O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Da abundância à austeridade por Mário Baleizão Jr, S. Domingos de Rana, in “DN” 05 junho 2013


Venho aqui relatar um caso exemplar de como, em Portugal, no periodo de duas gerações, passámos da abundância à austeridade. O meu falecido avô, Mariano José Dengue, era funcionário público, com a função de encarregado das hortas do Estabelecimento Prisional de Alcoentre. Coube ao meu avô, com o apoio de um engenheiro agrónomo, organizar toda a produção de legumes, leguminosas, fruta, ervas aromáticas e outros produtos da horta, para consumo próprio do estabelecimento prisional.

O EP de Alcoentre, nas passadas décadas de 60 e 70 era autosuficiente e ainda fornecia excedentes para fora. Graças ao meu avô, os terrenos produziam couve galega (para caldo verde), couve portuguesa e couve lombardo (para cozido), alfaces, tomate coração-de-boi, tomate pêra, pimentos, piri-piri, pepinos, cebolas, alhos, favas, feijão verde, ervilhas, cenouras, batatas, salsa, coentros, hortelã e outros. 


Havia água natural, bombada dos poços. Todos os dias, o meu avô colocava 2,5 toneladas de couve na cozinha da penitenciária! Para além disto havia pomares de maçãs, pêras, laranjas, tangerinas e ameixas. As hortas eram cuidadas pelos próprios reclusos, que saiam para trabalhar em brigadas de 30 homens, vigiados por dois guardas prisionais, armados com G3 e walkie-talkie. 

Os reclusos que estavam em fim de pena e para os quais não havia perigo de fuga, ficavam colocados em postos de "confiança" e, nos terrenos do EP de Alcoentre, tomavam conta da criação de porcos, vacas leiteiras e codornizes. Tudo para consumo próprio no EP. Estes eram os tempos aúreos em Alcoentre.

Depois, Portugal entrou para a CEE, começaram os subsídios e a produção interna do EP de Alcoentre deixou de ter interesse... Começaram a comprar, em vez de produzir o que comiam. O meu avô reformou-se e o EP de Alcoentre nunca mais voltou a ser o que era...

E assim o dinheiro estragou este país e passámos da abundância à austeridade! Agora, fazem falta muitos Marianos para dar a volta a isto...

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