Pessoalmente, considero a hipocrisia a
característica de personalidade menos tolerável, tão baixo que é o limiar da
sua metamorfose de virtude em defeito.
Há, contudo, uma forma muito usual de se
manifestar nestas tribunas: doutrinar, catequizar sobre consequências sem análise
de causas, em clara violação da sabedoria do filósofo chinês Confúcio quando
estipulou “Não pretendo conhecer todas as
respostas mas, tento compreender as perguntas...”.
“Mas o que tem isto a ver com a evasão
fiscal?”, questionará o leitor.
Ora, é exactamente aqui que entra
Asterix.!!...
Quando Ordalfabetix e Cetautomatix, conterrâneos
de Asterix e respectivamente, peixeiro e ferreiro na aldeia dos celebérrimos
irredutíveis gauleses, se aperceberam do interesse na construção em comum duma
ponte sobre o riacho que os separava da
floresta, predispuseram-se, voluntária e aprioristicamente,
a materializar a sua contribuição
para a construção da mesma; Quando, mais tarde, Asterix e Obelix a quiseram
utilizar nas suas caçadas de javalis, entenderam normal a sua contribuição
aposteriorística para a ponte: o pagamento da taxa que então lhes foi
solicitada.
Até que, um dia, a aldeia soçobra; O exército
romano exige o tributo dos conquistadores, a contribuição para o financiamento
da Via Apia, ao que os Gauleses retorquem: “Mas, porquê?... Nunca lá iremos
passar!!...”
César respondeu, secamente: “Porque sim...
E, ficais sabendo: tal vos é imposto!!...”
Depois, a estória já é conhecida: o humanismo
conceptualizou a redistribuição inter-pessoal de riqueza, o “estado-providência”
agilizou a redistribuição inter-temporal do rendimento... E, pronto, aí está o IMPOSTO
como entidade referencial da sociedade moderna! Para uns, bactéria, vírus; Para
outros, elixir de juventude...
... Do que não restam dúvidas é que, a
partir do momento em que o Estado começa a sentir a necessidade de justificação
do processo de colecta, o cidadão começa a pressentir a utilidade da formulação
da questão “Para onde é que vai o meu dinheiro...” ... Daí que, hoje por hoje,
a motivação básica da evasão fiscal não seja, em minha opinião, a da propensão
excessiva à ilegalidade decorrente duma certa sensação de impunidade, ou a
demissão da contribuição para o bem comum ou, sequer, a irresponsabilidade da não
ponderação do próprio futuro...
A questão central é mesmo: até que ponto é
que o rendimento que hoje é retido está a ser bem administrado, até que ponto é
que o valor a redistribuir não estará a ser destruído por um Estado despesista
no consumo, laxista no investimento, ineficaz na gestão e ineficiente na produção
de bens e serviços públicos...
Não pretendo, desta forma, forçar a lógica
de “preço dum serviço” no conceito de Imposto; Mas questiono frontalmente a
qualidade do Estado que temos no processo de redistribuição inter-pessoal e/ou
inter-temporal do rendimento!!... É aí que se deve colocar a questão: “Para que
servem os impostos??...” !!...
Questão à qual o psicólogo laociano Phiouphanh Ngaosyvathn
respondeu desassombradamente:
“A fraude está para o imposto como a sombra
está para o homem...” (1).
Então, qual o espanto, num país ensolarado como Portugal,
com défices profundos de cidadania e participação, exemplos abundantes de
despesa pública exorbitante malbaratada, legislação fiscal a que os mais
respeitáveis cidadãos apodam de terror fiscal, se menos de 40% das PME’s pagam
impostos independentemente da sua rendibilidade real, seja esta positiva ou até
negativa?
Quando o processo de redistribuição de riqueza se
manifesta injusto e não evidencia sinais de regeneração o que esperar,
lucidamente, do contribuinte?
O engajamento, senão mesmo cumplicidade dos cidadãos-contribuintes
nos elevados propósitos de um Estado Social que administra eficientemente os
tributos que recolhe proporcionadamente da riqueza gerada por uma economia sã
ou a obediência que o Rei Absoluto exige ao súbdito e a sua inevitável resistência?
Paulo Modesto Pardal in blogdoprofpaulomodestopardal.blogspot.com
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