O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

O “May be man” – Por Mia Couto (ou... de como o fruto nunca cai longe da arvore...)


 Existe o “Yes man”. Todos sabem quem é  e o mal que causa. Mas existe o "May be man".

E poucos sabem quem é. Menos  ainda sabem o impacto desta espécie na vida nacional. Apresento aqui essa  criatura que todos, no final, reconhecerão como  familiar.

O "May be man" vive do “talvez”.

Em  português, dever-se-ia chamar de “talvezeiro”. Devia tomar decisões. Não  toma. Simplesmente, toma indecisões.

A decisão é um risco. E obriga a  agir. Um “talvez” não tem implicação nenhuma, é um híbrido entre o nada e  o vazio.
A diferença entre o "Yes man" e o "May be  man" não está apenas no “yes”. É que o “may be” é, ao mesmo tempo, um “may  be not”.

Enquanto o "Yes man" aposta na bajulação de um chefe,  "May be man"  não aposta em nada nem em ninguém.
Enquanto o primeiro suja a língua numa  bota, o outro engraxa tudo que seja bota  superior.

Sem chegar a ser chave para nada, o "May  be man" ocupa lugares chave no Estado.
Foi-lhe dito para ser do partido.  Ele aceitou por conveniência. Mas o "May be man" não é exactamente do  partido no Poder. O seu partido é o Poder. Assim, ele veste e despe cores  políticas conforme as marés. Porque o que ele é não vem da alma. Vem da  aparência.

A mesma mão que hoje levanta uma bandeira, levantará outra  amanhã. E venderá as duas bandeiras, depois de amanhã. Afinal, a sua  ideologia tem um só nome: o negócio.

Como não tem muito para  negociar, como já se vendeu terra e ar, ele vende-se a si mesmo. E  vende-se em parcelas. Cada parcela chama-se “comissão”. Há quem lhe chame  de “luvas”. Os mais pequenos chamam-lhe de “gasosa”. Vivemos uma  nação muito gaseificada.


Governar não é, como muitos pensam,  tomar conta dos interesses de uma nação. Governar é, para o "May be Man",  uma oportunidade de negócios. De “business”, como convém hoje, dizer. 

Curiosamente, o “talvezeiro” é um veemente crítico da corrupção.

Mas  apenas, quando beneficia outros. A que lhe cai no colo é legítima,  patriótica e enquadra-se no combate contra a  pobreza.


Afinal, o "May be man" é mais cauteloso  que o andar do camaleão: aguarda pela opinião do chefe, mais ainda  pela opinião do chefe do chefe. Sem luz verde vinda dos céus, não há luz  nem verde para ninguém.


O "May be man" entendeu mal a máxima  cristã de “amar o próximo”. Porque ele ama o seguinte. Isto é, ama o  governo e o governante que vêm a seguir.

Na senda de comércio de  oportunidades, ele já vendeu a mesma oportunidade ao sul-africano. Depois,  vendeu-a ao português, ao indiano. E está agora a vender ao chinês,  que ele imagina ser o “próximo”.

É por isso que, para a lógica do  “talvezeiro” é trágico que surjam decisões. Porque elas matam o terreno do  eterno adiamento onde prospera o nosso indecidido personagem.


O "May be man" descobriu uma área mais  rentável que a especulação financeira: a área do não deixar fazer. 

Ou numa  parábola mais recente: o não deixar. Há investimento à vista? Ele  complica até deixar de haver. Há projecto no fundo do túnel? Ele escurece  o final do túnel. Um pedido de uso de terra, ele argumenta que se perdeu a  papelada. 

Numa palavra, o "May be man" actua como polícia de trânsito  corrupto: em nome da lei, assalta o  cidadão.


Eis a sua filosofia: a melhor maneira  de fazer política é estar fora da política. Melhor ainda: é ser político  sem política nenhuma. Nessa fluidez se afirma a sua competência: ele sai  dos princípios, esquece o que disse ontem, rasga o juramento do passado. E  a lei e o plano servem, quando confirmam os seus interesses. E os do  chefe. E, à cautela, os do chefe do  chefe.


O "May be man" aprendeu a prudência de  não dizer nada, não pensar nada e, sobretudo, não contrariar os poderosos. 

Agradar ao dirigente: esse é o principal currículo. Afinal, o "May be  man" não tem ideia sobre nada: ele pensa com a cabeça do chefe, fala por  via do discurso do chefe. E assim o nosso amigo se acha apto para tudo.  Podem nomeá-lo para qualquer área: agricultura, pescas, exército,  saúde.

Ele está à vontade em tudo, com esse conforto que apenas a  ignorância absoluta pode  conferir.


Apresentei, sem necessidade o "May be  man". Porque todos já sabíamos quem era.
O nosso Estado está cheio deles,  do topo à base. Podíamos falar de uma elevada densidade humana.

Na  realidade, porém, essa densidade não existe. Porque dentro do "May be man"  não há ninguém. O que significa que estamos pagando salários a fantasmas.  Uma fortuna bem real paga mensalmente a fantasmas. Nenhum país, mesmo  rico, deitaria assim tanto dinheiro para o  vazio.


O "May be Man" é utilíssimo no país do  talvez e na economia do faz-de-conta. Para um país a sério não serve.  

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