MORREU Margaret Thatcher, uma das
principais responsáveis pela contra-revolução neoliberal que há mais de 30 anos
vem devastando os regimes democráticos ocidentais, distorcendo a economia,
tornando as sociedades democráticas cada vez mais desiguais, destruindo a
coesão social, impondo o «casino da especulação monetária» e a ditadura dos
mercados financeiros globais que hoje mandam em nós.
Morreu, além disso, a amiga de Pinochet, um dos
ditadores mais sanguinários e corruptos da América Latina, que permitiu que o
Chile se tornasse banco de ensaio das políticas ultraliberais preconizadas pela
famigerada «escola de Chicago» e levadas a cabo pelos «Chicago boys»,
apadrinhados por Milton Friedman e Friederich von Hayek, figuras tutelares do
pensamento de Margaret Thatcher, além da mercearia do pai.
Não faço esta acusação de ânimo leve. São factos
conhecidos, designadamente a sua acendrada admiração por Augusto Pinochet, como
se projectasse nele aquilo que ela desejaria impor, mas nunca poderia
conseguir, na velha democracia inglesa. Há muitas fotos em que aparecem ambos
sorridentes, lado a lado, quer quando o ditador estava no poder, quer quando o
detiveram em Londres na sequência do pedido de extradição efectuado pelo juiz
espanhol Baltazar Garzon, que o acusou de ser responsável, durante a ditadura,
pelo assassínio e desaparecimento de vários cidadãos espanhóis.
Esta mulher a quem chamaram «dama de ferro», como
poderiam ter chamado «de zinco» ou «de chumbo», nutria um profundo desprezo
pelos grandes intelectuais ingleses do seu tempo, designadamente Aldous Huxley,
John Maynard Keynes, Bertrand Russell, Virgínia Woolf e T. S. Eliot, conhecidos
como o «círculo de Bloomsbury» (do nome do famoso bairro londrino de editores e
livreiros e de boémia intelectual). A frustração dela perante o talento e a
inteligência que irradiavam deles, e que ela não conseguia captar, levaram-na a
considerá-los «intelectuais estouvados, que conduziram o Reino (Unido) pelos
caminhos nada recomendáveis da segunda metade do século XX».
Ao diabo as
«literatices» da «clique de Bloomsbury», dizia ela. «O meu Bloomsbury foi
Grantham» (onde o pai tinha a famosa mercearia) (…) Para compreender a economia
de mercado, não há melhor escola do que a mercearia da esquina». Deve ser por
isso que as mercearias estão a falir…
Thatcher considerava «a distância entre ricos e pobres
perfeitamente legítima» e proclamava «as virtudes da desigualdade social» como
motor da economia. A verdade dos números é, no entanto, bastante diferente.
Como salienta John Gray, um dos mais importantes pensadores contemporâneos, na
Grã-Bretanha da chamada «dama de ferro» os níveis dos impostos e das despesas
públicas eram tão ou mais altos, ao fim de 18 anos de governos conservadores,
do que quando os trabalhistas deixaram o poder, em 1979. Ao mesmo tempo, nos
EUA de Ronald Reagan, co-autor da «contra-revolução neoliberal», o mercado
livre e desregulado destruiu a civilização de capitalismo liberal baseada no New Deal de Roosevelt, em que assentou a
prosperidade do pós-guerra.
Convém dizer que John Gray, autor de vários livros
editados em português, entre os quais Falso
Amanhecer (False Dawn), chegou a ser uma das figuras dominantes do
pensamento da chamada «Nova Direita», que teve uma grande influência nas
políticas que Thatcher pôs em prática. Mas ficou desiludido e alarmado com as
terríveis consequências dessas políticas e tornou-se um dos críticos mais
lúcidos e implacáveis dos «mercados livres globais», cuja desregulação tem
causado os efeitos mais perversos nas sociedades contemporâneas, provocando a
desintegração social e o colapso de muitas economias. O capitalismo global
parece funcionar, segundo Gray, de acordo com as regras da selecção natural,
destruindo e eliminando os que não conseguem adaptar-se e recompensando, quase sempre
de maneira desproporcionada, os que se adaptam com sucesso. Estas são,
logicamente, as inevitáveis consequências do pensamento de Thatcher, ao pôr em
prática «as virtudes da desigualdade social» como motor da economia.
A pesada herança de Margaret Thatcher, tal como a de
Ronald Reagan - adoptadas não apenas pela direita ultraliberal, mas também por
uma certa esquerda neoliberal (Tony Blair, Gerhard Schröder e alguns discípulos
da Europa do Sul, designadamente lusitanos) - é esta crise brutal em que a UE e
os EUA estão mergulhados há já cinco anos. E o mais terrível é que é o
pensamento dos principais responsáveis por esta crise que continua e prevalecer
na maioria dos governos que prometem acabar com a crise através da austeridade,
do empobrecimento dos cidadãos e do confisco dos seus direitos sociais.
Thattcher foi um ser maléfico e não deixa saudades.
Por
Alfredo Barroso in tracogrosso.blogspot.pt
Lisboa,
8 de Abril de 2013
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