Sofia Galvão, in "Expresso" de 20.04.13
Impressiona-me o estado de negação em que
coletivamente vivemos. Quando se gasta mais do que se tem, há défice. Quando
pedimos dinheiro emprestado para acudir ao défice, há dívida. Quando se
continua a gastar para lá do que se pode, o défice aumenta. Quando o défice não
diminui, a dívida cresce. E, quando não se corrige o caminho, o ciclo torna-se
infernal, alimenta-se a si próprio e destrói todo o potencial de
desenvolvimento, realização e esperança.
Há quem não goste de factos. Mas enfrentá-los é
condição de futuro. E o facto é que, hoje, em Portugal, os salários e as
pensões pagos pelo Estado representam mais de 90% da coleta fiscal. Se
acrescerem os juros da dívida, o montante vai além dos 105%. Os senhores e as
senhoras que não gostam de factos consideram estes números sustentáveis?
Percebem a medida em que tais números comprometem o futuro dos seus filhos e
netos?
Podemos criticar a política interna e a Europa,
podemos insurgir-nos contra a doutrina da austeridade ou contra a falta de
visão que leva os países europeus a serem incapazes de superar clivagens e de
construir, em conjunto, a sua única hipótese de viabilidade no mundo global.
Como podemos ter dificuldade em aceitar a redução do mal europeu à sua dimensão
financeira (quando o sabemos eminentemente político) ou em não nos indignarmos
com um sistema que gasta milhões a salvar bancos, mas sufoca as classes médias
com impostos e condena toda uma juventude ao desemprego e à ausência de
horizontes.
Mas a crítica só é legítima se for informada e
construtiva. Aqueles que não simpatizam com Angela Merkel e com a Europa alemã
que se constrói sob a sua liderança não podem fundar aí a ideia de que, entre
nós, o essencial está bem. Porque, com ou sem Angela Merkel, nós temos um
problema financeiro seriíssimo; e, na sua base, um modelo de desenvolvimento
equívoco, consubstanciado na ilusão coletiva que nos tem feito viver de forma
totalmente desfasada dos meios disponíveis e da riqueza gerada.
Hoje, há perguntas incontornáveis: como e onde reduzir
a despesa pública? Como manter o contrato social no quadro de um modelo
europeu? Como quebrar o ciclo da dívida? Como superar entraves estruturais à
mudança? Existe uma limitação constitucional ao processo de transformação?
É muito provável que as respostas sejam múltiplas.
Discuti-las é crucial e a profundidade dessa discussão revelará o grau de
maturidade da nossa opção democrática. Mas recusar o debate, negar-lhe o ponto
de partida, continuar a cavar a ficção, é cada vez mais inaceitável. Sobretudo,
porque é profundamente irresponsável.
Portugal gasta mal o que tem e vive muito acima do que
pode. Insiste em comparar-se com os países mais ricos da UE (ou da OCDE) e
defende o seu nível histórico de gastos por apelo a comparações com aqueles
países. Os portugueses sentem-se ofendidos se alguém ousar comparar o
comportamento da sua despesa pública ou o nível dos seus encargos sociais com
países como a Polónia, a República Checa, a Hungria ou a Eslováquia.
Da discussão sobre o Estado, o seu perímetro e as suas
funções depende o racional do nosso futuro. Por isso é tão importante
consensualizar a prioridade do tema.
Como há muito resumiu Alice Rivlin, temos de saber o
que o Estado deve fazer e pagar, o que o Estado deve pagar para não fazer e o
que o Estado não deve fazer nem pagar.
A força das circunstâncias é, ao contrário do que
pretendem os puristas, condição da consequência do exercício. Sem a pressão
financeira e uma economia exangue a reclamar financiamento, tudo continuaria
adiado.
Assim haja liderança forte, objetivos claros, total
transparência e, não menos, capacidade de convocar politicamente.
