O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

O TEMPO E A MEMÓRIA por MÁRIO SOARES, in "DN" em 28 Maio 2013

Um Governo a cair aos poucos

1-O Governo de Passos Coelho está completamente paralisado, sem estratégia e sem que os ministros se entendam. Só dialoga com a troika, com a subserviência conhecida, perante os autocratas que a constituem. Ninguém sabe de quem realmente dependem.

Mas é um Governo teimoso, porque o Presidente da República, isolado, no seu palácio, contra a população que o elegeu e cada vez mais o critica, considera, estranhamente, legítimo, o Governo. Só por ter sido, há dois anos, eleito, com um programa de promessas que não tem qualquer correspondência com o que tem vindo a fazer?

No sábado passado houve uma grande manifestação - empurrada e contida por um montão de polícias - em que, sendo inicialmente contra o Governo de Passos Coelho, a personalidade mais vaiada foi o Presidente Cavaco Silva.

Quer isto dizer que a crise que nos afeta não é só financeira e económica, é também política - assim o quer o Senhor Presidente -, social e ética. Uma crise de regime, se Cavaco Silva teimar em ser ele - ou parecer - a mandar no Governo, contra os termos da Constituição da República que jurou e que o Governo conscientemente ignora.

Atenção, porque uma tal crise apavora os mercados, que vão começar a fugir. Serão os primeiros a fazê-lo, com as consequências que daí advirão. O Senhor Presidente não deve ignorar esta perigosíssima situação e por isso tem de agir, quanto antes, contra este Governo que ninguém quer nem respeita. Senão será seu cúmplice.

É caso para se pensar: estará o Senhor Presidente Cavaco Silva a ser chantageado, como tem sido o ministro Paulo Portas, e daí os seus ziguezagues políticos? Não quero acreditar. Mas de qualquer modo o Presidente deve refletir e mudar rapidamente, porque está a seguir um caminho errado e muito perigoso. Para o País e para ele.

2-Em toda a parte do País, o Governo de Passos Coelho está a ser atacado. Até o Pai, médico ilustre, em Vila Real - terra de nascimento do primeiro-ministro -, numa entrevista bem paternal e interessante, aconselhou o filho a abandonar o Governo, quanto antes, porque tudo vai de mal a pior. Passos Coelho, parece não ter ouvido o seu Pai.

Agora, imagine-se, foi o Porto - a cidade invicta - que se resolveu a atacar o Governo. Pela voz dos mais prestigiados portuenses. Dos académicos aos empresários, a antigos políticos do PSD e do PS - e os profissionais e homens da cultura. Segundo a batuta e a voz do ainda presidente do município Rui Rio. Porquê agora? Em virtude do boicote que o Governo está a fazer à Sociedade de Reabilitação Urbana - Porto Vivo. Rio reuniu uma centena de notáveis para enviarem uma carta de protesto ao primeiro- -ministro que foi assinada por todos os sectores de atividade (vide Público de domingo). Cito: "Todos os antigos presidentes da Câmara do Porto ainda vivos, Aureliano Veloso e Fernando Gomes; todos os reitores que ainda estão vivos, Oliveira Ramos, Alberto Amaral e Marcos dos Santos. Os principais empresários, cientistas, presidentes dos conselhos científicos das principais faculdades. Ou seja: o Porto completamente unido, repudiando uma atitude do Governo." Como se escreve no Público mais adiante: "Empresários como Belmiro de Azevedo (Sonae), Américo Amorim, Artur Santos Silva, Macedo Silva e Ferreira de Oliveira (Galp). Um vereador da Câmara do Porto, Manuel Correia Fernandes disse: finalmente a revolta." Além de D. Manuel Clemente, bispo do Porto e futuro cardeal-patriarca, o grande cientista Sobrinho Simões, Daniel Bessa, economista, a cientista internacional Maria de Sousa, Odete Patrício, Abrunhosa Brito, Rosário Gamboa e Braga da Cruz, etc.

É extraordinário. É uma cidade - a segunda de Portugal - que se levanta contra este Governo e as suas habituais malfeitorias. É mais uma prova importante de para onde nos conduziu a política incompetente deste Governo, que o Presidente considera legítimo, e que o País desesperado, de norte a sul, considera incapaz e que nos está a arruinar. É caso para exclamar: Até quando, Catilina, abusarás tu da nossa paciência?

