Bom dia RRRRRRR,
Tenho visto e lido as opiniões sobre o trabalho da SIC no caso da Operação Marquês.
Primeiro relevo o facto das criticas que vieram de todo o lado, de respeitáveis jornalistas, comentadores, gente respeitada de todas as cores ideológicas e partidárias.
Devo dizer que enquanto cidadão saúdo estas posições, assim como também penso correto a defesa que você faz das decisões tomadas pela SIC. Porém, o número de criticas, a diversidade dos críticos, certamente o fez pensar que a sua posição, não é aparentemente tão forte eticamente falando, como pretende.
Isto aliás é até importante porque o que se passa com a Operação Marquês, ditará o que se fará em todos os processos passados ou futuros.
Ora vejamos o que eu penso:
Parece-me perfeitamente justificado uma investigação e uma divulgação jornalística do caso Marquês como outros no âmbito da sua importância para a comunidade, logo o tão propalado “interesse público”.
Porém, penso que o trabalho jornalístico deve ser caracterizado por uma atitude por parte dos jornalistas de rigorosa imparcialidade.
Ora divulgar e explicar o que diz a acusação, as provas que esta entende apresentar, etc , sem a correspondente possibilidade do contraditório por parte dos acusados, é inadmissível, parcial e realmente influencia, como diz António Barreto, a percepção dos leitores/espectadores sobre a culpabilidade dos acusados , violando na prática a presunção de inocência dos acusados e não contribuindo para um esclarecimento aos leitores/espectadores como merecem.
Como sabemos quer na vida (sobretudo na vida real), quer num processo judicial, há várias verdades (as diversas contextualizações de um certo numero de factos, pode sustentar, e habitualmente sustenta, várias verdades), logo o jornalista para ser isento e imparcial tem que contar as várias histórias e não apenas uma delas, seja apenas a versão da acusação seja apenas a versão da defesa, seja uma qualquer outra alternativa.
Cumprindo esta óbvia condição, não vejo qualquer problema na sua publicação, sobretudo no que respeita a processos que deixaram de estar em segredo de justiça!
Temo, não obstante, que o vosso trabalho esteja longe de cumprir esta condição essencial e portanto, objectivamente e na prática está a tomar posição por uma das partes (digo-o, objectivamente na otica do resultado, mesmo que tal não tenha sido a intenção).
Ainda, julgo eu, estamos em tempo. Nada impede que a SIC ainda possa dar á defesa os mesmos meios que deu á acusação, e assim, cumprir a condição essencial do contraditório que aliás é obrigatório no bom jornalismo EM QUALQUER NOTICIA, seja ela de que tipo fôr. Ou não será assim???
Debrucemo-nos agora sobre a transmissão quer áudio dos interrogatórios, quer a das imagens dos mesmos.
Lamento mas não concordo com os seus argumentos que realmente não colhem e atrevo-me a dizer que a sua publicação seria, talvez, justificável, no Correio da Manhã, onde vale tudo, mas a sua publicação na SIC ou no Expresso apenas afecta a credibilidade do jornalismo de referência, ponto final.
Argumentar que os acusados sabem que foram gravados e filmados, desculpe mas não é intelectualmente honesto da sua parte, porquanto:
As gravações efectuadas no âmbito das regras processuais obrigam á sua gravação para memória futura e portanto os acusados NÃO PODEM NEGAR essa gravação. Não há portanto qualquer consentimento mas apenas e só um cumprimento de uma norma processual a que os interrogados não se podem recusar.
Todavia, a divulgação pública, quer das entrevistas em áudio quer em video, á luz da ética e também da lei (falaremos mais tarde), são totalmente inaceitáveis sem o consentimento dos próprios.
Lembro-lhe apenas do caso CML/ Braga Parques, em que o vereador da Câmara gravou uma entrevista com o membro da Bragaparques em que ele alegadamente o tentava corromper.
A referida gravação foi entregue á polícia como prova evidente do crime.
O resultado foi que não só a prova não podia ser utilizada por ter sido obtida ilegalmente (entre outras razões legais, também dado o desconhecimento e a falta de consentimento por parte do acusado), razão pela qual o vereador da Câmara foi mesmo condenado, voltando-se o feitiço contra o feiticeiro!!!
