Considerámos de todo o interesse a divulgação da entrevista, quer pela utilidade das informações que expõe à luz do dia, quer pelo contributo que constitui para a consciencialização dos cidadãos acerca da qualidade da prestação dos eleitos e o estado das suas consequências.
Se a generalidade dos princípios e valores que revela merecem a nossa aprovação, outras posições merecem a nossa contraposição, o que sucederá oportunamente através de posição que tornaremos pública.
De qualquer forma e em linhas gerais consideramos a entrevista um verdadeiro oásis neste deserto que é a vida politica do concelho.
Jornal do Algarve – A oposição tem vindo a revelar uma grande preocupação com a situação financeira da Câmara de Silves. O vereador chegou mesmo a denunciar problemas graves, como a falta de dinheiro para comprar papel higiénico e a paragem de veículos por falta de verbas para os arranjar. Como avalia a situação financeira da autarquia neste momento?
Fernando Serpa – A situação financeira da câmara que conhecemos, repito, que conhecemos, é grave, com repercussões nas condições de trabalho dos funcionários e na própria prestação de serviços à população. Mas, mais grave, é o facto da autarquia não estar a honrar os seus compromissos, comprometendo a sustentabilidade das coletividades e o próprio funcionamento das juntas de freguesia do concelho. Quando o que se assume em protocolo não é respeitado, por uma estratégia meramente de cariz político-partidário, compromete-se não apenas o bom-nome da câmara, como pessoa de bem, mas parte do nosso futuro coletivo.
J.A. – Qual o montante dessa dívida e como avalia os quatro mandatos da presidente Isabel Soares (PSD)?
F.S. – Um deslumbre barroco que nos trouxe alegremente à beira do precipício, tantas foram as palavras prenhas de promessas que encantaram muitos de nós. Ao longo dos últimos anos, os executivos PSD têm gerido a câmara como se os recursos fossem ilimitados. A câmara gastou o que não tinha, invocando receitas virtuais para avançar no despesismo que ia garantindo votos. Ganharam sucessivas eleições, mas deixaram o concelho de rastos, como já é visível por todos. Os resultados estão à vista: em 2009 tiveram que contrair um empréstimo de 15 milhões de euros ao abrigo do programa de regularização de dívidas do Estado para fazer face ao pagamento das dívidas de curto prazo. Em 2011, passados apenas dois anos, estas dívidas de curto prazo já atingiram os 10,8 milhões de euros, segundo a conta de gerência de 2011, aumentando-se assim a dívida de médio/longo prazo. Para onde foi o dinheiro, se não temos mais indústria, não temos mais comércio, se grande parte das nossas empresas encerrou, se os nossos jovens saíram para os concelhos limítrofes? Se o desemprego é maior, se as nossas organizações desportivas, culturais e sociais agonizam?
J.A. – A Câmara de Silves também está neste momento envolvida em vários processos judiciais. Isso poderá afetar ainda mais a situação financeira da autarquia e comprometer o futuro?
F.S. – Este executivo permanente tem a sua estratégia bem definida. Não assume, nem honra, os compromissos que fez, preferindo antes apostar nas demoras judiciais, pois por essa via, permite-lhe transmitir a ideia de bom gestor. Sorrateiramente, vai empurrando os assuntos para tribunal. Atrasa os pagamentos, com significativos prejuízos para o erário público. Paga juros e desvia verbas para despesas judiciais e honorários de advogados que podiam e deviam ser canalizadas para melhorar os serviços prestados à população. Com tudo isto, a imagem da autarquia sai beliscada, passando a ser encarada como má pagadora, uma entidade em quem não se pode confiar.
J.A. – Outra das suas denúncias prende-se com as quantias que foram pagas a advogados contratados pela câmara, quando a autarquia conta nos quadros com cinco juristas. O que tem a dizer sobre isto?
F.S. – Posso adiantar que apenas no período compreendido entre o início deste mandato e 21 de novembro de 2011 foram gastos cerca de 500 mil euros, sem levar em consideração as despesas e honorários do processo Viga d´Ouro, que ainda não estão contabilizados. Teremos então, mais uma grande surpresa, quando se sabe que a autarquia além das suas, terá de suportar as da presidente da câmara e dos seus dois ex-vereadores. Se ousarmos recuar três anos, vamos assustar-nos ainda mais, pois os valores já rondam um milhão de euros. Uma situação que fala por si e que dispensa comentários.
J.A. – Considera, portanto, que o executivo liderado por Isabel Soares não vai conseguir responder às dificuldades financeiras que assolam a autarquia?
