa começou a criar menos riqueza e as dificuldades em conseguir manter o chamado estado social começaram a aparecer. Não é por acaso que a França tem de mudar a idade da reforma. É um sintoma.

Prenúncio do fim do Estado social?

Com o crescimento da Índia, da China e do Brasil, a Europa ressentiu-se e as pessoas começaram a perceber que vão ter de mudar de vida, que o tempo das mordomias já passou.

Mas para nós, portugueses, esse tempo mal começou...

Pois é, mas para nós vai ser ainda pior. Os portugueses, além de europeus, são culturalmente mediterrânicos, o que não nos afasta muito dos gregos, dos italianos e dos espanhóis do Sul, com todas as influências que são ditadas pela geografia, pelo clima e pela religião. Sermos judaico-cristãos é muito diferente de sermos calvinistas e protestantes. Além disso nunca corremos o risco de morrer de frio e estamos na periferia, não tivemos guerras e ninguém nos chateou. Na verdade, somos muito individualistas e estamos mais próximos dos norte-africanos do que dos povos do Norte da Europa.
Somos um país mais mediterrânico do que atlântico, com todas as implicações que isso tem até na nossa produtividade.

Então a diferença entre nós e o resto da Europa, sobretudo os nórdicos, não está nos genes?

Claro que não. A diferença entre nós e os nórdicos não está nos genes, é fruto da cultura e da educação, da geografia, do clima e da religião. Eles tinham frio, era-lhes difícil cultivar cereais e não tinham vinho. Para sobreviverem tiveram de estimular a inovação e a cooperação. Ao contrário de nós, que tínhamos um bom clima, uma agricultura fértil e peixe com fartura. E depois tivemos África, a seguir o Brasil e logo os emigrantes. Não precisámos de nos organizar e não precisámos de nos esforçar. Não era preciso. Não planeávamos, desenrascávamos. Continuamos assim, gostamos de resolver catástrofes.

É sindicalizado?

Não.

Fez greve?

Sim, eu e a maioria dos professores de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina. Fizemos greve e estamos furiosos mas assegurámos o serviço no hospital e demos aulas na Faculdade, onde também não faltámos por causa dos alunos. É uma questão de respeito.

Estão furiosos com quê?

Com a desgovernação. Não é só com a desgovernação do actual governo, é com o desnorte dos últimos vinte e tal anos. O que nos está a acontecer não resulta apenas da desorientação dos últimos dois anos, já há muito que gastamos acima do que podíamos e devíamos. E o mais grave é que demos sinais errados às pessoas. Agora, vamos ter de evoluir de novo para uma sociedade com capacidade de produção real, com agricultura e pesca.

Mas todos temos na memória os subsídios que foram concedidos aos agricultores para não produzirem.

Foi terrível. E para piorar as coisas, muitos ficaram deprimidíssimos e frequentemente alcoólicos. Destruíram as vinhas, a sua âncora, que lhes dava prestígio e dignidade pessoal nas suas comunidades, e começaram a passar os dias na taberna. Isto aconteceu em todo o Minho. E no Alentejo também.

Podemos dizer que o nosso super-Estado tem descurado as necessidades reais dos cidadãos e da sociedade?

Desde o tempo do Dr. Salazar que o Estado faz questão de proteger os seus e nós temos aprovado esse amparo. Mas os nossos cidadãos não têm grandes conhecimentos e perguntam pouco, até temos aquela afirmação extraordinária que é «se não sabes porque perguntas?». Ora quando temos dúvidas é que devemos perguntar. Por estas e por outras, nas últimas décadas, dominado por ciclos eleitorais curtos, o Estado passou a viver acima das suas possibilidades e a substituir-se à realidade. E, de repente, a realidade caiu em cima do povo.

Os portugueses têm razões para se sentirem enganados ou não quiseram ver a realidade?

As duas são verdade. Podemos ofuscar o real durante algum tempo, mas não para sempre. As imagens da Grécia, com reformas aos 55 anos ou até mais cedo para as chamadas profissões de desgaste rápido, permitiram-nos perceber que se eles tinham entrado em colapso também nós corríamos o risco de vir a acontecer-nos o mesmo. Até essa altura, creio que muitas pessoas acreditavam, lá no seu íntimo, que nem os países, nem a segurança social, nem o Serviço Nacional de Saúde (SNS), nem as câmaras municipais podiam entrar em bancarrota. Agora já perceberam que isto pode mesmo entrar em ruptura. Para já reduziram até dez por cento o ordenado dos funcionários públicos, mas no ano que vem pode vir a ser necessário chegar aos vinte por cento. E que é que adianta andar a papaguear que é inconstitucional e que mexe com os direitos adquiridos? Se não há dinheiro o que é que se faz? Esta questão é que tem de ser respondida.

Não há dinheiro para o Estado social mas tem havido para obras e infra-estruturas. O que pensa disto?

Eu não sei o suficiente para perceber quando é que é necessário um novo aeroporto em Lisboa ou em Beja. Mas como sou um prático, penso que se não é preciso no imediato e temos falta de dinheiro, então temos de investir na criação de riqueza e de emprego e não em obras que têm um retorno mais longínquo.

Não quer um TGV para o Porto?

Eu não. O que quero é que a TAP faça voos mais baratos. Um bilhete Porto-Lisboa-Porto custa 283 euros, o mesmo que gasto para ir a Oslo. O comboio que temos, o Alfa e o Intercidades, já é muito cómodo mas para ir a Lisboa não é prático, ou nos levantamos de madrugada ou perdemos metade de um dia. O que também necessitamos é de nos ligar à Galiza com mais eficiência porque o aeroporto do Porto tem condições para ser o grande aeroporto do Noroeste peninsular.

