A reforma do Estado
social português - Não está na nossa inteira disponibilidade a reforma do
Estado social português: a evolução negativa das bases fundamentais da sua
sustentação - económicas, financeiras e demográficas - tornam-na imperativa e
inadiável, como antes já procurou demonstrar-se. Há duas décadas teria tido
custos, mas toleráveis; hoje será penosa para alargados estratos da nossa
sociedade e provocará ‘feridas’ insanáveis; mais tarde poderá reduzir-se a
prestações, pouco mais que simbólicas, sem coerência, sem segurança, sem
regularidade e sem justiça. Perante esta realidade é preocupante a ligeireza
com que alguns responsáveis (?) políticos continuam a proclamar a possibilidade
da sua manutenção, sem limites e sem mudanças; pensam e agem como se estivesse
assente em alicerces comprovadamente sólidos, quando são evidentes as fraquezas
da sua base de sustentação financeira. Estamos perante um perigoso embuste, há
anos repetido sem escrúpulos.
Perspetivas sobre o
crescimento económico - Uma rápida e forte aceleração da nossa economia seria a
única via suscetível de mitigar os efeitos a produzir por uma drástica reforma
do Estado social. Infelizmente, não nos encontramos em condições de acalentar
quaisquer expectativas favoráveis que o permitam. Na verdade, ocorrem três
principais ordens de razões para que assim seja - 1) os entraves ocasionados
pelas políticas que nos conduziram à pré-falência e à tutela estrangeira; 2) a
insuficiência dos resultados obtidos, até agora, pela ação do atual Governo, em
áreas essenciais; e 3) as profundas modificações trazidas pela globalização,
com efeitos muito negativos e, provavelmente, já irreversíveis, sobre as
economias desenvolvidas do Ocidente.
Os entraves
acrescidos pela pré-falência do nosso Estado - Nos derradeiros 30 anos e década
após década, a taxa de crescimento do PIB português caiu sempre: 3,6%
(1980-90); 2,9% (1990-2000); e 0,6% (2000-10). Em contrapartida, e como se sabe,
as políticas de despesa pública ignoraram este comportamento económico e o
insuportável endividamento público, arrastando o Estado para a pré-bancarrota e
a tutela exterior. Emergiram, em consequência, alguns fortes constrangimentos,
a saber: a falta de financiamento da economia, ou, quando disponível, feito a
taxas proibitivas; os impostos aplicados, que atingem níveis antes
desconhecidos; a quebra profunda da procura interna, com efeitos arrasadores no
consumo; a desconfiança que afugenta o investimento; um temor crescente da
sociedade perante o seu futuro; a descapitalização total da maioria das
empresas. Sendo esta uma síntese, ainda assim incompleta, do pano de fundo que
envolve a nossa economia, é essencial mudá-lo rapidamente, como condição indispensável
para a atração do investimento.
As verdadeiras
prioridades políticas, não concretizadas - Tendo em conta as circunstâncias
desfavoráveis e globais em que nos encontramos, impõe-se, urgentemente, a
aplicação de políticas nas seguintes áreas: na do ajustamento das contas
públicas; na da reforma do Estado social; e na das reformas estruturais, em
especial nos domínios laboral, fiscal, burocrático e judicial. Temos por certo
que, desde o início de funções, estas políticas deveriam mobilizar por completo
as atenções e a ação do Governo. Acontece, porém, que ainda não se avançou, em
medida suficiente, em qualquer das três direções: o ajustamento das contas
públicas e o cumprimento dos défices não foram conseguidos, em absoluto, mesmo
com receitas extraordinárias; do Estado social irá cuidar-se só agora, sem
reflexão profunda, sem planificação adequada, sem método e à pressa; as
reformas estruturais evoluem devagar e desligadas, sem objetivos e prazos
conhecidos. Resumindo, as condições internas e mínimas para a aceleração
económica, a um ritmo compatível com um futuro satisfatório, não existem.
