Tem sido notícia durante algum tempo, e sê-lo-á, previsivelmente durante algum mais.
Em metropolitano rápido da História:
A Catalunha (que também tem território do lado francês, de que ninguém fala, tal como o País Basco), integrou o Reino de Aragão, no século XII, após união dinástica com o Condado de Barcelona, o qual Reino, por sua vez, se uniu a Castela – que entretanto já tinha integrado as Astúrias, o Reino de Leão e se expandia pela Andaluzia até ao mar – ao tempo dos Reis Católicos, Fernando e Isabel, o qual tinham juntado esforços para conquistarem ambos, o Reino de Granada, grande parcela de território que restava aos muçulmanos, desde que estes tinham posto pé na Península Ibérica, em 711, com Tárique.
1.Em 1492, ficou formada a Espanha, a qual veio a aglutinar também o Reino de Navarra, em 1512, ao passo que obtinham a soberania sobre as Ilhas Canárias, pelo Tratado de Alcáçovas/Toledo, de 1479/80, celebrado ainda em vida do rei D. Afonso V.
2.Na Catalunha manteve-se sempre algum espírito independentista, havendo revoltas severas em 1639 e 1705, que foram esmagadas militarmente.
3.A primeira aproveitou à Restauração da completa independência portuguesa, em 1640, embora os dois casos sejam em muito, distintos.
Após o século XVIII, o Iluminismo e a Maçonaria tiveram grande proeminência na Catalunha apesar da repressão exercida.
A Catalunha, com uma área de 32.114 Km2, dispõe actualmente de 7,5 milhões de habitantes, dos quais apenas metade será oriunda de sangue e nascida no território. Tal representa respectivamente 6,3% do território espanhol e 15,7% da população.
Muitos outros catalães (não se sabe quantos) estarão disseminados pelo resto da Espanha.
Desde o princípio do século XX despontou na Catalunha uma forte corrente comunista e anarquista que teve grande influência na guerra civil espanhola entre 1936-1939, e que ficaram derrotados no fim do conflito tendo sofrido uma repressão posterior apreciável.
Com a morte do Generalíssimo Franco, em 20 de Novembro de 1975, e na evolução política e social que se lhe seguiu, a Catalunha veio a usufruir de uma ampla autonomia – talvez a mais ampla de todas, que ficou consignada na Constituição de 1978 e cuja democraticidade ninguém até hoje contestou – tendo a região de Barcelona passado a ser concorrente e desafiadora de Madrid, e não poucas vezes, adversária.
Agora está a querer tornar-se inimiga.
Em 1994, a completa autodeterminação de Andorra veio, também, incentivar os instintos independentistas de Barcelona.
Esta autonomia que, penso, foi levada longe demais pela permissibilidade do Estado Espanhol, teve a sua origem próxima, na irresponsável independência do Kosovo, em 17 de Fevereiro de 2008, forçada pelos EUA, e que o governo de Madrid foi dos primeiros a não reconhecer – o que se mantém até hoje – e no reforço das forças esquerdistas na política catalã o que condiciona o tratamento do tema em grande parte dos “média” ocidentais, dominados por tais tendências ideológicas.
A questão catalã não configura obviamente nenhum caso de colonialismo, como os definidos após a Segunda Guerra Mundial e constam da Carta da ONU.
Mas independentemente de tudo mantém-se o princípio de autodeterminação dos povos.
Esta autodeterminação pode conseguir-se pela integração (no Estado actual ou noutro), ou emancipação e tal ser conseguido por meios violentos ou por referendo.
Ora a questão neste caso como em todos – e não vamos aqui discutir quem tem razão ou deixa de ter – é que se uma população, por razões de religião, rácicas, culturais, sociais ou outras, ganha uma consciência nacional que a leva a querer libertar-se do controlo político de outra entidade, vai ter de lutar para o conseguir. E, na maior parte dos casos, vai ter que verter o seu sangue para obter tal desiderato.