Se fosse governante imagina-se a discutir tantas vezes os mesmos assuntos?

Não. Falta-me experiência política, não tenho treino de negociação. Mas assusta-me saber que há tantas dúvidas sobre investimentos monstruosos. Não consigo perceber porque se continua a discutir a ligação de Lisboa a Madrid por TGV quando aquilo não tem hipótese nenhuma de ser sustentável.

Os impactes da crise económico-financeira foram durante muito tempo menosprezados pelos governantes. O que pensa disso?

O que senti e sinto é que se não fosse este governo, se fosse outro, teria sido exactamente a mesma coisa. Temos uma crise económico-financeira, mas também temos uma crise de líderes - os políticos portugueses gritam muito contra o estado das coisas e, depois, para ganharem eleições adoptam um discurso demasiado optimista. A primeira coisa que todos os que venceram eleições nos últimos anos fizeram foi, uma vez eleitos, dizer que isto estava uma tragédia. E toda a gente sabe que a maquilhagem do défice foi feita à custa de receitas extraordinárias quer por governos do PS quer do PSD.

Somos ingovernáveis?

Os nossos líderes e os seus partidos vivem mais para ganhar eleições do que para servir o país e os interesses da nação. Na administração pública até os directores-gerais cessam funções quando há mudança de governo. Ora é óbvio que, assim, qualquer um quer que o seu partido continue no governo, se não corre o risco de ir para a rua.
O nosso individualismo militante e a fragilidade organizativa contribuem também para a ingovernabilidade.

O Estado é refém da administração pública?

O Estado deixou desenvolver, no seu seio, várias corporações, cada uma mais egoísta do que a outra - juízes, médicos, professores, militares, etc. Além disto, partidarizou a administração pública e passou a fazer concessões despudoradas aos chamados novos poderes, aos construtores, à banca, à comunicação social. Isto já não é culpa do Dr. Salazar.

O FMI vem aí?

Todos os tipos em quem eu confio dizem que sim, por isso acredito que sim, que está no vir. Ainda há dias estive numa reunião com João Cravinho, António Barreto e Rui Rio e esse foi um dos temas da conversa. A conclusão foi de que a vinda do FMI será provavelmente inevitável.

Sente o orgulho beliscado por ter de ser o FMI a pôr ordem na nossa casa?

Não, de todo. Mas não sei o suficiente de economia para perceber o que é que a intervenção do FMI vai implicar. Vão mudar o sistema das reformas, as pensões, os impostos? Nós já temos uma carga fiscal enorme, pelo que tenho assistido com muita tristeza ao empobrecimento da classe média portuguesa. Se a intervenção do FMI empobrecer ainda mais a nossa classe média e as famílias mais desfavorecidos ficarei muito triste.

Pensa que esta crise vai ser pior do que as outras?

Penso, infelizmente sim. E quando ouço os economistas falarem ainda fico espantado. Como é que eles não se aperceberam de que aumentando progressivamente o défice tínhamos uma receita para o desastre? Sei que vamos ter de mudar de vida. Se tivermos de o fazer num contexto de protecção da Europa e do euro prefiro a solução FMI a ter de saltar do euro e ir para soluções do domínio da magia, com a desvalorização da moeda, altivos e sós.

Afirmou várias vezes que o que de melhor nos aconteceu foi a entrada no euro. Foi uma oportunidade perdida?

Foi uma oportunidade muito mal aproveitada, mas teria sido muito pior para o país e para os portugueses se não tivéssemos entrado. Desbaratámos as vantagens da entrada no euro sem que os cidadãos tenham sido alertados para as fragilidades que vieram com a moeda única. Limitámo-nos a ser os recipientes líquidos de uma quantidade enorme de dinheiro em vez de aproveitar esses fundos para desenvolver e inovar. Não é por acaso que temos automóveis de luxo, iates e terceiras casas numa quantidade que é obscena relativamente ao nível de vida da população.
Ainda assim, defendo que, se for preciso, devemos fazer o pino para nos mantermos no euro. Prefiro ficar sob o domínio da Europa do que ficar apenas entregue aos jogos políticos portugueses. Estamos na pontinha da Europa, se isso acontecesse, connosco sozinhos e em roda livre, seria mortal.

Acha que os países europeus mais fortes, nomeadamente a Alemanha, vão continuar a tolerar os nossos esquemas?

Não. Vão ser implacáveis porque é a Europa e o projecto União Europeia que estão em causa. Este ano, só a Índia vai pôr no mercado mais engenheiros do que todos os 27 países da Europa. O que é que a França ou a Alemanha representam na competição com a Índia? As pessoas não têm consciência da nossa dimensão.
Eu dou aulas na China, em Chengchow, uma cidade que ninguém conhece a sul do rio Amarelo, na província de Henan, onde fica o templo de Shaolin. Só esta província tem cem milhões de habitantes e a cidade de Chengchow tem sete milhões. É outra escala. O campus universitário de Chengchow, onde estão sempre uns guardas de metralhadora em riste, é simplesmente enorme. Os hospitais não são apenas maiores, são melhores do que o São João, aqui no Porto, ou o Santa Maria, em Lisboa. Não estamos a falar de Xangai, de Hong Kong ou de Pequim, essas são cidades extraordinárias. Estamos a falar de uma cidade de que não se ouve falar mas que tem uma universidade que é uma coisa de um mundo que já não é o nosso. Isto para dizer que a Europa ou se enxerga ou desaparece.