F.S. – Claramente que não. Esta forma de gestão já provou que não resulta. Quem vive acima das suas possibilidades, gasta o que não tem, adia o restante, apostando na via judicial, e não quer cortar na despesa, comprometendo o futuro. Não há volta a dar. O dinheiro não é elástico. Criaram-se hábitos, “compromissos”, maneiras de agir e pensar que não vão querer mudar em vésperas de eleições. Os tempos que agora vivemos convidam a outra postura. Obrigam a mudanças: de pensamento, de estratégia, de agir, de liderança. Será esse o nosso caminho.
J.A. – Depois de um processo longo e complicado, o PS/Silves acabou por abster-se para viabilizar o orçamento camarário para 2012. No centro do debate estiveram os problemas que afetam as juntas de freguesia e as coletividades do concelho… O que levou o PS a tomar esta decisão?
F.S. – Dois aspetos essenciais. Desde logo, a falta de rigor na elaboração do orçamento que não é sério, verdadeiro, nem exequível. Que nos leva a um maior despesismo pela inexistência de receitas credíveis. Por exemplo, alguém acredita que um edifício velho (Casino de Armação de Pera), a precisar de obras urgentes, pode alguma vez ser vendido por quatro milhões de euros, ainda mais considerando a crise que devasta a região? Apenas no espírito de quem precisou de se socorrer dessa artimanha para ter o seu orçamento equilibrado. Por outro lado, deparamo-nos com uma postura de confronto para com as coletividades e juntas de freguesia do concelho, procurando asfixiá-las. Apelamos ao bom senso. Apresentamos soluções, mas nunca conseguimos demover quem apostou na intransigência e na ausência de orçamento, para dessa forma justificar o seu (des)governo, responsabilizando a oposição. A situação financeira das coletividades agravou-se. As juntas ficaram sem fundos para pagar ordenados, o que nos levou a ceder em toda a linha para que não prejudicassem mais o concelho. Alertamos para os perigos que daí advinham, mas reconheço e assumo, cedemos pois, era a única forma de viabilizar a sobrevivência das nossas juntas e coletividades, pensávamos nós. Estávamos enganados. Passados dois meses da aprovação, verificamos que tudo continua na mesma, sem que tenha havido uma única transferência. O que é de lamentar.
J.A. – Se o PS vencer as eleições em outubro de 2013, o que vai mudar em Silves?
F.S. – A aposta na formação dos jovens, no património histórico e na cultura. A transparência em toda e qualquer decisão. O permanente acesso à informação para que os munícipes voltem a participar na vida da comunidade e não apenas uma vez de quatro em quatro anos, quando são chamados a votar. Haverá descentralização de serviços. Saberemos ouvir as pessoas, as juntas e as coletividades. Agilizaremos procedimentos da câmara com o contributo dos funcionários, que nos permitirá retomar o desenvolvimento no nosso concelho.
J.A. – Quais são as prioridades para o município de Silves? E qual elegeria como a primeira medida?
F.S. – Como primeira prioridade procuraremos recuperar a câmara municipal como pessoa de bem, em quem se pode confiar, que paga a tempo e que honra os protocolos que assina. Connosco acabar-se-ão as mordomias, as despesas de representação, os assessores, filhos e enteado deste ou daquela. O financiamento gigantesco de sociedades quer elas sejam de advogados, arquitetos e outros equiparados tem os seus dias contados. Connosco, primeiros estão os silvenses, as sociedades que por cá têm a sua sede, que aqui pagam os seus impostos. Os técnicos serão contratados localmente. Haverá exceções, seguramente, mas posso garantir que não passará a regra. Prestaremos contas e todos conhecerão o enquadramento das decisões, e qual o destino dos dinheiros públicos. Claro que haverá uma auditoria para se conhecer o estado atual das contas públicas, sendo divulgado publicamente o seu conteúdo, e encaminhado o resultado para as entidades da tutela, qualquer que ele seja. A responsabilidade pelas decisões, por todo este descalabro não pode morrer solteira ou quem sabe divorciada. Os regulamentos serão revistos para tornar atrativo o investimento no concelho. As florestas como a agricultura serão dinamizadas. Criar-se-ão de imediato nichos de produtores locais, promovendo-se o seu produto. Pois, na especificidade e qualidade do nosso produto, passará grande parte do nosso desenvolvimento.
J.A. – Como será resolvido o problema da dívida da câmara?
