O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

A crise do euro terminou? por Paul Degrauwe



A maior ameaça para a zona euro hoje em dia não advém da instabilidade financeira mas da potencial instabilidade social e política resultante da depressão económica e do desemprego


O último ano assistiu a mudanças fundamentais no funcionamento da zona euro. A mais importante foi a decisão do Banco Central Europeu (BCE), anunciada em junho e aplicada em setembro, de se comprometer a comprar sem limites dívida dos governos da zona euro em tempo de crise. Esta foi decididamente uma mudança de regime.

Do que o sistema precisava era de um credor de último recurso. No ano passado, o BCE avançou e comprometeu-se a ser este credor. Ao fazê-lo, afastou o perigo existencial que existia na zona euro e desestabilizava o sistema. Antes da decisão do BCE, os investidores temiam o colapso da zona euro. A nova posição do BCE reduziu este medo existencial que estava a destruir a zona euro.

Significa isto que a zona euro está segura? A curto e médio prazo, sim. A longo prazo, não. A maior ameaça para a zona euro hoje em dia não advém da instabilidade financeira mas da potencial instabilidade social e política resultante da depressão económica para a qual foram empurrados os países da Europa do Sul e da qual resultam níveis de desemprego nunca vistos desde os tempos da Grande Depressão. Em certos países do sul da zona euro a taxa de desemprego está hoje bem acima dos 20%. O desenvolvimento mais dramático é o aumento do desemprego juvenil que está na Grécia e Espanha acima dos 50% e em torno dos 30-40% em Itália e Portugal. Se a situação não for depressa revertida, pode levar a uma agitação social e política em sociedades que se tornaram incapazes de dar um futuro aos seus cidadãos mais jovens.

Portanto, o acontecimento mais relevante de 2012 é a mudança da natureza dos riscos na zona euro. No início desse ano, os riscos eram principalmente financeiros, isto é, havia um risco de alguns governos poderem não conseguir dinheiro para pagar aos detentores de títulos do tesouro. O BCE resolveu esse problema. No início de 2013 o risco tornou-se social e político. É o risco de, em certos países, o aumento contínuo do desemprego e o declínio dos rendimentos efetivos levar a juventude desesperada a dar ouvidos aos políticos que lhes prometem uma vida melhor fora da zona euro.

Este estado de coisas é resultado de profundos erros de gestão macroeconómica na zona euro. As políticas macroeconómicas na zona euro têm sido ditadas pelos mercados financeiros. Os países da Europa do Sul são os que acumularam no passado défices da balança comercial, enquanto que os países do norte acumularam excedentes. Por isso, os países do Sul tornaram-se devedores e os do Norte credores, neste sistema. Isto forçou os países do Sul a implorar aos do Norte apoio financeiro. Estes acederam com relutância, mas apenas depois de imporem apertados programas de austeridade que forçaram os devedores a profundos e rápidos cortes de despesa.

Os cortes de despesa a Sul eram na verdade necessários. Mas foram impostos de forma demasiado drástica e apressada. Por outro lado, e mais importante ainda, os países do Norte não quiseram acompanhar a redução de despesa do sul com um aumento dos seus gastos. A austeridade necessária imposta aos países da Europa do Sul poderia ter sido compensada com um estímulo da procura nos países do Norte. Em vez disso, sob a direção da Comissão Europeia, os países devedores foram obrigados a uma dura austeridade, ao mesmo tempo que os credores prosseguiam na condução de políticas destinadas a equilibrar os orçamentos.

Portanto, pode concluir-se que o fardo dos ajustamentos aos desequilíbrios na zona euro entre devedores e credores foi suportado exclusivamente pelos países devedores da periferia. Isto cria um desequilíbrio deflacionário que explica por que motivo desde 2012 a zona euro tem sido mergulhada numa recessão duplamente profunda.

Há um risco real de os cidadãos dos países do Sul da Europa que são sujeitos a prolongadas contrações económicas que colocam o desemprego a níveis nunca vistos desde 1930 se revoltarem e rejeitarem um sistema que lhes foi apresentado como promessa do paraíso económico. É este o novo risco que a zona euro hoje enfrenta. Os países do Norte da Europa que são tão responsáveis pela crise na zona euro quanto os do Sul, podiam reduzir este risco, estimulando as suas economias. Não tenho, porém, ilusões.

Raras vezes as políticas económicas foram ditadas por tanto dogmatismo em torno do equilíbrio orçamental como hoje.

Professor da Universidade Católica de Lovaina, Bélgica

Tradução de António Costa Santos
In expresso de 17/2/2013




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