O estado a que isto chegou era evitável?

Fomos sempre muito bons a avaliar meios, mas nunca quisemos avaliar os resultados. Nos hospitais vejo muita gente preocupada em discutir o número dos médicos, enfermeiros, consultas e exames realizados. E não se discute o mais importante que é a frequência das complicações e da mortalidade dos doentes, os reinternamentos, a sobrevida dos doentes com cancro aos 5 anos, etc. O que precisamos de conhecer é a quantidade e a qualidade de vida dos doentes que são tratados em cada um dos nossos hospitais, mais do que avaliar os meios. O mesmo sobre os blindados da PSP. Não quero saber se comprámos dois ou seis. O que precisamos de saber é como e quanto é que a eficiência da PSP aumenta com os ditos blindados. Nós fugimos aos «finalmente». Não temos cultura de avaliação.

Entretanto as universidades formaram muitos jovens. Eles não têm lugar em Portugal?

Pois não. Nesta altura não há espaço para os jovens. Os muito bons vão logo para fora e os outros também vão, ou como bolseiros ou já como profissionais. E eu acho que é uma boa solução para o país - por exemplo, entre enfermeiros, médicos e médicos dentistas temos uma leva de emigrantes diferenciados em Inglaterra de que nos devemos orgulhar.

Precisamos dos povos do Sul ou temos de rumar para sul?

África oferece imensas oportunidades mas ainda tem problemas com a segurança, a política, a organização. Há muitas oportunidades de negócio no retalho, na construção, nas energias, até na saúde, um sector que não tem um retorno tão imediato mas que também é rendível e socialmente muito importante. A América do Sul também é um destino a equacionar, embora os estados do Sul do Brasil sejam muito desenvolvidos e também tenham jovens com muito boa formação universitária.

Se fosse governante o que é que mudava?

Melhorava a educação, mas fazia-o com seriedade. Temos os miúdos na escola, e bem, mas não acautelámos a qualidade do ensino. Vejam-se os resultados dos estudos PISA, onde os nossos alunos, comparados com outros da mesma idade e de outros países da OCDE, revelam competências muito baixas nos conhecimentos da língua materna, da matemática e das ciências, três instrumentos básicos. Isto é um problema gravíssimo.

Defraudámos as expectativas das famílias?

Completamente. Há muitas famílias cujos pais fizeram sacrifícios enormes para custear os estudos dos filhos, inscritos em universidades privadas e em cursos que não têm saída. As pessoas não entendem. Disseram-lhes que o diploma era importante. Por outro lado, não faz sentido que tenhamos 28 cursos de arquitectura em Portugal. E outros tantos de tecnologias da saúde. Aqui no Porto, em instituições privadas, os enfermeiros estão a ganhar cerca de quatro euros por hora.

Já os seus alunos têm boas perspectivas, pois faltam médicos…

Os alunos de medicina também estão assustados com o futuro. Já não sabem se vão poder fazer a especialidade que gostariam, ou se serão forçados a adaptar-se às vagas que existirem e às condições de trabalho e de remuneração que lhes forem impostas.

O SNS está ameaçado?

Em termos de sustentabilidade, está. Mas o último relatório do Tribunal de Contas vem dizer que as soluções de gestão que foram introduzidas nos hospitais-empresa, muitas vezes à revelia dos profissionais, não funcionaram. A saúde é um bem imaterial, não é um bem que se venda a retalho. Como a educação. Os serviços assistenciais também vivem da manutenção do respeito pelos pares, e as hierarquias não são apenas funcionais, são também de competência.

Ainda defende a regionalização?

Sim.
E não teme que sirva sobretudo para criar mais uma casta de burocratas?

Defendo-a mas confesso que tenho muito medo, precisamente por causa disso.

E defende a criação de mais estruturas, para além das que existem?

Não, isso não. Para já defendo que se avance com as regiões que temos e à experiência, com líderes e profissionais que já deram provas e sem cargos de confiança política. As regiões precisam de autonomia e não podem ser extensões de outros poderes. Sou a favor da regionalização dos serviços de saúde e de ensino, incluindo as universidades.

Com a crise corremos o risco de nos tornar um país mais desigual?

Em relação à Europa já somos dos piores e agora a desigualdade vai agravar-se. Quer o número de pobres, quer a diferença entre eles e os muito ricos, não cessam de aumentar. Vamos ter de criar alguns mecanismos de suporte para ajudar as pessoas que estão aflitas e eu tendo a valorizar os mecanismos da sociedade civil, por exemplo o papel das misericórdias. A filantropia social está desaproveitada - há muito boa gente com competências, vontade e redes sociais a funcionarem bem. Não podemos deixar pessoas morrer à fome e ao frio e não podemos deixar de dar leite às crianças.

Taxar mais a riqueza pode fazer parte da solução?

Taxar mais a riqueza não resolve nada, primeiro porque calculo que os poucos milhares de muito ricos que temos em Portugal não têm cá a massa e, se tiverem, não serão facilmente taxáveis. Mais impostos também não. Para aumentar a produtividade temos de ser mais competitivos e receio que, a curto prazo, com ou sem FMI, tenhamos de baixar ainda mais os salários. Uma coisa é certa: temos de pagar as nossas dívidas porque se não o fizermos ninguém nos empresta dinheiro.

Contacta com muitos cientistas e investigadores estrangeiros. Como é que eles nos vêem?

