Por Paul De Grauwe*, in "Expresso" de 27.04.2013
O facto é que a Alemanha é significativamente mais
rica do que países do sul da Europa. O problema é a distribuição da riqueza nas
famílias alemãs
Poucas vezes a estatística foi tão deturpada para fins políticos como quando, recentemente, o Banco Central Europeu (BCE) publicou os resultados de um inquérito à riqueza das famílias nos países da zona euro. Segundo este estudo a família média alemã é a mais pobre de todas, incluindo a portuguesa. A publicação destes números pelo BCE levou rapidamente os media alemães a concluir que é inaceitável que os pobres alemães tenham de pagar o resgate dos gregos, espanhóis e portugueses, mais ricos.
O primeiro ponto que é preciso frisar no inquérito do
BCE é que os rendimentos das famílias na Alemanha são muito desiguais. Os lares
alemães médios nos 20% mais ricos têm rendimentos 74 vezes superiores aos 20%
mais pobres. Em Portugal, este rácio é de apenas 5%. Segundo este critério, a
Alemanha tem a distribuição de riqueza mais desigual da zona euro. Assim, a
riqueza das famílias na Alemanha concentra-se nos lares mais ricos do que em
qualquer outro país da zona euro. Dito por outras palavras, a riqueza das
famílias na Alemanha é muito grande mas encontra-se principalmente no topo da
distribuição de riqueza e não nos lares alemães relativamente pobres.
A questão seguinte é se a riqueza das famílias é um
bom indicador da riqueza de uma nação. Uma parte significativa da riqueza de
uma nação pode estar nas mãos do Governo ou do sector empresarial. Se a questão
é descobrir que capacidade tem a Alemanha para transferir recursos para outros
países, devia usar-se uma medida de riqueza mais apropriada. Essa medida está
disponível. É o stock de capital de uma nação. Esta é uma medida da capacidade
de um país para gerar (juntamente com o capital humano) um fluxo de
rendimentos.
Usando este critério de riqueza, a Alemanha surge como
pertencendo aos dois primeiros países em termos de rendimento per capita. Em
contraste, os países do sul da Europa têm as riquezas mais baixas. O rendimento
per capita é mais do dobro nos países do norte do que nos países do sul, como
Grécia ou Portugal.
Desta análise segue-se que é errado concluir do estudo
do BCE que a Alemanha é pobre se comparada com alguns países do sul da Europa e
que não seja razoável pedir aos contribuintes alemães que apoiem
financeiramente os países do sul ‘mais ricos’. O facto é que a Alemanha é
significativamente mais rica do que países do sul da Europa como Grécia,
Espanha ou Portugal.
Parece haver um problema de distribuição da riqueza na
Alemanha. Primeiro, a riqueza na Alemanha está altamente concentrada no topo da
escala de rendimentos familiares. Segundo, uma grande parte da riqueza alemã
não está nas mãos das famílias e portanto deve ser detida pelas empresas e pelo
Governo. Assim, embora não seja razoável pedir às famílias ‘pobres’ que
transfiram rendimentos para os países do sul, pode ser mais razoável fazer essa
exigência à fatia mais rica das famílias e ao sector empresarial. Dito de outra
forma, a oposição na Alemanha às transferências para o sul da Europa não tem
origem nos baixos rendimentos do país. O facto é que a Alemanha é um dos países
mais ricos da zona euro. O problema é que esta riqueza está mal distribuída na
Alemanha, criando uma perceção entre as massas de alemães menos ricos de que
estas transferências são injustas.
*Professor da Universidade Católica de Lovaina, Bélgica
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