Nicholas
Georgescu-Roegen (1906-1994) foi um matemático e economista heterodoxo romeno
cujos trabalhos resultaram no conceito de decrescimento econômico. É
considerado como o fundador da bioeconomia.
Durante mais de um século,
multiplicaram-se teorias econômicas que não levavam em conta a natureza em
cálculo algum. Atualmente, porém, só cresce o número de economistas que começam
a olhar para a economia não como um sistema isolado, mas como parte de um todo,
submetida às leis da natureza e aos impactos que causa nos homens. São os
chamados economistas ecológicos, que propõem uma visão mais ampla de sistema.
Entre as principais
referências do tema no país está o economista e professor da Universidade de São
Paulo (USP) José Eli da Veiga,
autor de 21 livros, que assina a abertura do livro O Decrescimento – entropia, ecologia, economia,
lançado mês passado pela editora Senac. É primeira tradução em português da
obra do matemático e economista romeno Georgescu-Roegen,
cujo pensamento foi renegado por décadas entre os círculos da área e, agora,
está sendo retomado. Em entrevista à Camila
Nobrega do Canal Ibase,
10-04-2013, José Eli
fala não apenas da teoria de Georgescu,
como do crescimento da Economia Ecológica em si, em oposição à Economia Verde.
Eis a entrevista.
Eis a entrevista.
Qual o significado da chegada da obra de Georgescu-Roegen ao Brasil?
Muitos jovens ainda hoje
saem das faculdades de Economia do país sem ter lido a obra dele. Na década de
1970, Roegen publicou
livros e artigos importantes que não foram reconhecidos pela academia. A
incorporação da Lei da Entropia
(2ª lei da termodinâmica, cuja essência é a degradação energia em sistemas
isolados) na economia, proposta pela primeira vez por ele, não foi bem aceita e
Georgescu foi posto de
lado. Nos últimos tempos, ele tem sido revisto, mas no Brasil só havia obras
circulando em francês, o que dificultava o acesso de alunos. Consegui,
finalmente, que este autor fosse publicado em português. Ele foi um gênio,
precisa ser mais lido.
Embora ele
mesmo nunca tenha usado essa denominação, Roegen foi uma das principais
inspirações para o movimento da Economia Ecológica. Como o pensador via a
questão do limite da natureza para o crescimento da economia?
Não se trata exatamente de
limites, como alguns economistas falam hoje. O foco dele era outro. Georgescu teve, ainda nos anos 1960,
um estalo sobre a Lei da Entropia. Ele jogou luz sobre o fato de que os
economistas lidavam com a produção econômica como algo independente, isolado.
Os recursos naturais eram vistos como infinitos, e por isso não entravam na
conta. Só que este romeno percebeu a relação de interdependência entre ambos. A
Lei da Entropia não pode simplesmente ser descartada, porque ela age sobre a
economia.
Ou seja,
ele percebeu que existe uma perda de energia associada aos processos
econômicos, certo? E há energia dissipada que nunca se recupera…
Sim, o foco dele não é sobre o esgotamento de recursos. Ele é anterior à discussão sobre mudanças climáticas, que está em voga hoje. Georgescu se debruçou sobre o fato de que os recursos naturais têm uma energia que se dissipa, à medida que são usados pela economia. No início da carreira, ele tinha o foco de estudo voltado para o consumo. Depois, percebeu que precisava se dedicar à questão da produção. E concluiu que, uma vez utilizados para a produção de algo, os recursos terão uma parte de energia que nunca mais será utilizada. É uma parte que se perde no processo. Mas os cálculos de produção na economia não levam isso em conta. Tomemos como exemplo as energias fósseis. Para Georgescu, o limite do crescimento se daria ao passo que a utilização delas reduziria a quantidade de energia inicial do processo.
Mas o pensamento dele ainda não chegou à esfera prática da economia. Em conferências internacionais sobre o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, como a Rio+20, Conferência da ONU realizada ano passado, esta abordagem não passou nem perto das salas de conferência…
Eu não esperava mesmo que um
encontro como a Rio+20 discutisse esse tipo de assunto. Ocorre que os prazos
dessa discussão proposta por Georgescu talvez
sejam séculos. Não sabemos quando vai acontecer, mas a perda gradual desses
recursos naturais vai levar a um ponto máximo. Na Rio+20, discutem-se soluções
mais imediatas. A transição de que se fala nessas salas de conferência é outra,
que as Nações Unidas chamaram de Economia Verde. Já Georgescu foi um dos pais da Economia
Ecológica, que defende uma outra transição, não apenas tecnológica. Ele
acredita também que, em algum momento, haverá decrescimento. A economia,
segundo ele, não poderá se manter apenas estável.
E, dentro
da Economia Verde, as propostas são de adequações mais simples. Não há uma
grande mudança de paradigma econômico, certo?
É outro foco. Na discussão
atual, existe uma crença de que vai haver descolamento entre crescimento do PIB (Produto Interno Bruto, a medida
de riqueza mais utilizada como parâmetro de comparação no mundo) e os impactos
ambientais. A ideia é que o avanço tecnológico vai permitir a manutenção do
crescimento econômico. Ou seja, a tese da Economia Verde é que, em determinado
momento, o PIB poderá continuar aumentando e os impactos vão diminuindo. Para
isso, economistas desta corrente apresentam dados sobre queda de emissões de
carbono por unidade de produção. Na prática, significa que para cada unidade
produzida, a quantidade de carbono usada diminuiu. Mas isso só serve em termos
relativos. Quando pegamos o conjunto total, como a produção aumenta, a
quantidade absoluta também cresce. O impacto na atmosfera, portanto, continua
aumentando e muito. O único argumento novo que deve ser analisado ainda é em
relação à Inglaterra. Estudos recentes mostram que o país está conseguindo
manter o PIB em crescimento, reduzindo as emissões.
Mas, nesse caso, estamos falando de um país com um desenvolvimento mais avançado, e com condições de apostar em inovações tecnológicas. No entanto, se as nações mais pobres dependerem de tecnologias que não podem bancar, sem que haja transferência, como elas farão?
Mas, nesse caso, estamos falando de um país com um desenvolvimento mais avançado, e com condições de apostar em inovações tecnológicas. No entanto, se as nações mais pobres dependerem de tecnologias que não podem bancar, sem que haja transferência, como elas farão?
Aí está o problema. Será que a humanidade resolverá os novos desafios tratando o problema com as mesmas receitas antigas. Nesse caso, não se atacam os sintomas. A Inglaterra é um caso de economia madura, e parece que o mesmo processo pode estar acontecendo também na Holanda. Mas o cenário encontrado lá não é o mesmo de países pobres. Será possível apostar nesse modelo, e que todos os países alcançariam uma maturidade que os permitiria crescer, reduzindo, por meios tecnológicos, os impactos ambientais?
Ainda
assim, este pensamento não leva em conta os impactos sociais associados ao
crescimento econômico desenfreado. Estas questões fazem parte da Economia
Ecológica?
Sim, a economia não pode ser
vista como um sistema isolado nem das questões ambientais, nem sociais. Estamos
falando sempre de uma mesma coisa. No caso da Inglaterra, por exemplo, estamos
falando de uma economia madura em vários sentidos. É uma sociedade cujo acesso
a serviços é outro, onde há um parâmetros de educação, saúde mais elevados e
compartilhados pela população. Não é a economia em si, isoladamente, que levará
nações a reduzirem impactos socioeconômicos significativos.
(Ecodebate, 12/04/2013) publicado
pela IHU
On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização
da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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