Achámos útil transcrever este artigo
porquanto, desapaixonado, faz uma síntese quase asséptica da situação
orçamental do estado português e das suas condicionantes elementares e uma
leitura fotográfica da vox populi àquele desafio.
Neste sentido pode contribuir para reduzir
substancialmente o défice de objectividade que muitos portugueses terão sobre
alguns instrumentos nucleares necessário a uma avaliação desapaixonada ao
estado da nação, que são, citamos, os seguintes:
"E o facto é que, hoje, em Portugal, os salários e as
pensões pagos pelo Estado representam mais de 90% da coleta fiscal. Se
acrescerem os juros da dívida, o montante vai além dos 105%."
Ora, acrescentamos nós, um lugar comum: contra
factos não há argumentos!
Já quanto à vox populi no que à critica da
politica interna ou europeia diz respeito, se se compreende a ideia
implícita na mensagem “com o mal
dos outros podemos nós bem”, que, em estado de crise constitui medida de
segurança pessoal aconselhável, já não se pode aceitar tão pacificamente
conciliar tal medida de segurança pessoal com o apostolado (que, aliás,
subscrevemos para qualquer solução racional que se empreenda):
"Assim haja liderança forte, objetivos claros, total
transparência e, não menos, capacidade de convocar politicamente."
O qual consubstancia tudo aquilo que não
temos. E poderíamos ter (trata-se, tão só de inteligência), já que não depende do orçamento nacional ou europeu. E
não podemos deixar de ter, se se quiser abordar a solução consistentemente e teremos de ter para sobreviver com dignidade enquanto Nação.
Ora, sem o referir a autora não deixa de conceder
a Passos Coelho na sua ideia (poucochinha) de que nós "tugas", padecemos de pieguice.
Ideia esta com a qual, obviamente, não
podemos alinhar.
É que a vox populi (afinal expressão da
comunidade dos cidadãos) já deu provas bastantes de que, tal como o Criador
(para alguns seu modelo) escreve direito por linhas tortas.
Na verdade, só a noção popular, imprecisa no seu
conteúdo “cientifico”(?), mas rigorosa nas consequências práticas da sua percepção, no
plano individual: vestigios claros de concessão ao vulgar designio de resignação e sofrimento, no plano social e
politico: total ausência de expectativas de representação efectiva, leal,
responsável e prospectiva, pode justificar a paz social apesar das politicas
agressivas mas errantes, manifestamente ineficazes, deste governo, que se limitam a gerir, mal,
consequências, em constante ziguezague, sem intervir nas causas, a não ser para repeti-las.
Ainda por cima, acompanhadas, vezes bastantes da critica, execrável, aos
comportamentos pessoais, como se fossem eles a causa da crise, em obediência a
fundamentalismos de raiz luterana, que acentuam as suas consequências e em nada
contribuem para esclarecer e combater as verdadeiras causas.
Em suma: grande parte daquilo de que não precisamos, por sempre termos tido em excesso!
Em suma: grande parte daquilo de que não precisamos, por sempre termos tido em excesso!
Que capacidade de convocar revela tal prática, senão para o castigo?
E sem objectivos claros, nem acção
transparente que consistência tem esta liderança cuja legitimidade é, hoje em dia, estritamente formal?
Afinal, quer tenha querido, quer não, o que a
autora, identificando pressupostos correctos sugere, é que o mal veio para
nosso bem e a obediência a quem manda é o caminho certo, sem esquecer o "Deus queira" que quem manda saiba o que faz.
É curto, superficial, insuficientemente racional, desconstrutivo, apocaliptico e nada prático como aliás até parece ser a principal motivação da autora no resultado do seu trabalho.
É curto, superficial, insuficientemente racional, desconstrutivo, apocaliptico e nada prático como aliás até parece ser a principal motivação da autora no resultado do seu trabalho.
Criticar a vox populi com argumentos que reunem pressupostos de racionalidade e incoerência nas suas ilações, afinal é de vox populi que se trata.
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