Decidimos pela publicação deste, que é um deles, e que parece de uma evidência merediana.
Se um capacitado técnico de tão elevado gabarito defende o que defende, resta-nos perguntar, sem conceder à muito habitual tese da conspiração, se haverá razões que a razão desconhece que justifiquem a tibieza nas acções e sobretudo nas omissões de multiplas entidades que não fazendo o que deveriam no interesse geral,poderão estar a curar de interesses especiais?
O BCE deve mudar o modelo de negócio
O Banco Central Europeu é a única instituição que pode evitar que o pânico nos mercados da dívida soberana empurre os países para um ‘mau equilíbrio’.
Torna-se cada vez mais óbvio que o Banco Central Europeu é a única instituição que pode estabilizar os mercados da dívida soberana na zona euro. Estes mercados têm sido de novo atacados pelo medo e pelo pânico, que provocam aumentos insustentáveis nas taxas de juro da dívida espanhola e italiana. Se ninguém fizer nada, Espanha e Itália serão empurradas para o incumprimento.
A natureza autoalimentadora destes desenvolvimentos é fulcral para entender a crise. Espanha e Itália são países solventes. No entanto, o medo e o pânico provocam duas coisas. Primeiro, levam para níveis insustentáveis as taxas de juro das obrigações governamentais destes países. Segundo, conduzem a quebras súbitas de liquidez que tornam impossível aos governos continuarem a pagar o serviço da dívida. Para evitar isto, os líderes políticos são forçados a encetar programas de austeridade excessivos, que levam a recessões profundas e ao colapso das receitas fiscais. O resultado é o agravamento da situação orçamental, não uma melhoria. O medo do default cria as condições que o tornam inevitável. Os países são empurrados para um ‘mau equilíbrio’.
O BCE é a única instituição que pode evitar que o pânico nos mercados da dívida soberana empurre os países para um ‘mau equilíbrio’, porque, como entidade emissora de moeda, tem uma capacidade infinita de comprar títulos governamentais. O facto de os recursos serem infinitos é central para lhe dar a capacidade de estabilizar as taxas das obrigações.
O BCE não manifesta vontade de estabilizar os mercados financeiros desta forma. A razão mais profunda para a relutância do BCE em ser credor de último recurso no mercado da dívida soberana tem que ver com o seu modelo de negócio. Este é um modelo em que o BCE tem como principal preocupação a defesa da qualidade da sua folha de balanço, isto é, uma preocupação em evitar perdas e mostrar liquidez, mesmo que isso conduza à instabilidade financeira.
É surpreendente que o BCE dê tal importância aos ganhos. De facto, esta insistência baseia-se num erro de compreensão fundamental da natureza dos bancos centrais. O banco central cria os seus próprios IOU. Assim, não precisa de liquidez para apoiar as suas atividades. Os bancos centrais podem viver sem liquidez porque não podem entrar em default. O único apoio de que um banco central carece é do apoio político do soberano que garante a natureza legal do dinheiro emitido. Este apoio político não precisa de liquidez. É enganador acreditar que um governo que pode entrar em incumprimento - e às vezes entra - precisa de fornecer capital a uma instituição que não pode entrar em default.
Tudo isto não seria problema se não fosse o facto desta insistência do BCE de ter liquidez positiva entrar em conflito com a sua responsabilidade de manter a estabilidade financeira. Pior, esta insistência tornou-se fonte de instabilidade financeira. Por exemplo, no sentido de proteger a sua equidade, o BCE insistiu em obter a condição de credor preferencial, seniority, na sua carteira de títulos governamentais. Ao fazê-lo, tornou estes títulos mais arriscados para os investidores privados, que reagiram vendendo. Isto também implica que se o BCE tivesse de assumir a sua responsabilidade de credor de último recurso, teria de abandonar a exigência de credor preferencial nas obrigações que compra nos mercados.
O modelo de negócio correto para o BCE é procurar a estabilidade financeira como objetivo prioritário (juntamente com a estabilidade dos preços), mesmo que isso o conduza a perdas. Não há limite para o volume de perdas que um banco central pode suportar, exceto o que é imposto pelo seu compromisso de manter os preços estáveis. Na presente situação, o BCE está muito longe desse limite.
Um banco central devia querer assumir essas perdas se ao fazê-lo estabilizasse os mercados financeiros. De facto, se estabilizasse com êxito os mercados, as perdas poderiam mesmo não chegar a ocorrer. Hoje, o medo das perdas paralisa o BCE. O BCE tem de afastar estes medos. Como disse Franklin Roosevelt num dos seus discursos de tomada de posse como Presidente dos EUA: “O único medo que temos a recear é o próprio medo.”
Por outras palavras, os investidores de hoje estão muito avisados quanto aos riscos, temendo ser apanhados numa crise que possa levar por água abaixo a sua riqueza. Num ambiente destes é importante que o banco central tenha vontade de correr alguns riscos, limitando dessa forma a extrema aversão ao risco que grassa no mercado. Se pelo contrário o BCE é igualmente, se não mais, resistente ao risco, os mercados financeiros não podem ser estabilizados. Porque tem bolsos sem fundo, é o banco central que em tempos de medo tem de se manifestar destemido. Esse é o banco central de que precisamos. Não um que se põe a fugir.
Paul De Grauwe, Professor da Universidade Católica de Lovaina, Bélgica, in Expresso de 04/08/2012
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