A globalização e a
desindustrialização do Ocidente desenvolvido - Na sua generalidade, as nossas
elites vivem obcecadas com os problemas do euro, muito convictas de que,
solucionados aqueles, voltaríamos rapidamente aos bons tempos da grande
prosperidade. Temos as maiores reservas face a esta posição, sem duvidar da
grande importância de que se reveste a questão monetária dos 17: assumimo-la
como necessária mas não suficiente. Porquê? Porque a deslocalização maciça das
indústrias transformadoras para fora da sua área, em busca permanente da mão de
obra que se mostre mais barata, roubou ao Ocidente a produção industrial com
alta produtividade, que absorve um elevado número de trabalhadores com aptidões
médias, empregos estáveis e satisfatoriamente remunerados. Foi com esta
economia de base industrial que no Ocidente se criaram e sustentaram as
numerosas classes médias e se esbateram progressivamente as diferenças entre
ricos e pobres. Pretendeu-se deslocar para as tecnologias da informação e
outros serviços qualificados os motores do crescimento económico. Mas estes
criam poucos empregos e exigem saberes especializados. À margem destes restam
os serviços pouco qualificados, de baixa produtividade, pouco estáveis, mal
pagos e geradores de vidas difíceis, fonte das crescentes desigualdades que
ocorrem hoje nas nossas sociedades. Quer dizer: passámos a comprar no
estrangeiro aquilo que produzíamos e ficámos com os desempregados, ou com os
empregados mal pagos, que agora trabalham nos serviços. É difícil perceber
isto, que nada tem que ver com o euro? Assim, solucionado que fosse o problema
da moeda, continuaríamos a comprar lá fora o que antes produzíamos, deixando no
desemprego, ou em serviços pouco qualificados, os que saíram da indústria.
O afundamento das
economias ocidentais a partir de 2001 - A globalização/desindustrialização
produziu o recuo daquelas economias (ver quadro PIB em Volume). Nenhum país
escapou e os principais registaram quedas significativas. A zona euro desce de
um crescimento médio anual de 2,6% (1986-2000) para 1,1% (2001-2010); e os EUA
de 3,3% para 1,7%, respetivamente. Perto de 60% o tombo dos 17 e perto de 50% o
dos EUA. No nosso país baixou-se de 3,8% para 0,7%, nesses períodos, o que
corresponde a uma descida da ordem dos 80%! Não surpreendem os nossos registos
muito negativos quando se tenha presente o aceleradíssimo recuo do peso da
indústria no nosso PIB: 39% em 1980; 38,2% em 1990; 20,4% em 2000 e 17% em
2010. Em 20 anos (1990-2010) - 21,2 pontos percentuais. Resumindo: a passagem
em curso de economias industrializadas para outras terciarizadas, no nosso
Ocidente, deixa já um rasto dramático de efeitos. Um imenso desastre está em
curso no Ocidente desenvolvido, sem que se eleve a voz de um único alto
responsável, de dentro ou de fora. É que já não há responsáveis,
verdadeiramente!
Um exercício sobre
o futuro da economia e o futuro do Estado social português - Os limites dos
benefícios concedidos por este dependem, decisivamente, da economia e da
demografia. Já ninguém põe em causa, entre nós, que a baixíssima taxa de
natalidade e a crescente longevidade constituem uma séria ameaça para a
sustentação daquele Estado. Quanto à condicionante económica, poucos se
preocupam. É possível que, para esse alheamento, concorram as garantias
constitucionais existentes e a expectativa do aparecimento, na governação, de
gente com apurada sensibilidade social. Por isso, justifica-se o exercício
expresso no quadro Projeções sobre Receitas e Despesas, que assentou no
seguinte: a) Previsão de crescimentos económicos anuais de 0,5% (2010-2015) e
de 1% (2015-2020), na Hipótese A e de 1% e 2%, respetivamente, na Hipótese B;
b) Nível de fiscalidade de 35% do PIB em 2015 e 2020; c) Outras receitas públicas
equivalentes a 6% do PIB em 2015 e 2020; d) Endividamentos (défices)
correspondentes a 0,5% do PIB nesses anos; e) Despesas com juros previstas no
DEO; f) Despesas sociais, de valor igual ao de 2010, em 2015 e 2020 (38,3 mm€);
g) Para todas as restantes despesas públicas, o remanescente permitido pelo
peso dos juros e pelas despesas sociais.
Conclusões a
extrair do exercício - Os gastos com os juros e a manutenção das despesas
sociais no valor de 2010 (38,3 mm€) limitam os montantes disponíveis para todas
as outras despesas públicas: assim, e no futuro, ou se reduzem drasticamente
estas despesas ou o Estado social não poderá crescer nem sequer manter-se ao
nível de 2010. Goste-se ou não, a preservação do Estado social, nos seus atuais
termos, não será viável sem um dinamismo económico muitíssimo maior, não
provável nas circunstâncias conhecidas e nas previsíveis. Com a economia deste
início do século XXI ninguém manterá o nosso ‘social’ tal como é.
Medina Carreira in Expresso de 17/2/2013
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