O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.
sábado, 5 de janeiro de 2013
Pôr dinheiro onde estão as palavras
Por Paul De Grauwe*
É esta a época do ano em que normalmente sou solicitado para fazer previsões para 2013. Que probabilidades existem de a União Europeia e Portugal saírem da recessão durante este ano? Será este o último ano da Grécia na zona euro? E por aí fora.
Quando os jornalistas me colocam estas questões, devo admitir que não sei e não hesito em confessar a minha ignorância. A pior coisa que um economista pode fazer é não reconhecer o seu desconhecimento e fabricar uma história para consumo do jornalista. Infelizmente, isso acontece demasiadas vezes.
Veja-se as previsões que se fizeram em 2012 relativamente à saída da Grécia da zona euro. O economista-chefe do Citibank fez essa previsão. Havia 90 por cento de hipóteses de que isso acontecesse em 2012, como ele previu no início do ano. Mas não aconteceu. Agora, calcula a saída do euro por parte dos gregos em 60 por cento de possibilidades. Que utilidade têm previsões destas?
As probabilidades de 90 ou 60 por cento não têm o mínimo valor preditivo. O número 90 refletia apenas um vago pessimismo quanto ao futuro da zona euro, que se manifestava no início do ano passado. Esse pessimismo aligeirou-se, o que dá os 60 por cento. Estas probabilidades medem as emoções de quem prevê, especialmente o seu pessimismo ou otimismo. E essas emoções estão sujeitas e grandes flutuações.
As probabilidades só têm um valor de previsão quando se baseiam em observações regulares e frequentes de um determinado fenómeno. Veja-se, por exemplo, a probabilidade de eu morrer durante este ano. Todos os anos morrem milhões de pessoas. As muitas observações do fenómeno tornam possível calcular tabelas de mortalidade que dão a probabilidade de um homem branco, casado, com certos padrões de doença, determinada ocupação, rendimentos, etc., morrer em 2013. Mantenho a minha paz de espírito não consultando as tabelas. Mas estas contêm um valor preditivo que é independente das emoções de quem prevê (ou das minhas).
Não temos observações do género acerca da possibilidade de um “Grexit”, a saída da Grécia da zona euro. O abandono de um país da união monetária é um fenómeno único. Não temos observações passadas. A união monetária na Europa é em si um fenómeno histórico único, quanto mais a saída de um país dessa união. Não há observações estatísticas sobre fenómenos similares no passado que nos permitam fazer previsões acerca do abandono possível da Grécia, ou de Portugal, para o caso tanto faz.
No século XIX, houve algo como uma união monetária latina, mas não era uma união de moeda única, como a zona euro. Não existia um banco central. Cada país mantinha a sua divisa. Havia um acordo limitado sobre o número de moedas de um país que seria aceite nos outros. O que aconteceu com a união monetária latina não pode ser usado como informação para prever o que se vai passar na zona euro.
Os economistas não podem fazer previsões úteis sobre fenómenos que são únicos do ponto de vista histórico. O que os economistas podem fazer são previsões condicionadas. São previsões “se isto, logo aquilo”. E é preciso ter muito cuidado a fazer previsões assim, mas os economistas escudam-se normalmente quando fazem tais previsões.
Fiz uma previsão “se” no ano passado quando escrevi que, se o Banco Central Europeu não interviesse nos mercados de dívida soberana, o caos nestes mercados ficaria fora de controlo e levaria à implosão da zona euro. O Banco Central Europeu agiu por fim em 2012 e comprometeu-se a dar suporte financeiro ilimitado nos mercados da dívida soberana da zona euro. Este anúncio teve um efeito excelente e estabilizou os mercados. A minha previsão condicional não se cumpriu.
Por isso, deixem-me fazer mais uma previsão “se”. O BCE acaba de anunciar que vai intervir nos mercados de obrigações. Este anúncio foi suficiente para estabilizar estes mercados. Mas isto não vai durar para sempre. À medida que a recessão em Espanha e em Portugal mostra poucos sinais de diminuir, a situação orçamental não melhorará nestes países de forma significativa. Isto vai obrigar a intervenções efetivas do BCE. Se o BCE não realiza estas intervenções depressa, em breve estaremos com problemas. Portanto, o BCE vai continuar a ser um ator chave na zona euro. A promessa de agir que fez em 2012 vai obrigá-lo a agir mesmo em 2013. Espero que o BCE não hesite e ponha dinheiro onde ontem pôs palavras.
*Professor da Universidade Católica de Lovaina, Bélgica, in “Expresso” de 05.01.13
Tradução de António Costa Santos
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