Na ciência não há grandes diferenças entre nós e eles. Em algumas especialidades médicas também não. Por exemplo, os patologistas que conheço têm vidas muito parecidas com a minha, não há grandes diferenças sociais. Já um reumatologista ou um cirurgião português que tenha actividade privada ganha bastante mais do que um colega do centro da Europa.

E na sociedade?

Na sociedade há bastantes diferenças. Nós não fomos eficientes em criar riqueza, nem conseguimos deixar de gastar mais do que produzimos. Há mais de trinta anos que vou com frequência à Noruega e lembro-me de eles serem relativamente pobres quando nós éramos razoavelmente ricos. Um médico norueguês vivia pior do que um médico português, um advogado também. Nunca conheci um casal norueguês da classe média que tivesse dois carros e muito menos uma empregada de limpeza. Eles agora vivem com algum conforto mas nunca gastaram mais do que aquilo que produzem. As receitas das reservas de petróleo e de gás estão aplicadas num Fundo, não estão a ser gastas e muito menos ao desbarato.

Enquanto nós desperdiçamos o que pedimos emprestado...

Nós somos mal governados em parte por culpa própria, em parte pela escassez de líderes exemplares. Gosto muito dos países nórdicos, aprendi imenso lá, toda a minha família aprendeu. Na Noruega, na Suécia, na Finlândia, não corremos o risco de ser atropelados quando atravessamos a rua. Eles quando bebem não conduzem, vão para casa de táxi. E um ou outro que o faça é alvo de medidas sérias de repreensão económica e social e vai para a prisão. Nos países nórdicos, o exemplo conta e quem não é exemplar é punido socialmente.

Os portugueses são condescendentes?

Pior, nós admiramos o sucesso do aldrabão. Em Portugal não há censura social para a esperteza saloia nem para a corrupção a que passámos a chamar informalidade. Pelo contrário, admiramos os esquemas, os expedientes. Vivemos deles.

Mas depois queixamo-nos…

A nossa tragédia é que somos um povo pré-moderno. Não perguntamos, não responsabilizamos, não exigimos nem prestamos contas. Não temos a literacia nem a numeracia necessárias. Outro problema é a falta de transparência, a opacidade. Olhe o que se passou com o BPP e com o BPN, histórias tão mal contadas.

A evasão e a fraude fiscal são duas das grandes marcas nacionais. A corrupção é outro crime sem castigo?

Não metemos ninguém na cadeia, deixamos os problemas eternizarem-se sem punições, mas também não recompensamos ninguém. O Estado é burocrático, não nos deixa avançar, mas dá-nos segurança. A nossa tradição é empurrar os problemas com a barriga esperando que se resolvam por si. Quando as coisas dão para o torto somos injustos ou por excesso ou por defeito. Quem tem muito poder económico pode recorrer a expedientes e a mecanismos dilatórios que são usados de maneira desproporcionada. Quem não tem esse poder é totalmente vulnerável. Somos demasiado tolerantes, somos condescendentes, no mau sentido, aderimos mais ao tipo que viola a lei do que ao polícia. Temos afecto pelo fulano que faz umas pequenas aldrabices, admiramos secretamente os grandes aldrabões, não punimos os prevaricadores. Na verdade somos contra a autoridade.

Tem 63 anos e é funcionário público. Já meteu os papéis para a reforma?

Não, não sei fazer mais nada além de trabalhar. E fui sempre funcionário público, não me imagino a trabalhar numa actividade privada. O meu pavor é pensar que um dia talvez não possa trabalhar. Às vezes sinto-me um pouco desconfortável por ter de responder a tantas solicitações burocráticas no dia-a-dia, mas pior será quando deixar de trabalhar.

Continua a ser leitor compulsivo de jornais?

Fico nervoso se não tiver jornais. Leio muitos, sobretudo semanários e estrangeiros. Infelizmente gasto cada vez mais horas diárias a ler revistas científicas. Não tenho tempo para ler literatura de novo isto é, quase só releio. A falta de tempo é o meu maior problema.

O que é que o faz perder a paciência?

A irresponsabilidade e a incompetência, não sei o que é pior. Sou um exaltado mas já não tenho idade para fazer fitas. Disfarço melhor, mas se sou apanhado de surpresa é tramado.

E o que é que o faz dar uma boa gargalhada?

Sorrio mais do que rio e acho uma graça especial aos meus netos.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Os passos que passam em direcção alguma, passarão sem deixar rasto...

O pais atravessa mais uma crise que se desenvolve agora acima das suas diversas crises estruturais, como, de entre outras, a da economia e a das suas elites e abaixo da crise internacional a qual é encimada pela profunda crise resultante do esgotamento deste sistema de desenvolvimento.

Sócrates será culpado de muita coisa, mas infelizmente não é o responsável por tudo isto.

Infelizmente, dizemos, porque se o fosse, com a sua demissão poderíamos augurar um passo importante num sentido diverso, provavelmente virado para um futuro que viesse a responder por esse nome.

Descendo à (nossa) terra: ocorre-nos de como vai ser interessante assistir à assinatura do PEC 4, pelo seu putativo sucessor e mais interessante ainda, assistir às voltas e reviravoltas utilizadas para vê-lo desaguar exactamente nas mesmas propostas de submissão às contingências da austeridade necessária ao equilíbrio financeiro do pais, a assegurar o “guarda chuva” europeu que nos proteja da chuva ácida dos mercados, e, naturalmente, a continuarmos a pertencer à Europa, dita rica.