O Povo, os professores, os desempregados (mais de um milhão), os que passam fome e os ricos conscientes, os militares, os cientistas e até os economistas mais lúcidos, não suportam mais este Governo. E o Presidente da República continua a chamar-lhe legítimo, quando o Tribunal Constitucional parece querer reprovar, pela segunda vez, o Orçamento que lhe foi apresentado? Quando as centrais sindicais, os parceiros sociais e a maioria dos partidos políticos o reprovam. Mesmo o PSD, na sua esmagadora maioria. Atenção: está-se a brincar com o fogo!
 
3-Pela força das coisas - como diz o Povo - a crise da União Europeia, da Zona Euro, está a mudar. Quem lê a imprensa estrangeira não duvida disso. A chamada austeridade não conduz a nada de bom. A Alemanha começa a sentir os efeitos negativos da austeridade que impôs aos países em crise. Porque as exportações para esses países começaram a ser recusadas. Era inevitável. Mas a chanceler Merkel só agora começou a sentir e a perceber isso.

Com efeito, a crise do euro não afeta só os países "pobres", ditos periféricos (que não são), mas todos, como alguns comentaristas e políticos previram, entre os quais modestamente me conto. Primeiro a Grécia, a Irlanda e Portugal, depois a Espanha, a Itália, Chipre e surpreendentemente a Holanda (de quem em Portugal ninguém fala) e agora, em grandes dificuldades, a França.
Curiosamente as dificuldades da Alemanha começaram a aparecer. A sua economia cresce pouco, um ou dois por cento, e dificuldades sérias estão à vista. O que obriga a chanceler Merkel a refletir - porque estão a aproximar-se as eleições e o seu ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, continua implacavelmente sem mudar de opinião como fanático neoliberal que é.
A chanceler Merkel, pelo contrário, parece estar a falar da necessidade de mais emprego, de empresas mais flexíveis e de menos austeridade. Quem tal diria há uns meses? Deve ter, finalmente, percebido, que a hora não é de mais austeridade, mas de mais emprego, com a crise europeia - da Zona Euro, mas não só - a agravar-se todos os dias.

Pelo seu lado, o Presidente Hollande, apesar das dificuldades da França e com a legítima vontade de as ultrapassar, voltou a falar do eixo franco-alemão, criador da CEE. Mas não esqueçamos que, para voltarmos aos tempos anteriores à crise, falta-nos os social-democratas e os democratas-cristãos.

Contudo, os socialistas europeus começam a dizer-se progressistas, para incluir toda a esquerda, enquanto os democratas-cristãos desapareceram. É preciso que o Papa Francisco reanime a doutrina cristã, como tem feito e, sobretudo, incentive o reaparecimento dos partidos democratas-cristãos. Se assim acontecesse tornar-se-ia mais fácil refazer o eixo franco-alemão e criar um governo europeu que mandasse na Zona Euro. Estaríamos nesse caso no bom caminho para vencer a crise e para reanimar a tão necessária aliança entre a União Europeia e a América. O que seria bom para a paz no mundo e para a reforma tão necessária da ONU.

Caso contrário, por mais esforços que faça Barack Obama, caminharemos inevitavelmente para um novo conflito mundial, com o regresso aos nacionalismos que nos levaram à II Guerra Mundial.
 
4-Fiquei surpreendido com o facto de o Senhor Presidente da República pedir ao Ministério Público que pusesse uma ação judicial contra o ilustre jornalista Miguel Sousa Tavares, por lhe ter chamado Palhaço. Como ele já reconheceu foi excessivo. Mas para quê uma ação? Não terá ninguém dito ao Senhor Presidente que uma frase infeliz dava para rir, quanto muito um dia, pondo a ação judicial a ser discutida bastante tempo, enquanto durar o processo, que infelizmente não é rápido. Para quê? Talvez para ficar por muito tempo na cabeça dos portugueses...

Com a devida vénia lhe digo, Senhor Presidente, foi mais um erro que cometeu. A vingança em política nunca colhe...

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