O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.

sábado, 20 de abril de 2013

A Escolha da Alemanha, por George Soros, em 09.04.2013



FRANKFURT – A crise do euro já transformou a União Europeia, de uma associação voluntária de estados iguais para uma relação entre credores e devedores da qual não há uma saída fácil. Os credores arriscam perder somas avultadas caso um estado membro saia da união monetária, mas ao mesmo tempo os devedores estão sujeitos a políticas que aprofundam a sua depressão, agravam o fardo da sua dívida e perpetuam a sua posição de subordinação. Como resultado, a crise ameaça agora destruir a própria UE. Isso resultaria numa tragédia de proporções históricas, que apenas a liderança Alemã poderá evitar.

As causas da crise não podem ser devidamente compreendidas sem reconhecermos a falha fatal do euro: ao criar um banco central independente, os países membros endividaram-se numa moeda que não controlam. Em primeiro lugar, tanto as autoridades como os participantes no mercado trataram todas as obrigações soberanas como se não tivessem risco, criando um incentivo perverso para os bancos adquirirem grandes quantidades de obrigações dos países mais desfavorecidos. Quando a crise Grega fez assomar o espectro do incumprimento, os mercados financeiros reagiram vingativamente, relegando todos os membros da zona euro demasiado endividados para um estatuto comparável ao de países do Terceiro Mundo sobreexpostos numa moeda estrangeira. Consequentemente, os países membros grandemente endividados foram tratados como sendo os únicos responsáveis pelos seus problemas, e o defeito estrutural do euro ficou por corrigir.

Uma vez que isto esteja entendido, a solução sugere-se quase automaticamente. Pode ser resumida numa só palavra: Eurobonds.

Se aos países que concordaram com o novo Pacto de Estabilidade Fiscal da UE fosse permitido converter toda a sua dívida soberana em Eurobonds, o impacto positivo seria quase miraculoso. O perigo de incumprimento desapareceria, assim como os prémios de risco. Os balanços dos bancos receberiam um impulso imediato, assim como os orçamentos dos países altamente endividados.

A Itália, por exemplo, pouparia até 4% do seu PIB; o seu orçamento passaria a ser excedentário; e o estímulo fiscal substituiria a austeridade. Como resultado, a sua economia cresceria, e o seu rácio de endividamento cairia. Muitos dos problemas aparentemente insolúveis se dissolveriam no ar. Seria como acordar de um pesadelo.
Em concordância com o Pacto de Estabilidade Fiscal, os países membros poderiam emitir novas Eurobonds apenas para substituição de outras que atinjam a maturidade; depois de cinco anos, as dívidas remanescente seriam gradualmente reduzidas para 60% do PIB. Se um país contraísse dívidas adicionais, poderia pedir emprestado em seu próprio nome. 

Reconhecidamente, o Pacto de Estabilidade Fiscal necessita de algumas modificações para garantir que as penalidades associadas ao incumprimento sejam automáticas, rápidas, e não demasiado severas para serem credíveis. Um Pacto de Estabilidade Fiscal mais rigoroso eliminaria praticamente o risco de incumprimento.

Assim, as Eurobonds não arruinariam a notação de crédito da Alemanha. Pelo contrário, seriam comparadas de modo favorável com as obrigações dos Estados Unidos, do Reino Unido, e do Japão.

Para dizer a verdade, as Eurobonds não são uma panaceia. O impulso provocado pelas Eurobonds pode não ser suficiente para garantir a recuperação; poderão ser necessários estímulos fiscais e/ou monetários adicionais. Mas seria um luxo podermos ter esse problema. De modo mais preocupante, as Eurobonds não eliminariam as diferenças em competitividade. Os países continuariam a ter que promover reformas estruturais. A UE também precisaria de uma união bancária que disponibilizasse crédito em iguais condições a todos os países (O resgate de Chipre tornou esta necessidade mais premente, ao desnivelar ainda mais as condições). Mas a aceitação das Eurobonds por parte da Alemanha transformaria a atmosfera política e facilitaria as necessárias reformas estruturais.

Infelizmente, a Alemanha permanece uma opositora inflexível das Eurobonds. Desde que a Chanceler Angela Merkel vetou a ideia, não lhe foi dada mais consideração. O público Alemão não reconhece que concordar com as Eurobonds seria muito menos arriscado e custoso que continuar a fazer apenas o mínimo para preservar o euro.

A Alemanha tem o direito de rejeitar as Eurobonds. Mas não tem o direito de evitar que os países altamente endividados escapem da sua miséria, unindo-se e emitindo-as. Se a Alemanha se opuser às Eurobonds, deveria considerar deixar o euro. Surpreendentemente, as Eurobonds emitidas por uma zona euro que não incluísse a Alemanha ainda comparariam favoravelmente com as dos EUA, do Reino Unido e do Japão.

A razão é simples. Como toda a dívida acumulada está denominada em euros, faz toda a diferença saber qual o país que deixa o euro. Se a Alemanha saísse, o euro desvalorizaria. Os países devedores retomariam a sua competitividade. A sua dívida diminuiria em termos reais e, se emitissem Eurobonds, a ameaça do incumprimento desapareceria. A sua dívida tornar-se-ia repentinamente sustentável.

Ao mesmo tempo, muito do fardo do ajuste cairia sobre os países que deixassem o euro. As suas exportações tornar-se-iam menos competitivas, e enfrentariam forte competição, nos seus mercados internos, da zona euro resultante. 

Também incorreriam em perdas nos seus créditos e investimentos denominados em euros.

Pelo contrário, se a Itália deixasse a zona euro, a sua dívida denominada em euros tornar-se-ia insustentável, e teria que ser reestruturada, empurrando o sistema financeiro global para o caos. Portanto, se alguém tiver que sair, deveria ser a Alemanha, e não a Itália.

Há argumentos fortes para que a Alemanha decida se deve aceitar as Eurobonds ou abandonar a zona euro, mas já é menos óbvio qual das duas alternativas será melhor para o país. Apenas o eleitorado Alemão tem poder para tomar essa decisão.

Se houvesse hoje um referendo na Alemanha, os apoiantes de uma saída da zona euro venceriam sem dificuldade. Mas uma reflexão mais intensa poderia mudar a opinião das pessoas. Descobririam que o custo, para a Alemanha, da autorização da emissão de Eurobonds estaria grandemente exagerado, e que o custo de abandonar o euro estaria subestimado.

O problema reside em que a Alemanha não foi forçada a escolher. Pode continuar a não fazer mais do que o mínimo para preservar o euro. Esta é claramente a escolha preferida de Merkel, pelo menos até depois das próximas eleições.

A Europa estaria infinitamente melhor se a Alemanha fizesse uma escolha definitiva entre as Eurobonds e uma saída da zona euro, independentemente das consequências; na verdade, a Alemanha também ficaria melhor. A situação está a deteriorar-se, e, no longo prazo, é provável que se torne insustentável. Uma desintegração desordenada que implicasse recriminações mútuas e dívidas por honrar deixaria a Europa pior do que estava quando embarcou na ousada experiência da unificação. Certamente que isso não serve os interesses da Alemanha.

Traduzido do inglês por António Chagas

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