Os socialistas reclamam que os sociais democratas continuam sem revelar uma ideia que seja para fazer diferente! Com razão pois ainda não ouvimos nenhuma. Com jeito ou sem jeito.
Recordamos a este propósito a recente qualificação, pela boca do grande dirigente e educador social democrata Alberto João Jardim, acerca da ideia de aumentar o IVA para 25%: Um perfeito disparate!

Ele lá saberá onde se sustenta a sua convicção, que não nos parece ser a mesma do putativo sucessor de Sócrates, o qual já afirmou com honestidade, adiante-se, que ninguém pode prometer não aumentar os impostos, denotando claramente muito pouca originalidade, senão mesmo uma perspectiva absolutamente vulgar do tipo mais do mesmo.

A máxima nacional acerca da sucessão das moscas, apesar do decurso dos anos, parece continuar a aplicar-se esclarecedoramente sobre a generalidade da nossa elite político-partidária, a qual, freneticamente, sobrevoam!

Passos Coelho com um percurso politico cuja biografia se encontra em tudo à altura de Felícia Cabrita, ao concretizar a ordem que os baronetes lhe deram de “chumbar” o PEC 4, sob pena de uma súbita e definitiva saída de cena, a conseguir o mais difícil e improvável, a maioria absoluta pela qual afirma vir a lutar, tentou salvar-se e não salvar o pais!

Não podendo invocar o passado para nos dar motivo de esperança, não podendo evidenciar um talento que, em tantos anos de actividade politico partidária, jamais revelou, não podendo contar com uma experiência profissional que não teve ou com o mérito de uma densidade intelectual que justamente não se lhe reconhece, resta-lhe o discurso e a vulgaridade dos lugares comuns devidamente personalizado, já que no que ao padrão de manequim da Rua dos Fanqueiros respeita, preenche todos os requisitos.

Só que, nesta carreira, as condições são-lhe mais desfavoráveis que a qualquer um dos seus predecessores, pois a situação do pais nunca esteve tão descoberta, o que lhe reduz dramaticamente a capacidade de intoxicação.


Não se lhe pode, lucidamente, augurar um extenso futuro politico.
Nem a Portugal enquanto estiver amarrado ao leme de tão insípido timoneiro!

quinta-feira, 24 de março de 2011

IN FORMA’11 – Formação, Emprego e Empreendedorismo



Nos dias 7, 8 e 9 de Abril irá realizar-se a IN FORMA’11 – Formação, Emprego e Empreendedorismo, na EXPOALGARVE – Loteamento Industrial de Loulé, com a presença de 50 expositores: escolas do ensino básico, secundário, profissional e ensino superior, empresas de formação e de recrutamento e outras entidades.

No decorrer dos 3 dias poderá participar em conferências, workshops, sessões de esclarecimento ou obter informações junto das entidades presentes, assistir a actividades de animação.

A entrada e a participação nas iniciativas previstas é gratuita, embora sujeita a inscrição prévia.

A organização da IN FORMA’11 é, mais uma vez, da responsabilidade de uma parceria constituída pela Câmara Municipal de Loulé, IEFP, IP - Delegação Regional do Algarve, Direcção Regional de Educação do Algarve e NERA – Associação Empresarial da Região do Algarve.

domingo, 20 de março de 2011

Aguardente de medronho

Uma nova forma de comercializar este precioso néctar



Com o objectivo de divulgar a aguardente de medronho, pequenos produtores de São Marcos da Serra unem-se para implementarem uma forma diferente de distribuição deste precioso néctar.

Actualmente em testes na praia de Armação de Pêra onde no período de Verão a aguardente de medronho vai ser comercializada.

Por cinco euros os apreciadores podem “mamá-la” ao natural ou como cachaça.

sábado, 19 de março de 2011

AINDA SOBRE A GERAÇÃO À RASCA...

Mia Couto - Geração à Rasca - A Nossa Culpa

"Um dia, isto tinha de acontecer.

Existe uma geração à rasca?

Existe mais do que uma! Certamente!

Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa

abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes

as agruras da vida.

Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar

com frustrações.


A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também

estão) à rasca são os que mais tiveram tudo.


Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância

e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus

jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos.


Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a

minha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos)

vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós

1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor.


Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram

nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles

a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes

deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de

diversão, cartas de condução e 1º automóvel, depósitos de combustível

cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as

expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou

presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.


Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o

melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas

vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não

havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado

com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes.

Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... A

vaquinha emagreceu, feneceu, secou.


Foi então que os pais ficaram à rasca.


Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem

Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas onde

não se entra à borla nem se consome fiado.

Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar

a pagar restaurante aos filhos, num país onde uma festa de

aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada a

pais.


São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e

da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que

os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade,

nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração.


São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter

de dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e

que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm

direitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas,

porque lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem,

querem o que já ninguém lhes pode dar!

A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelo

menos duas décadas.


Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados.

Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito por

escolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na

proporção do que estudou. Uma geração que colecciona diplomas com que

o país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois

correspondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade

operacional.


Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em

sítio nenhum. Uma geração que tem acesso a informação sem que isso

signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas

competências de leitura e interpretação da realidade em que se insere.

Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por

não poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração

que deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade que

queimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a

diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que

este, num tempo em que nem um nem outro abundam.


Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo

como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as

foi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras.


Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não

lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável.

Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada.

Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de

montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o

desespero alheio.

Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e

inteligência nesta geração?


Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!

Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no

retrato colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e

nem são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como

todos nós).


Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados

pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalham

bem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultados

académicos, porque, que inveja!, que chatice!, são betinhos, cromos

que só estorvam os outros (como se viu no último Prós e Contras) e,

oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a

subir na vida.

E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos

nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares

a que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no

que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida

e indevidamente?!!!

Novos e velhos, todos estamos à rasca.

Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens.


Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme

convicção de que a culpa não é deles.


A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nem

fazer melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, e

a sociedade não consegue, não quer, não pode assumi-la.


Curiosamente, não é desta culpa maior que os jovens agora nos acusam.

Haverá mais triste prova do nosso falhanço?

Portugueses que partiram e que ficaram. Uma opinião.

Era no tempo em que, no palácio das Necessidades, ainda havia ocasião para longas conversas. (mas podia passar-se hoje...).


Um jovem diplomata, em diálogo com um colega mais velho, revelava o seu inconformismo. A situação económica do país era complexa, os índices nacionais de crescimento e bem-estar, se bem que em progressão, revelavam uma distância, ainda significativa, face aos dos nossos parceiros. Olhando retrospetivamente, tudo parecia indicar que uma qualquer "sina" nos condenava a esta permanente "décalage". E, contudo, olhando para o nosso passado, Portugal "partira" bem:


- Francamente, senhor embaixador, devo confessar que não percebo o que correu mal na nossa história. Como é possível que nós, um povo que descende das gerações de portugueses que "deram novos mundos ao mundo", que criaram o Brasil, que viajaram pela África e pela Índia, que foram até ao Japão e a lugares bem mais longínquos, que deixaram uma língua e traços de cultura que ainda hoje sobrevivem e são lembrados com admiração, como é possível que hoje sejamos o mais pobre país da Europa ocidental.


O embaixador sorriu, benévolo e sábio, ao responder ao seu jovem colaborador:


- Meu caro, você está muito enganado. Nós não descendemos dessa gente aventureira, que teve a audácia e a coragem de partir pelo mundo, nas caravelas, que fez uma obra notável, de rasgo e ambição.


- Não descendemos? - reagiu, perplexo, o jovem diplomata - Então de quem descendemos nós?


- Nós descendemos dos que ficaram por aqui...

Porque hoje é dia do pai...

quinta-feira, 17 de março de 2011

Afinal o Mário Crespo voltou a atacar...e reclamou um balúrdio dos responsáveis!

O Mário Crespo voltou a escrever, para a única publicação que o
convidou e não teve receio das censuras: a Penthouse. Pelo menos é o que circula na internet e nos chegou recentemente.
Mesmo neste pressuposto, o texto merece a pena ser lido.

Penthouse 10.11.10
Título: Devem-me dinheiro.

José Sócrates em 2001 prometeu que não ia aumentar os impostos. E aumentou. Deve-me dinheiro.
António Mexia da EDP comprou uma sinecura para Manuel Pinho em Nova Iorque. Deve-me o dinheiro da sinecura de Pinho. E dos três milhões de bónus que recebeu. E da taxa da RTP na conta da luz. Deve-me a mim e a Francisco C. que perdeu este mês um dos quatro empregos de uma loja de ferragens na Ajuda onde eu ia e que fechou. E perderam-se quatro empregos. Por causa dos bónus de Mexia. E da sinecura de Pinho. E das taxas da RTP.
Aníbal Cavaco Silva e a família devem-me dinheiro. Pelas acções da SLN que tiveram um lucro pago pelo BPN de 147,5 %. Num ano. Manuel Dias Loureiro deve-me dinheiro. Porque comprou por milhões coisas que desapareceram na SLN e o BPN pagou depois. E eu pago pelo BPN agora. Logo, eu pago as compras de Dias Loureiro. E pago pelos 147,5 das acções dos Silva.
Cavaco Silva deve-me muito dinheiro. Por ter acabado com a minha frota pesqueira em Peniche e Sesimbra e Lagos e Tavira e Viana do Castelo. Antes, à noite, viam-se milhares de luzes de traineiras. Agora, no escuro, eu como a Pescanova que chega de Vigo. Por isso Cavaco deve-me mais robalos do que Godinho alguma vez deu a Vara. Deve-me por ter vendido a ponte que Salazar me deixou e que eu agora pago à Mota Engil.
António Guterres deve-me dinheiro porque vendeu a EDP. E agora a EDP compra cursos em Nova Iorque para Manuel Pinho. E cobra a electricidade mais cara da Europa. Porque inclui a taxa da RTP para os ordenados e bónus da RTP. E para o bónus de Mexia.
A PT deve-me dinheiro. Porque não paga impostos sobre tudo o que ganha. E eu pago. Eu e a D. Isabel que vive na Cova da Moura e limpa três escritórios pelo mínimo dos ordenados. E paga Impostos sobre tudo o que ganha. E ficou sem abonos de família. E a PT não paga os impostos que deve e tenta comprar a estação de TV que diz mal do Primeiro-ministro.
Rui Pedro Soares da PT deve-me o dinheiro que usou para pagar a Figo o ménage com Sócrates nas eleições. E o que gastou a comprar a TVI.
Mário Lino deve-me pelos lixos e robalos de Godinho. E pelo que pagou pelos estudos de aeroportos onde não se vai voar. E de comboios em que não se vai andar. E pelas pontes que projectou e que nunca ligarão nada. Teixeira dos Santos deve-me dinheiro porque em 2008 me disse que as contas do Estado estavam sãs. E estavam doentes. Muito. E não há cura para as contas deste Estado.
Os jornalistas que têm casas da Câmara devem-me o dinheiro das rendas. E os arquitectos também. E os médicos e todos aqueles que deviam pagar rendas e prestações e vivem em casas da Câmara, devem-me dinheiro.
Os que construíram dez estádios de futebol devem-me o custo de dez estádios de futebol. Os que não trabalham porque não querem e recebem subsídios porque querem, devem-me dinheiro. E eles não pagam.Devem-me tanto como os que não pagam renda de casa e deviam pagar. Jornalistas, médicos, economistas, advogados e arquitectos deviam ter vergonha na cara e pagar rendas de casa. Porque o resto do país paga. E não têm vergonha de me dever dinheiro.
Nem eles nem Pedro Silva Pereira que deve dinheiro à natureza pela alteração da Zona de Protecção Especial de Alcochete. Porque o Freeport foi feito à custa de robalos e matou flamingos. E agora para pagar o que devem aos flamingos e ao país vão vendendo Portugal aos chineses. Mas eles não nos dão robalos suficientes apesar de nos termos esquecido de Tien Amen e da Birmânia e do Prémio Nobel e do Google censurado. Apesar de censurarmos, também, a manifestação da Amnistia, não nos dão robalos. Ensinam-nos a pescar dando-nos dinheiro a conta gotas para ir a uma loja chinesa comprar canas de pesca e isco de plástico e tentar a sorte com tainhas. À borda do Tejo. Mas pesca-se pouca tainha porque o Tejo vem sujo. De Alcochete. Por isso devem-me dinheiro.
A mim e aos 600 mil que ficaram desempregados e aos 600 mil que ainda vão ficar sem trabalho. E à D. Isabel que vai a esta hora da noite ou do dia na limpeza de mais um escritório. Normalmente limpa três. E duas vezes por semana vai ao Banco Alimentar. E se está perto vai a um refeitório das Misericórdias. À Sexta come muito. Porque Sábado e Domingo estão fechados. E quando está doente vai para o centro de saúde às 4 da manhã. E limpa menos um escritório. E nessa altura ganha menos que o ordenado mínimo. Por isso devem-nos muito dinheiro. E não adianta contratar o Cobrador do Fraque. Eles não têm vergonha nenhuma. Vai ser preciso mais para pagarem. Muito mais. Já.

