O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.

domingo, 10 de agosto de 2025

Entre a música e o mar: retrato de uma noite em Armação de Pêra

O som do sintetizador dos anos 80 descia pela areia como uma onda lenta, misturando-se ao cheiro salgado do mar. No palco, de costas para o Atlântico, DJ Nuno Silva alinhava músicas que pareciam tiradas de uma cassete esquecida no carro de um primo mais velho. Lá em baixo, corpos dançavam, cabeças abanavam, e o tempo, por instantes, parecia ter feito uma pausa. Mas nem todos estavam sintonizados no mesmo compasso. Sentado à sombra luminosa da barraca dos escuteiros, Bruno bebia uma jola morna e trocava palavras com o seu assessor de “marting” — uma espécie de conselheiro de esperanças políticas. Falavam baixo, mas o desalento era claro: a tal apoteose esperada para o dia 12 de outubro não dava sinais de querer acontecer. Os vídeos certinhos, com frases coladas como rótulos, não estavam a convencer. "Juntos conseguimos", dizia o slogan. Mas ali, o que a malta comentava era que Bruno conseguia, sim, encher as ruas… de lixo. E havia ainda um fantasma recente a pairar — o caso Vida D’Ouro — que deixava as conversas com um travo amargo. Afastei-me um pouco daquele reduto de queixas e encontrei lugar no muro da praia. Ao meu lado, um pescador com mãos de rede e pele de sal olhava o mar como quem lê um livro conhecido de cor. Disse-me que a sua juventude vinha das caminhadas noturnas, da casa ao minigolfe, e de nunca ter deixado de amanhar os aprestos. Os olhos dele brilharam ao falar das festas de antigamente: “As pessoas vinham de carroça, de charrete… até de todo o Algarve. Chegavam cedo, iam à praia, punham a melancia a refrescar na água. As barracas eram outras, rapariga. Tinha a dos tiros, a das setas… dava pra impressionar os amigos ou ganhar o olhar de uma catraia afoita.” Falou de gergelim, torrão de Alicante, polvo seco a estalar na brasa. E disse que, mesmo na areia, se ia de sapatos — emprestados ou apertados — porque dia de festa era dia de festa. Antes de me despedir, perguntei-lhe o que achava de Bruno. Sorriu de lado, sem largar o tom de quem já viu mais do que conta: “É um diabe de moçe pequeno… tem muito que aprender.” O DJ aumentou o volume. O mar, esse, continuava no seu próprio ritmo.

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