Venho aqui relatar um caso exemplar de como, em Portugal, no periodo de duas gerações, passámos da abundância à austeridade. O meu falecido avô, Mariano José Dengue, era funcionário público, com a função de encarregado das hortas do Estabelecimento Prisional de Alcoentre. Coube ao meu avô, com o apoio de um engenheiro agrónomo, organizar toda a produção de legumes, leguminosas, fruta, ervas aromáticas e outros produtos da horta, para consumo próprio do estabelecimento prisional.
O EP de Alcoentre, nas passadas décadas de 60 e 70 era autosuficiente e ainda fornecia excedentes para fora. Graças ao meu avô, os terrenos produziam couve galega (para caldo verde), couve portuguesa e couve lombardo (para cozido), alfaces, tomate coração-de-boi, tomate pêra, pimentos, piri-piri, pepinos, cebolas, alhos, favas, feijão verde, ervilhas, cenouras, batatas, salsa, coentros, hortelã e outros.
Havia água natural, bombada dos poços. Todos os dias, o meu avô colocava 2,5 toneladas de couve na cozinha da penitenciária! Para além disto havia pomares de maçãs, pêras, laranjas, tangerinas e ameixas. As hortas eram cuidadas pelos próprios reclusos, que saiam para trabalhar em brigadas de 30 homens, vigiados por dois guardas prisionais, armados com G3 e walkie-talkie.
Os reclusos que estavam em fim de pena e para os quais não havia perigo de fuga, ficavam colocados em postos de "confiança" e, nos terrenos do EP de Alcoentre, tomavam conta da criação de porcos, vacas leiteiras e codornizes. Tudo para consumo próprio no EP. Estes eram os tempos aúreos em Alcoentre.
Depois, Portugal entrou para a CEE, começaram os subsídios e a produção interna do EP de Alcoentre deixou de ter interesse... Começaram a comprar, em vez de produzir o que comiam. O meu avô reformou-se e o EP de Alcoentre nunca mais voltou a ser o que era...
E assim o dinheiro estragou este país e passámos da abundância à austeridade! Agora, fazem falta muitos Marianos para dar a volta a isto...
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