Por corresponder rigorosamente ao entendimento do blog "Cidadania" sobre os recentes acontecimentos na politica brasileira, decidimos transcrever parte do artigo abaixo identificado.
2 Lula
da Silva foi o melhor Presidente que o Brasil teve desde, pelo menos, Jucelino
Kubitscheck.
Num pais onde só
existiam praticamente duas classes – a dos milionários e a dos miseráveis -,
ele ocupou-se destes e tirou 14 milhões de brasileiros da miséria mais
absoluta, dando-lhes casa, pão, electricidade e escola e vacinas aos filhos.
Mas ele e Dilma deixaram para trás a emergente e incipiente classe média, a que
apenas exigiram impostos sem nada darem em troca. É essa classe média, atingida
em cheio pela desaceleração da China e pela queda do preço das matérias-primas,
que agora está nas ruas contra o PT.
Fartos de esperar por um pais que falha sempre o encontro com
o seu destino.
Anda a nossa direita toda contente com as desventuras do PT
brasileiro porque julgam que assim podem continuar a ajustar contas com
Sócrates, por interposto Lula, e varrer dos livros da História o sucesso da
governação de esquerda que Lula levou a cabo e que o mundo inteiro teve de
reconhecer. Não sei se Lula está ou não envolvido nas coisas de que a justiça o
acusa, mas sei que a pretensão de resumir à corrupção do PT e ao “Lava-Jato”
todos os problemas do Brasil revela uma grande ignorância. No topo, como o
demonstrou o “Mensalão”, a corrupção deriva directamente de um sistema
constitucional que, na prática, impede qualquer Presidente de governar sem de
alguma forma comprar votos no Congresso. Mas o problema da corrupção no Brasil
vai muito para além disso, pois começa no policia de patrulha e continua no
médico do hospital. É um problema endémico e cultural, um veneno espalhado por
toda a sociedade brasileira e cuja solução não é adivinhável. O “Lava-jato” não
vai deixar pedra sobre pedra de todo o edifício político, administrativo e
económico do Brasil. E depois?
Numa situação de decomposição geral em que todo o país vive
hoje, a justiça podia funcionar como uma salvaguarda: o Estado de direito face
ao estado de corrupção moral generalizada.
Mas o que se tem visto é outra coisa: a tentação de fazer a
justiça que a rua e alguns media exigem leva a espezinhar princípios
fundamentais de uma sociedade democrática regida pela lei. É sintomático que a
Ordem dos Advogados Brasileiros tenha sentido a necessidade de lembrar o
fundamento de tudo: ”Os fins nunca justificam os meios”. Porque há quem julgue
que sim...até ao dia em que lhes baterem à porta. Há quem julgue que vale tudo
e que os juízes justiceiros não devem deter-se em detalhes enquanto não puserem
atrás das grades os que a rua e a imprensa tabloide julgou culpados. Já vimos
este filme vezes suficientes para poder ignorar que acaba sempre mal. Num
Estado de direito a sério não é tolerável que o juiz de instrução seja também o
que faz o julgamento e dita a sentença. Não é tolerável que ordene e divulgue
escutas entre um suspeito e o seu advogado. Não é tolerável, ao contrário do
que aqui dizia na semana passada o representante sindical dos juízes
brasileiros, que as escutas sejam divulgadas publicamente como forma de
incentivar os julgamentos populares. Não é admissível, sob pena de qualquer
país ser ingovernável, que um simples juiz de instrução possa escutar as
conversas do Presidente da República e divulga-las para a imprensa, ao sabor da
sua conveniência processual. Não é admissível, lá como cá, que as pessoas sejam
presas para prestar declarações, inexistindo qualquer indício de fuga à
justiça. É impossível não questionar, jurídica e eticamente, a figura da
“delação premiada”, que pune o legitimo direito de negar a acusação, premiando
os delatores, e sem qualquer garantia da veracidade do que se diz para salvar a
pele. E, obviamente, só os incautos ou os de má-fé podem achar natural que um
juiz de primeira instância (ainda para
mais publicamente engajado contra um político) impeça esse político de tomar
posse como ministro, sem que isso ponha em causa de forma frontal o principio
da separação de poderes e abra caminho a essa coisa que a direita detesta ouvir
mas que é a qualificação adequada: uma República de Juízes. Sim, eu também acho
que Lula nunca devia ter aceitado o expediente de que lançou mão para poder
abrigar-se atrás de um tribunal superior e tendencialmente menos influenciável.
Mas isso é fácil de dizer quando não se está numa situação em que se sente que
o jogo é desigual e politicamente motivado.
O Brasil está à beira do abismo, e ninguém sabe como tudo
isto vai acabar. Mas seria bom que os que têm mais responsabilidades, queiram
ou não a condenação de Lula e do PT ou o impeachment
de Dilma, não arrisquem deitar fora a criança com a água do banho. Que, por
inadvertência ou desforra, não estejam a preparar o caminho para um golpe
militar, que depois lamentarão “democraticamente” – como sucedeu com Carlos
Lacerda, em 67, depois de realizar a bestialidade da ditadura militar que os
seus inflamados escritos contra o governo constitucional de João Goulart
ajudara a preparar. Um Brasil de novo fechado pelos militares 8e eles não precisam
de muito para serem convencidos...) seria a desgraça final. Excepto para os que
acham que é mais importante garantir a prisão de Lula a qualquer custo do que
evitar que a democracia também vá presa.
Miguel Sousa Tavares,
in “Expresso” de 25 de Março de 2016, excerto do artigo intitulado “O Terror e
o Medo”
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