O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.
terça-feira, 12 de agosto de 2025
Em julho escrevi, neste mesmo espaço, sobre uma tragédia: uma mulher grávida que percorreu mais de três horas à procura de uma urgência que a recebesse. O bebé morreu. Não aconteceu no Algarve, mas podia. E avisei — não por dramatismo, mas por lucidez — que, com o estado a que chegou o Serviço Nacional de Saúde, voltaria a acontecer.
Ontem, no Carregado, não houve morte. Houve “apenas” mais uma prova. Uma mulher de 28 anos, grávida de 40 semanas, começou a sentir contrações e pediu ajuda. Ligou-se para a linha SNS24, a pedir uma ambulância. A resposta? “Vá de carro, é melhor.” Ligou-se depois para o 112. A chamada demorou a ser atendida. Atenderam em inglês. A urgência não chegou. O parto aconteceu na rua.
O que evitou que este caso se tornasse outra tragédia não foi o Estado, nem a resposta do sistema. Foi a coragem dos pais da jovem — que assistiram ao parto — e a sorte de haver, por acaso, uma enfermeira e um médico na vizinhança.
Não foi competência. Foi acaso.
Durante a gravidez, a mulher tinha pedido para ser acompanhada na Maternidade Alfredo da Costa. Pedido recusado. A médica, aflita, admitiu que não sabia para onde mandar as suas grávidas, com serviços fechados ou sobrelotados. No mesmo fim de semana, nove urgências de obstetrícia estiveram encerradas. Nove.
E, perante isto, ouviremos novamente as frases ensaiadas: “os procedimentos foram cumpridos”, “a assistência foi adequada”, “o sistema respondeu dentro do possível”. Palavras que já não significam nada. Palavras que matam, porque escondem a realidade: o SNS, como garante universal de cuidados de saúde, está a falhar.
Não se trata de um incidente isolado. Não é “azar”. É o retrato de um sistema que já não consegue assegurar o mínimo. Quando um bebé nasce na rua porque o Estado não consegue responder, o problema não é falta de sorte — é falta de responsabilidade.
Continuo a acreditar no SNS. Mas um serviço público só sobrevive se cumprir a sua função mais básica: cuidar. E cuidar exige mais do que protocolos. Exige presença. Exige empatia. Exige que, no momento da urgência, alguém atenda — e atenda com a urgência que a vida merece.
Quando governar se torna exercício de gestão de imagem, e não de proteção de vidas, o problema não é só político. É moral. É humano. E um país que normaliza bebés a nascerem na rua porque “não havia alternativa” está perigosamente perto de perder essa humanidade.
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