Mário Crespo

quarta-feira, 16 de março de 2011

Give Peace a Chance

Natália Correia por Baptista Bastos

Dizia que a minha mulher possuía um discernimento e uma sabedorias raros numa mulher da idade dela. Eram amigas e falavam das coisas da vida e do mundo. E, na madrugada da sua morte, estivera com ela e com o marido, Dórdio Guimarães, a uma mesa do Botequim, conversando avulsamente. Eu morava abaixo da colina da Graça, em Alfama, muito próximo do Botequim, que frequentava amiúde. Desci para casa eram quase três horas. Às 9 telefonaram-me de uma rádio: "Morreu Natália Correia."

Fez, agora [16 de Março] 18 anos, e parece que foi ontem, hoje, ainda há pouco. Esquecera-me da data. No "Público", a jornalista São José Almeida, com a grandeza habitual da sua prosa, lembrou-me da amiga e da enorme poetisa que a Natália foi. E daqui lho agradeço e bendigo.

Tem sido um pouco esquecida. A decência e a coragem política e ética pagam-se caro. Mas a obra e a vida dela justificam-na e dignificam-na e a nós. O prefácio que escreveu, propositadamente, para uma selecção da poesia barroca, é um ensaio definitivo. E muitos dos seus poemas fazem parte da selecta mais rigorosa da lírica portuguesa. A Natália Correia era belíssima, truculenta, libertária, capaz de enfrentar fosse o que fosse e quem fosse.

Dizia, na cara das pessoas o que delas pensava, sobretudo se o acto envolvesse canalhice, falta de carácter e vileza. Na sua casa da Rodrigo da Fonseca passaram, estiveram, discutiram, conspiraram o melhor da cultura portuguesa - e não só: estrangeiros célebres lá se amesendaram, como Henri Miller, por exemplo, discreteando acerca das coisas que ocorriam. Não é só a imensa poetisa que devemos honrar. É a corajosa editora de "Novas Cartas Portuguesas", de Maria Velho da Costa, Maria Isabel Barreno e Maria Teresa Horta; a notável animadora de "Poesias Eróticas Portuguesas", que a levou a tribunal; ou a autora de "Poema do País Emerso". Quando todas estas actividades faziam correr riscos enormes a quem as praticasse.

Sarcasta imparável, detentora de um talento múltiplo e absolutamente imprevisível, ela, um dia, enquanto deputada na Assembleia da República, ouviu o dr. José Morgado, representante do CDS, dizer [3 de Abril de 1982] o seguinte: "O acto sexual é para ter filhos." Natália ergueu-se da sua bancada e rematou:

Já que o coito - diz Morgado -
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino:
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca
temos na procriação
prova de que houve truca-truca.
Sendo pai de um só rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou - parca ração ! -
uma vez. E se a função
faz o órgão - diz o ditado -
consumada a excepção,
ficou capado o Morgado.

Nunca se eximiu de escarmentar políticos, escritores, artistas, jornalistas que tombassem sob a alçada das suas zombarias. A sua vitalidade parecia inesgotável e o seu génio imparável. O seu último marido, Dórdio Guimarães, vivia na sua adoração e na desvelada paixão que era a razão da sua vida. Pouco depois de Natália morrer, Dórdio seguiu-a. Havia-lhe dedicado poemas comovidos. Pode dizer-se que o Dórdio morreu de amor, ou da falta do amor de Natália.

