O
sr. Selassié, cujos patronímicos lembram os do antigo imperador da Etiópia, deu
uma entrevista a jornalistas solícitos e zelosos, como se fosse o procônsul
destoutro império. Se calhar é, e nós não queremos acreditar. Há, neste triste
assunto, a absurda qualificação atribuída a um funcionário europeu, e a
subserviência exasperante de quem devia respeitar, seriamente, as funções de
jornalista, escalonando as prioridades de noticiário. Mas as coisas, neste
país, estão como estão. A expressão da mediocridade coincide dramaticamente com
as características de quem a promove. E o servilismo tomou carta de alforria. É
um espectáculo deplorável assistir-se ao cortejo de subserviências quando os
escriturários da troika vão ao Parlamento ou aos ministérios.
Somos
tratados com displicente condescendência. Afinal, numa interpretação lisa e,
acaso, aceitável, somos os pedintes e eles os curadores dessa nossa triste
condição. A ela temos de nos sujeitar. Selassié produz afirmações tão
extraordinárias quanto ignaras acerca do que somos, de quem somos e de como
havemos de ser. O pessoal do Governo demonstra uma felicidade esfuziante com o
convívio, e até Paulo Portas o admite, embora pouco à vontade. Aliás, não se
percebe muito bem até onde o presidente do CDS vai suportar, com frustrados
sorrisos, os permanentes vexames a que o submetem.
As
declarações do sr. Selassié, que, na normalidade de situações políticas, nem
sequer devia ser ouvido, só não são injuriosas porque imbecis. Já a senhora
Merkel, num despudor acarinhado pelo reverente Passos Coelho, afirmara o íntimo
e estremecido desejo de ver os portugueses muito felizes. Os comentadores do
óbvio, emocionados, calaram fundo este auspício.
O
povo, a nação, o próprio conceito de pátria estão subalternizados pelo
comportamento desprezível de uma casta de emblema republicano na lapela, que
passa ao lado das indignações, dos protestos, da miséria e da fome dos outros.
A frase famosa de Passos Coelho, "custe o que custar", para
justificar os desmandos da sua política, configura uma ideia de confronto,
absolutamente detestável. A violência do discurso do poder e a prática
governamental reenviam, na ordem da democracia política, para algo que excede o
funcionamento processual. Parece que Pedro Passos Coelho incita à cólera e estimula
o conflito, acaso para "fundamentar" e "legitimar"
ulteriores acções repressivas. A indiferença da sua conduta não se harmoniza
nem combina com o ideário democrático, sobre o qual tripudia com desprezo e
arrogância. Este homem não nos serve, não serve o País, nada tem a ver com algo
que nos diga respeito, é incompetente e sobranceiro.
Quando
estrangeiros como Angela Merkel e Abebe Selassié dizem o que dizem, com a
aquiescência de um Governo mudo, há qualquer coisa de podre na sociedade.
(Por
decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo
Ortográfico)
In:
“Diário de Noticias” de 28.11.2012
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