O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.

segunda-feira, 7 de julho de 2025

Emigrantes, integração e a defesa da nossa gastronomia

Quando se fala de emigração e integração, o debate costuma concentrar-se na língua, nos costumes, ou no respeito pelas leis e valores do país de acolhimento. Mas raramente se fala da integração ao contrário: do impacto da falta de integração do próprio país — neste caso, Portugal — no seu quotidiano, na sua identidade, e, em particular, na sua gastronomia. Em Armação de Pêra, como em muitos outros destinos turísticos do país, os restaurantes enfrentam uma escassez gritante de cozinheiros portugueses. A resposta tem sido recorrer a trabalhadores emigrantes, muitas vezes sem formação na cozinha tradicional portuguesa. Fazem o melhor que podem — e devem ser reconhecidos por isso — mas a verdade é que a nossa cozinha sofre com esta ausência de continuidade. A Dieta Mediterrânica, de que tanto nos orgulhamos e que é reconhecida como Património Mundial da Humanidade pela UNESCO, está a ser lentamente diluída. Em vez do filete de pescada com arroz de tomate, clássico das casas portuguesas, servem-se pratos de peixe indefinido com batatas fritas congeladas. A ditadura da batata frita tomou conta dos menus, como se Portugal tivesse aderido em massa ao “fish and chips”. E não, sardinhas assadas e lulinhas fritas não combinam com batatas fritas. Outro sintoma desta aculturação é a invasão das “tapas” nos menus. Em Portugal sempre se petiscou — com identidade própria, com produtos e receitas únicas. Temos salada de polvo, carapaus alimados, ovas de pescada com cebola e salsa, entre tantos outros. Para que nos serve adotar termos e conceitos de outras culturas, quando a nossa é tão rica e, muitas vezes, ignorada? É importante esclarecer: não se trata de rejeitar a presença de cozinhas internacionais, muito menos dos imigrantes que vivem e trabalham entre nós. Pelo contrário, a diversidade é bem-vinda. Mas há uma linha entre promover essa diversidade e permitir que ela substitua aquilo que é nosso, sobretudo em restaurantes que se apresentam como “tradicionais portugueses”. O turismo é, sem dúvida, um motor económico essencial para Armação de Pêra. Mas ele deve apoiar — e não apagar — a autenticidade local. Os turistas não nos visitam para comer o que já conhecem dos seus países, mas para experimentar o que nos torna únicos. Se deixarmos de ser nós próprios, se destruirmos o nosso património gastronómico, perdemos uma das nossas maiores riquezas. É urgente investir, de forma consistente, na formação dos trabalhadores das nossas cozinhas. Se não temos portugueses suficientes para estas funções, então cabe-nos formar os que cá estão. Integrar também é ensinar. E transmitir a cultura gastronómica local é uma forma poderosa de preservar a identidade. A defesa da nossa gastronomia não se pode limitar a festivais sazonais ou campanhas pontuais. Precisa de uma estratégia a longo prazo, de políticas públicas locais, de envolvimento da comunidade e, acima de tudo, de orgulho no que somos. Porque se não formos nós a cuidar da nossa identidade, ninguém o fará por nós.

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