Isto não tem nada a ver com Democracia, nem com “Estados de Direito Democrático”, é escatológico, ou seja, tem a ver com o princípio e o fim das coisas.
Por isso é que eventuais consequências são secundárias aos fins em vista, havendo apenas que os pesar em termos de Estratégica, ou seja, em termos de saber se os meios existentes conseguem atingir os fins e subsistir.
Ora o que não tem sido devidamente sopesado e evidenciado é que, se os catalães têm o direito de querer ser independentes (e não se sabe qual é a sua real expressão), o resto da Espanha também tem o direito a se lhes opôr. Ou não será assim?
E, no fim, se chegarem a tanto, será a força (isto é o poder de coação) a impôr a sua lei.
4.É evidente que à luz do Direito espanhol (e, até, Internacional) o referendo ou a declaração de independência, são ilegais.
Por isso o uso de violência pela Polícia e Guardia Civil, espanholas – resta ver o que acontecerá quando e se, enviarem o Exército – é perfeitamente lógica e decorre da natureza das coisas (e também do que afirmou o Brito Camacho…).
O que é de admirar é que ainda não tenha morrido ninguém. Mas lá chegaremos.
Porém é raro, se é que em algum caso, se tenha declarado uma independência sem dor…
5.E já repararam o que pode acontecer ao actual ReiA Soberania é uma coisa séria e tem que ser levada a sério. Parece que só em Portugal é que se deixou de perceber isto.
Acontece que pela História e situação geográfica, Portugal não pode ficar neutro em toda a questão nem vai conseguir “desenfiar-se” como fez com a questão do Kosovo.
Mas isso ficará, talvez, para uma próxima oportunidade no de Espanha se tergivizar neste caso face às 17 comunidades autónomas e duas cidades autonómicas (Ceuta e Melilla) em que se dividiu?
Se houver conflito, os diferentes países que constituem o Planeta Terra, apoiarão uma ou outra parte e a maioria ficará neutra, pois o conflito não os afecta.
O silêncio que se ouve na UE e nos governos do mundo inteiro é sinal da incomodidade que a situação provoca.
6.Os apelos que se ouvem para obstar à violência são inúteis e supérfluos, numa situação destas. É evidente que irá haver violência, de um lado e de outro.
1 Convém lembrar que o Reino de Aragão se tinha expandido para sul, até Valência, e no Mediterrâneo, conquistando as Ilhas Baleares e a metade sul da Península italiana, a Sicília e ainda conseguiram criar os Ducados de Atenas e Neopatia (entre 1311 e 1390)!
2 O Reino de Navarra foi fundado no século IX e continha territórios de ambos os lados dos Pirenéus, incluindo o País Basco desde o século XII.
A parte francesa foi anexada em 1620 e definitivamente incorporada em 1789. A parte espanhola manteve um vice-rei até 1841.
3 A revolta de 1640 durou até 1652 e ficou conhecida pela “Guerra dos Segadores”, contra o domínio de Filipe IV; O conflito de 1705 nasceu da Guerra da Sucessão de Espanha e só terminou em 11/09/1714. Este dia passou a ser considerado como o dia nacional da Catalunha.
4 Existem vários tipos de coação, a saber: política, diplomática, económica, financeira, psicológica e militar.
5 A não ser na “Descolonização” portuguesa em que, na prática, se obrigou a população dos vários territórios ultramarinos a ser independentes mesmo naqueles onde não se tinha disparado um tiro, como foi o caso de Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe e a empurrar a de Macau para os braços da China…
Ao passo que se reconheceu a escabrosa anexação militar do Estado Português da Índia pela União Indiana. Malhas que o mal fadado fim de império teceu!
6 Apenas o Presidente Russo foi lapidar no que disse, por sinal aquando da apresentação de embaixadores estrangeiros entre os quais o português: “Estamos muito preocupados com a situação na Catalunha, mas isso é um problema interno da Espanha”…
João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador
O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.
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