Não basta limitarem e proibirem o aparecimento de novos alojamentos locais (mas não novos hotéis), agora querem mandar-nos para o desemprego e forçar-nos a entregar as nossas casas à Câmara Municipal.
Quem não entende de contabilidade não sabe, mas a diferença é simples: há dois regimes de contabilidade. A Contabilidade Organizada, em que se paga mensalmente a um contabilista para reunir e analisar todas as receitas e gastos e optimizar o perfil fiscal de cada empresa, e o Regime Simplificado, que abrange a grande maioria dos prestadores de serviços e pessoas singulares cujos rendimentos brutos anuais não passam os 200 mil euros.
No regime simplificado, o valor do rendimento tributável (o lucro, por assim dizer) é calculado automaticamente através de uma fórmula pré-definida (a que se dá o nome de coeficiente), que varia consoante a estrutura de custos estimada em cada actividade.
Em 2014, aquando da criação de um enquadramento legal específico para o Alojamento Local, o rendimento tributável do AL foi enquadrado no de prestadores de serviços abrangidos pelo artigo 31º nº2 alínea a) CIRS – ou seja, o das prestações de serviços de hotelaria e restauração. Quer isto dizer que nas actividades de alojamento e restauração o montante apurado para alocação a despesas é 85%, incidindo assim o Imposto Sobre o Rendimento sobre 15% da receita. Não havendo deste modo qualquer regime de excepção para a nossa actividade.
Este enquadramento justo motivou milhares de prestadores de serviços a deixarem a informalidade, sujeitando-se assim voluntariamente à tributação de rendimentos, aumentando a colecta de impostos no nosso país e promovendo o desenvolvimento da economia.
Contudo, em 2016, quando tudo aparentava compor-se e a qualidade e potencial dos serviços de alojamento em Portugal já ganhava fama além-fronteiras, atraindo assim o investimento de quem tinha apartamentos a precisar de obras e que, até então, não via incentivo nenhum para investir na sua recuperação, eis que o Governo, através da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, se lembra de propor para o OE2017 um aumento dos 15% para 35%.
E foi assim que, sem que nada tivesse mudado, o AL passou a pagar mais impostos sobre a mesma receita.
Mas não ficou por aqui. Desde então, a já de si pesada estrutura de custos de quem está nesta actividade tem sido frequentemente sujeita a novos custos e obrigações que asfixiam cada vez mais quem viu neste sector a oportunidade para criar o seu próprio emprego e/ou uma forma de adicionar um complemento ao magro orçamento familiar.
A juntar-se à já bem pesada lista de despesas com a actividade de alojamento, a saber:
- Pagamento de IVA que incide sobre os rendimentos de AL;
- Pagamento de IVA sobre as aquisições de serviços intracomunitários;
- Pagamento das contribuições para a Segurança Social (que em 2019 veio a sofrer de novo alterações devido à mudança do regime dos recibos verdes);
- Pagamento de mais-valias de Categoria B na desistência da actividade;
- Recolha e entrega da Taxa Municipal Turística;
- Aumento exponencial (5x) do tarifário por m3 da água em muitos municípios, só porque a casa está registada como AL;
- Instalação e manutenção anual de equipamentos de segurança contra incêndio
- Aquisição de Livro de Reclamações;
- Aquisição e manutenção de material de primeiros socorros e respectiva sinalética;
- Aquisição e manutenção de todo o mobiliário e electrodomésticos;
- Aquisição e manutenção de todos os atoalhados e roupas de cama;
- Pagamento de limpezas e lavandaria entre cada hóspede;
- Pintura e outras renovações a cada 2 anos para manter o imóvel em condições de operar no sector do alojamento;
- Pagamento de softwares essenciais ao cumprimento das cada vez mais complexas obrigações legais, como seja a comunicação dos hóspedes ao SEF, a contabilização das TMT devidas, as comunicações com os hóspedes, as comissões dos vários sites onde anunciamos, etc;
- O pagamento a fotógrafos e decoradores profissionais para manter os apartamentos competitivos;
- Pagamento a profissionais de contabilidade para apoio ao cumprimento de todas as obrigações fiscais;
- Exposição à acentuada sazonalidade típica do sector – pelo menos 4 meses por ano não há rendimentos;
- Disponibilidade 24/7 para dar conta de todas as solicitações dos clientes;
- Gastos frequentes com formações e seminários para poder estar a par e cumprir as frequentes alterações legislativas e fiscais.
- Seguro de Responsabilidade Civil obrigatório para cada casa com cobertura mínima de 75.000€;
- Agravamento das cotas de condomínio até 30%;
- Compra obrigatória, instalação e manutenção das frequentemente vandalizadas e roubadas placas de AL;
- Compra e manutenção de um Livro de Informações em 4 Línguas;
- Compra de nova versão do Livro de Reclamações, desta vez também electrónico.
Comparar isto e querer aumentar para 50% o coeficiente do alojamento local nas modalidades e apartamentos, quando todos os restantes prestadores de serviços de alojamento, restauração e similares se mantêm nos 15% parece-me mais do que injusto, parece-me má fé.
Não basta limitarem e proibirem o aparecimento de novos alojamentos locais em zonas que continuam abertas à instalação de novos hotéis, não basta excluírem o alojamento local de ter uma palavra a dizer relativamente aos destinos dos valores da taxa municipal turística que recolhe – agora querem mandar-nos para o desemprego e forçar-nos a entregar as nossas casas à Câmara Municipal, para que delas disponha como bem quiser, sem qualquer garantia de sermos ressarcidos de estragos provocados por inquilinos que não conhecemos e que não têm qualquer vinculo legal connosco. Não bastando isto, ainda querem aumentar-nos o coeficiente de imposto para 50%.
Se isto não é um crime, o que será?
Por: Carla Costa Reis