O défice de participação da sociedade civil portuguesa é o primeiro responsável pelo "estado da nação". A política, economia e cultura oficiais são essencialmente caracterizadas pelos estigmas de uma classe restrita e pouco representativa das reais motivações, interesses e carências da sociedade real, e assim continuarão enquanto a sociedade civil, por omissão, o permitir. Este "sítio" pretendendo estimular a participação da sociedade civil, embora restrito no tema "Armação de Pêra", tem uma abrangência e vocação nacionais, pelo que constitui, pela sua própria natureza, uma visita aos males gerais que determinaram e determinam o nosso destino comum.

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Lisboa é a nova Miami dos brasileiros ricos (e clínica anti-depressiva da Europa)

Em setembro de 2014, a empresária Andrea Schultz, 40 anos, mudava-se com o marido e as duas filhas adolescentes para uma casa de 550 m² no Belas Clube de Campo, entre Sintra e Lisboa. O imóvel foi personalizado com três suites e quarto para a empregada, ao gosto do casal.

Donos de uma agência de viagem em Curitiba, os Schultz descobriram em Lisboa os atractivos que os brasileiros abastados encontravam na Flórida, EUA, quando decidiam mudar-se e/ou investir fora do Brasil. “Só que aqui é melhor. Temos o idioma comum, facilidade para conseguir visto e até passaporte português”, explica Andrea.

O seu marido, Aroldo, de 48 anos, é um dos 282 brasileiros que obtiveram o Visto Gold, ou seja, Autorização de Residência para Atividade de Investimento em Portugal.

Para ter direito ao visto, é preciso investir 1 milhão de euros, ou adquirir um imóvel que custe pelo menos 350 mil euros (em zonas de reabilitação urbana) ou € 500 mil nas restantes zonas. Ao fim de 5 anos, o investidor pode solicitar cidadania portuguesa.
Este é um direito que os seus descendentes, inclusivamente agora até os netos, estão a requerer cada vez mais. Só no Consulado de Portugal em São Paulo, são concedidas 820 novas cidadanias por mês. Nos últimos cinco anos, foram 40 mil.

“Os dois países estão sempre em contra-ciclo económico e aproveitam oportunidades recíprocas”, avalia Paulo Lourenço, cônsul-geral de Portugal em São Paulo. Hoje, 85 mil brasileiros são residentes regulares em Portugal.

Atentas a esse potencial mercado, as imobiliárias e agências de investimento portuguesas fazem fila para realizar eventos no Brasil.
“Quando vimos os brasileiros a comprar propriedades em Orlando e em Miami, começámos a ir a feiras e a falar com corretores locais para atrair esse perfil de cliente, que poderia achar Portugal interessante”, afirma Gilberto Jordan, director da Planbelas Sociedade Imobiliária, proprietária do empreendimento com campo de golfe onde vivem os Schultz.

Outras 15 famílias brasileiras responderam ao esforço de vendas do Belas Clube. Todas as semanas, recebem visitas de potenciais clientes do Brasil com capacidade de desembolsar 900 mil euros por uma casa.

“Os brasileiros descobriram Portugal há pouco tempo. Tinham um fascínio pelos EUA, só queriam ir para Miami”, diz Pedro Lancastre, diretor da JLL Consultoria Imobiliária. Hoje, o Brasil representa 14% da clientela, seguido da França (7%) e China (3%).

A mudança de destino dos brasileiros faz-se sentir sob a forma de um boom imobiliário, que elevou o preço de imóveis de luxo em Lisboa em 19%, em média, nos últimos dois anos. Um investimento atraente ainda assim, quando se compara o metro quadrado em áreas nobres de Lisboa (€ 8.000), Paris (€ 18 mil) e Londres (€ 27 mil).

Vista para o Tejo

Essa foi a conta que influenciou José Luiz Nogueira, 57, a instalar-se com a família num imóvel de 340 m² no centro histórico de Lisboa, em 2015. Pagou 5.340 euros por m2 de uma imóvel restaurado num edifício de 1840 na Sé, com sete portadas numa varanda voltada para o Tejo e vista lateral para o castelo de São Jorge.

“Financiei uma parte sem a burocracia do Brasil e com juros de menos de 2% por ano”, compara. “Os imóveis no centro chegaram a valorizar 46% entre 2015 e 2016.”

“Recomendamos o investimento em imóveis em Portugal. Você paga barato, está na Europa, adquire património em euros e o retorno varia de 5% a 15%”, diz Renato Breia, 32 anos, sócio da Empiricus, consultoria financeira com filial em Lisboa.