Há ainda uma outra razão para repudiar a exibição das imagens dos interrogatórios: é que a publicação NÃO ERA DE TODO NECESSÁRIA para o êxito da reportagem (no sentido de prosseguir o interesse público).
Tratou-se, portanto, lamento dizê-lo, de “showbussiness”, captura de audiências e negocio publicitário, um degradante “apimentar” da reportagem, custe o que custar a quem quer que seja.
Entendo, como muitos outros, que vocês foram longe demais e “alinharam “ na publicação de um espetáculo degradante, indigno da SIC e dos seus autores, tendo em conta a condição de gente de referência que manifestamente vocês realmente são.
Mas, lamento esta vossa decisão, da forma como foi feita, porquanto, além de ter atingido quem não se pôde defender porque não lhes foi aparentemente oferecida essa possibilidade, atingiu também e sobretudo a vossa reputação, ponto final.
Mas mesmo que ignoremos o acima dito, existe ainda uma razão formal e legal para que as reportagens dos interrogatórios não devessem ser publicadas.
Embora já não haja segredo de justiça, as imagens dos interrogatórios NÂO ESTÃO AUTORIZADAS a serem publicadas. (COMO RECONHECEU O SEU COLEGA Martim Silva em artigo de ontem no Expresso);Portanto há uma clara violação ao se publicar imagens não autorizadas pelos próprios e proibidas pelas autoridades judiciais, ponto final.
Sabe, R?????, eu vivi na Alemanha e verifiquei que a inexistência de limites de velocidade nas autoestradas não contribui em nada para a existência de acidentes, pelo que não concordo com os limites de velocidade nas autoestradas e entendo que em nada defendem o interesse público.
Esta circunstância, não me autoriza a violar a lei por mais estúpida que ela seja.
Os jornalistas são cidadãos iguais perante a lei a qualquer cidadão, pelo que não podem violar as regras, ponto final.
Dir-se-á que ás vezes têm que se violar as regras para informar e defender o interesse público. Discordo! só em situações de emergência social grave, mas mesmo admitindo que é disso que estamos a tratar, o que não é verdade, neste caso, a publicação das imagens NÃO ERA, de todo, necessária para explicar aos leitores/espectadores, o referido processo judicial.
Insisto, trata-se de aproveitamento de oportunidade comercial e , desculpe dizê-lo absolutamente asquerosa.
A diferença entre a Barbárie e o Estado de Direito consiste precisamente no facto de, neste último: as regras são cumpridas, porquanto, quando vivemos em democracia na qual as leis são produzidas e aprovadas pelos representantes eleitos dos cidadãos, logo, são de reprovar de forma firme, os populismos que grassam na nossa sociedade e noutras e também os vícios da justiça que a renegam.
Condenem-se o criminosos e exemplarmente, mas cumprindo as regras designadamente protegendo as garantias constitucionalmente previstas e as não escritas que fazem parte dos princípios da Constituição MATERIAL do Estado de Direito, caso contrário permaneceremos na Barbárie!
Estado de Direito este que nos leva a afirmar convictamente que: mais vale um criminoso em liberdade que um inocente na prisão!
Os media têm realmente muito poder e ainda bem porque ao longo da História têm dado provas da sua utilidade como contrapoder aos outros poderes formais e instituídos, defendendo os cidadãos, denunciando injustiças, crimes, etc.
Há muito que no mundo civilizado são tidos como o Quarto Poder.
Porém, sem contradizer, o que é facto é que, com tantos meios, esse Quarto poder, bem que poderia substancializar mais e melhor o poder que efetivamente poderiam ter, mediante uma intervenção muito mais pedagógica na divulgação da informação, sem prejuízo do direito à opinião.
Por outro lado, não posso esquecer uma coisa que aprendi na minha vida profissional; É que, quanto mais poder possuímos, mais cuidado, parcimónia, qualidade e critério devemos ter no exercício desse poder, porque quanto maior ele é mais as nossas decisões têm efeitos POTENCIALMENTE MAIS GRAVOSOS e sobre um conjunto maior de pessoas.
Não foi, lamento dizê-lo, um momento feliz!
Obrigado pelo seu tempo
Abraço
JJJ
O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.
quarta-feira, 25 de abril de 2018
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