Ela faz falta à vida portuguesa. E a pretensa rivalidade que alguns alimentavam, entre Natália e Sophia, não tinha razão de ser, senão o azedume e a intriga que, ainda hoje, vicejam nos meios literários. São duas grandes, extraordinárias mulheres, e duas poetisas excepcionais. Queira-se ou não, elas fazem parte do nosso património moral, estético e ético. Pertencem-nos na sua luminosa diversidade.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Hora do Planeta

Hora do Planeta dia 26 de Março de 2011 pelas 20h30min






Está na hora de dar mais que uma hora ao Planeta!
Tome uma atitude para tornar o nosso mundo um lugar melhor e partilhe a sua acção com o mundo!

Para saber mais sobre a Hora do Planeta

Trepadinha no elevador...

Para desanuviar desta crise

domingo, 13 de março de 2011

CRIATURA E CRIADOR AMBOS À RASCA!

Poderá parecer estranho a alguns seguidores atentos deste sítio o facto de, até hoje, não nos termos pronunciado sobre a manifestação da geração à rasca.


A verdade é que temos estado à rasca para pegar no assunto com “cabeça, tronco e membros” tantas são as vertentes pelas quais se pode enfocar a questão!

Nesta enrascada decidimos alinhavar algumas conclusões, aquelas que conseguimos alcançar intuitivamente.


A impressão imediata é claramente entusiástica e profundamente positiva.


Esta iniciativa da sociedade civil, exemplo de participação e resistência cívica foi tão legitima quanto rara na sociedade portuguesa.



Os portugueses estão vivos, existem e o que têm a dizer não se esgota naquilo que expressam nas urnas.

Aliás, como é perfeitamente natural, compreensível e inerente aos verdadeiros titulares da soberania.


O que não é tão natural ou compreensível é esgotar-se a soberania do povo em autênticos contratos de adesão, os programas eleitorais que se apresentam a escrutínio, como se de um contrato de fornecimento de energia eléctrica se tratasse, que “encarregam” os seus representantes de pensar, decidir e agir por todos e cada um de nós. E no fim cobrar a sua factura, independentemente do resultado obtido, da fidelidade aos poderes concedidos e do zelo revelado pelos reais interesses dos seus mandantes.


Foi curioso também o “entusiasmo” tão moderado e algo distante de muitos “opinion makers”, alguns deles muito respeitáveis, os quais, contornando os ensinamentos aristotélicos, procuraram quase sempre a árvore e as suas especificidades sem abarcarem primeiro a floresta.


Convenhamos que desse modo tudo se torna mais fácil e económico para os “opinion makers”, para a classe politica e, naturalmente, para a saúde do “sistema”.

Teríamos preferido uma visão de helicóptero, para enxergar o todo antes de se debruçarem sobre as partes.

Mas, a primeira conclusão vai desde logo para os partidos onde pretensamente se encontram acantonados todos os cidadãos, as suas vontades e expectativas, reduzindo, tal como se apresentam, toda a realidade a um tabuleiro de xadrez.


Duvidamos que os partidos, sistematicamente admoestados com os níveis da abstenção sem que alterem o que quer que seja nos seus modelos de acção, integração, organização e vocação, desta vez tenham compreendido a lição!


Aliás, sem qualquer pudor, tentaram "abarbatar-se" da iniciativa "colando-se" à mesma, porém sem sucesso! (O caso de Joana Amaral Dias tentando falar no palanque e imediatamente vaiada e apeada, é paradigmático disso mesmo!Mas também da natureza apartidária, se não mesmo contra-partidária, da iniciativa).


O mesmo se passa quanto alguns representantes das elites intelectuais que foram capazes de apontar o irrealismo ou a falta de estruturação de muitas reivindicações expressas ao longo das muitas entrevistas aos participantes, sem que se veja ou tenha visto por parte daqueles que poderão “trocar por miúdos” as envolventes técnicas das grandes questões nacionais, permitindo-lhes a sua maior apreensão pela comunidade, qualquer contributo militante de relevo tendente a dar maior consistência e estruturação à resistência civil, quedando-se habitualmente pelos meros passeios da vaidade do seu pretenso conhecimento diferenciador.


No entanto esta foi uma lição: A sociedade civil autêntica é uma realidade que é anterior aos partidos, existe, sente, move-se e lembrou a todos que está presente e indignada!


Pena é que muitos dos seus filhos, não percebendo que são genuína e naturalmente seus instrumentos a pretendam instrumentalizar, como a criatura que, sem sucesso, se sobrepõe ao criador.


Em qualquer caso, o que é facto é que quer a criatura (personificada pela classe politica) quer o criador (o todo da sociedade civil) estão ambos à rasca! Aquela dado o "atrevimento" da sociedade civil que se manifesta fora do tabuleiro do xadrez que criou e onde a enliou, esta porque, quer por via da crise, quer por boa parte das causas da mesma, está a lidar com dificuldades de todo o género e não antevê com lucidez que o cenário se venha a alterar nos próximos tempos.


Uma nota final: uma atitude civilizada e inteligente a dos agentes da autoridade que se abstiveram de uma presença provocatória, curiosamente em sintonia com as raízes mais profundas do contrato (social) que lhes empresta a autoridade, celebrado com aqueles que são os seus únicos e verdadeiros detentores: o povo!

Correio para:

Armação de Pêra em Revista

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