Ao mudar-se para Lisboa há um ano e meio, o economista seguiu o próprio conselho que dá aos clientes: comprou por 270 mil euros um apartamento de 90 m².

Esta leva de brasileiros ricos e de classe média, nos últimos três anos, encontrou em Portugal um Eldorado para fugir da insegurança, do desencanto com a política e da crise.

“É um perfil acolhido com tapete vermelho”, constata Maria Rita Faria, cônsul-adjunta do Brasil em Lisboa. “Aqui, desfrutam do seu nível de vida, as crianças saem sozinhas em segurança, contam com boas escolas internacionais, além de saúde e educação públicas de qualidade.”

Esse pacote fez os Schultz deixarem para trás a famosa qualidade de vida de Curitiba. “Escapámos à violência”, diz Andrea. “Ficávamos em casa, reféns de bandidos.”

Ao trauma da falta de segurança, soma-se a descrença com a classe política. “Só os meus netos terão um Brasil sem corrupção.”

Dono de uma produtora de vídeo em Brasília, José Luiz Nogueira ponderou ir viver para Paris, ao concluir que São Paulo, onde vivia a família, era inviável. Foi convencido pela mulher, Juliana Caus, 38 anos, a estabelecer-se em Lisboa, com os seus 500 mil habitantes, mas com todos os atractivos de uma capital.

“Ganho dinheiro no Brasil e vivo em Portugal”, resume o empresário, que passa 40 dias em Portugal e 20 no Brasil – uma ponte transatlântica que um cálculo de merceeiro prova ser lucrativa: paga 100 euros de condomínio e uma prestação mais barata que o custo de um arrendamento.

“Os meus filhos, com 13 e 10 anos, andam sozinhos de metro”, diz José Luiz Nogueira. “Viver em Lisboa é como dormir no sofá da avó. É uma sensação de pertença.”

Bilionários

A mulher mais rica de Portugal é uma brasileira: Regina Camargo, 66 anos, herdeira da Camargo Corrêa, com uma fortuna estimada em 1,7 mil milhões de euros. Regina e o marido, Carlos Pires, dono da cadeia farmacêutica Raia Drogasil, escolheram viver num prédio no Chiado, a zona nobre de Lisboa, e transferir a residência fiscal para Portugal.

Este é um exemplo do êxodo recente de pesos-pesados do PIB brasileiro para Portugal, que escolhem cada vez mais Lisboa como destino de eleição para as suas vidas.

Até agora, a opção mais habitual era ter residência de verão em Cascais ou no Estoril, especialmente para famílias com laços de sangue em Portugal, como os Diniz e os Setúbal.

Expoentes da nova geração, Ana Maria Diniz, filha mais velha de Abilio Diniz, e o marido, Luiz Felipe D’Ávila, reformaram um imóvel também no Chiado, onde o metro quadrado pode custar até 10 mil euros.

Gilmar Mendes, juiz do Supremo Tribunal Federal, optou pelo Príncipe Real, outra zona nobre, onde comprou um apartamento o ano passado. Com voo directo de Brasília para Lisboa, costuma passar feriados e planeia usufruir mais do imóvel quando se reformar.

“Temos uma comunidade de afectos em Portugal, na cooperação judicial e na educação”, diz. “Além de um clima ameno em qualquer época do ano.”

Altos executivos brasileiros também se dividem entre os dois países. É o caso de Marcos Madureira, 65 anos, vice-presidente do Santander.

Neto de portugueses, o banqueiro restaurou a quinta da família no norte de Portugal. “Vivi seis anos em Espanha e comecei a recuperação da casa que pertenceu ao meu avô. É o meu refúgio para viver entre Brasil e Portugal quando me aposentar.”

Com um pacote de reformas aprovado desde 2012, Portugal começou a tornar-se atractivo para investidores e reformados que, por exemplo, ganham isenção de impostos durante 10 anos ao transferir a sua residência fiscal para Portugal – algo que chegou mesmo a causar a revolta da Ministra das Finanças da Suécia.

Com uma vida cultural intensa, excelente gastronomia e custo de vida relativamente baixo, a capital portuguesa tornou-se um porto seguro também para nórdicos e franceses, atraídos pelo clima ameno, pelas belas praias, e por esses mesmos atractivos fiscais.

“Em França, temos depressão económica, crise de identidade e medo do terror”, explica François Manceaux, de 56 anos, um cineasta francês que se divide entre Paris e um apartamento no aprazível bairro da Lapa, em Lisboa.

“Portugal tornou-se uma espécie de clínica anti-depressão da Europa”. E uma espécie de Meca para um mundo em crise.

In: https://zap.aeiou.pt (25.04.2017)

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