Por Paul De Grauwe
Na semana passada, o primeiro-ministro holandês, o senhor Rutte, declarou com grande arrogância que os países que não obedeceram às regras deviam abandonar a zona euro. Esta declaração tem implícita a ideia de que os Países Baixos se portaram bem e de que outros países, principalmente no Sul da Europa, foram malcomportados.
Estes países, de acordo com Rutte, não seguiram as regras e devem ser castigados. A saída da zona euro é o castigo devido para tais países. Esta visão é popular não só na Holanda, mas em muitos outros Estados norte-europeus.
O que eu acho perturbador nesta ideia é não só a arrogância, mas também a atitude moralista. Exprime o sentimento de que o Norte da Europa foi virtuoso, enquanto os outros pecavam. E os pecadores devem ser punidos. Quando oiço tudo isto, lembro-me da minha juventude quando ouvia o padre a pregar sobre o bem e o mal neste mundo e de como no final os maus seriam castigados.
O mais importante obstáculo individual à solução da crise do euro é a atitude moralista dos governos do Norte, em particular os da Holanda, Alemanha, Finlândia e Bélgica. Esta atitude conduz à ideia errada de que neste drama há países bons e países maus. Os maus devem ser castigados e não devem esperar, claro, nenhuma ajuda dos bons.
Uma tal ajuda induziria, da sua parte, pecados ainda maiores. Dar assistência ao Sul equivaleria a estimular o pecado. E isso, por si mesmo, constituiria um pecado.
Esta atitude moralista baseia-se numa incompreensão central das causas da crise do euro. Não há países bons e maus neste drama. A responsabilidade é partilhada. Os países do Norte da Europa são tão culpados como os do Sul.
A crise do euro teve origem nas explosões do consumo numa série de países da zona euro (Irlanda, Grécia, Espanha). Estes booms do consumo levaram a um grande aumento das importações do resto da Europa.
O verso dessa medalha foi que o Norte da Europa, e especialmente a Alemanha e os Países Baixos, acumularam grandes excedentes de exportações. Os alemães e os holandeses ficaram muito contentes por vender os seus produtos e serviços aos pecadores da Europa do Sul.
Estas vendas foram financiadas com crédito providenciado pela banca alemã e holandesa.
À medida que as exportações cresciam de ano para ano, os empréstimos dos bancos do Norte ao Sul dispararam. Até ocorrer o crash e alguns países do Sul deixarem de poder pagar as suas dívidas.
A reação dos virtuosos bancos do Norte foi despejar os seus créditos nos sectores públicos dos respetivos países. Estes empréstimos podem hoje ser encontrados nas folhas de balanço do banco central holandês e do Bundesbank (o banco central alemão). São os balanços Target2. Os governos do virtuoso Norte tentam agora com determinação recuperar o seu dinheiro dos pecadores do Sul.
De certa forma, os países do Norte da Europa fizeram como aqueles vendedores de automóveis que vendem os carros e ao mesmo tempo dão crédito ao comprador. Geralmente, não é um bom modelo de negócio.
Quando o negociante dá crédito a mais deve preparar-se para sentir problemas, especialmente quando a vontade de vender faz com que não avalie a capacidade de pagar do cliente. Não pode queixar-se mais tarde se alguns clientes não são capazes de pagar a dívida. Quem é culpado deste drama? Só os do Sul que pediram empréstimos? Para cada cliente irresponsável há um financiador irresponsável.
O Sul é culpado porque se endividou sem pensar. O Norte é igualmente culpado porque queria despejar o máximo possível de exportações no Sul fornecendo montantes excessivos de crédito sem se pôr a questão de os países do Sul serem capazes de honrar as dívidas. Assim, o Norte assumiu um grande risco e devia saber que o seu comportamento era tão irresponsável quanto o do Sul. O tom moralista que é popular nos países do Norte está completamente deslocado. Mostra uma incompreensão fundamental das causas da crise do euro. Ou será que estou a interpretar mal e os governos do Norte sabem isto muito bem? Se sabem, ainda é pior. Nesse caso, os governos do Norte estão a enganar as suas próprias populações e a incitá-las a mostrar ainda mais hostilidade em relação ao Sul, dificultando ainda mais a solução da crise.
Professor da Universidade Católica de Lovaina, Bélgica
Tradução de António Costa Santos
in "Expresso" de 08.12.2012
O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.
sábado, 8 de dezembro de 2012
Não há inocentes no drama do euro
Etiquetas:
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