F.S. – Sem soluções milagrosas, mas como uma acentuada redução nas despesas. E dou já vários exemplos: controlo das despesas de representação dos dirigentes, contenção na publicidade, redução do custo das comunicações, nomeadamente dos telemóveis, corte nos assessores e técnicos contratados, para se valorizar e apostar nos nossos técnicos, rentabilização dos meios humanos e materiais da câmara, criando parcerias com as coletividades do concelho, assumindo e acarinhando o papel que as juntas de freguesia desempenham pela sua proximidade com as populações, independentemente da sua cor política. A nível das receitas, ousar semear para depois poder recolher. Apostar na revisão dos regulamentos, de forma a tornar atrativo o concelho de Silves para quem quiser aqui investir e viver.
J.A. – Comparando as eleições de 2005 e 2009, verifica-se que o PSD está a descer e o PS a subir no concelho. O partido está preparado para assumir os destinos do município? E já tem candidato à presidência?
F.S. – Um partido como o PS tem que estar sempre preparado para assumir os destinos de qualquer concelho. Silves não é diferente. Tem excelentes autarcas e ao longo dos últimos anos marcou a sua diferença, amealhando credibilidade tão necessária para os desafios futuros que se avizinham. O nosso trabalho fala por si. Como se sabe, o PS passou por uma mudança estatutária nos últimos meses, que obriga a eleições diretas, onde todos os militantes terão a oportunidade de participar na escolha do candidato que reúna as melhores condições para dirigir os destinos do concelho. Aliás, foi com esse pressuposto que apoiei o atual secretário-geral do PS, e é nessa política que me revejo. Tudo farei para implementar a democratização interna na escolha do candidato. O timing será atempadamente divulgado junto dos militantes. Quem quiser assumir a responsabilidade de avançar, poderá fazê-lo. Apresentar-se-á, defenderá as suas ideias para depois se sujeitar ao sufrágio eleitoral. Mas sou claro, a escolha será sempre dos silvenses, não permitirei um candidato imposto de fora. No que me toca, estou disponível para ser candidato. Se a comissão politica concelhia decidir indicar o meu nome e se recair em mim a escolha, será com grande orgulho que darei o melhor e farei todos os possíveis para sair vitorioso desse desafio. Se tal não acontecer, com a mesma humildade do passado, apoiarei incondicionalmente o candidato de todos nós.
J.A. – Qual é a posição do PS/Silves em relação ao anunciado projeto da Praia Grande, que está a dividir opiniões?
F.S. – Desde logo, importa esclarecer que existe uma ação judicial em curso, apresentada pelo Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, requerendo a “anulação da deliberação da Assembleia Municipal de Silves de 7 de dezembro de 2007 que aprovou o Plano de Pormenor da Subunidade Operativa de Planeamento e Gestão II da Praia Grande”, com o argumento de que os proprietários dos terrenos integrados no plano de pormenor foram tratados de maneira diferente. Ou seja, nem todos os terrenos aí integrados foram contemplados com a possibilidade de construção. Pelo que, a meu ver e como na altura defendi, quando votei contra este plano de pormenor, os terrenos aí integrados ou eram todos valorizados, sendo por todos distribuídos os índices de construção, ou se assim não fosse, os preteridos deveriam ter sido excluídos, por não representarem nenhuma valorização para o projeto. Outro caminho deveria ter sido seguido, em defesa da propriedade privada, constitucionalmente garantida, e não se ter enveredado na prática por um processo de expropriação semi-camuflado, em que os proprietários se vêm privados de parte do seu património, por imposição de terceiros. Aprovado pela assembleia municipal e publicado no Diário da República, sendo portanto lei, com prazos curtos para a sua execução, o projeto voltou a ser agendado. Coerentes com as posições tomadas quatro anos antes, em agosto de 2011, propusemos e a autarquia deliberou “promover a execução do Plano através de uma operação de reparcelamento e delimitação da área de intervenção da operação, salvaguardando a utilidade da decisão judicial que vier a ser tomada no âmbito do processo judicial”. As infraestruturas podiam assim avançar, sem comprometer o resultado da ação judicial em curso. Outras propostas se seguiram, em defesa da transparência e dos interesses dos particulares, sem comprometer o projeto. Tudo temos feito para conciliar posições aparentemente contraditórias, e assim continuaremos, a merecer a confiança de todos os envolvidos. Sou sincero e claro: Silves não pode perder este investimento, ainda mais no momento conturbado que atravessamos, com níveis de desemprego avassaladores no nosso concelho. A concretizar-se, contribuirá seguramente para minimizar este flagelo. Espero e desejo que as questões judiciais sejam rapidamente dirimidas a contento de todos os proprietários, permitindo uma maior tranquilidade na implementação do plano de pormenor, para que este, à semelhança de outros, não seja uma mera miragem especulativa, ou se transforme num local fantasma